Acórdão nº 50015011320138210025 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Oitava Câmara Criminal, 17-02-2023

Data de Julgamento17 Fevereiro 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50015011320138210025
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoOitava Câmara Criminal

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003038017
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

8ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Criminal Nº 5001501-13.2013.8.21.0025/RS

TIPO DE AÇÃO: Estupro de vulnerável CP art. 217-A

RELATORA: Desembargadora ISABEL DE BORBA LUCAS

RELATÓRIO

Primeiramente, cumpre salientar que os nomes das partes envolvidas foram abreviados, inclusive em citações e trechos da sentença utilizados neste relatório e voto, por se tratar de feito que tramita em segredo de justiça.

A seguir, adoto o relatório da sentença (evento 3, DOC3, fls. 15/16):

O Ministério Público, por seu órgão firmatário, com base no incluso inquérito policial nº 35/2013/151401-A, oriundo da Delegacia de Polícia de Santana do Livramento-RS, ofereceu denúncia contra J.B.M.S.F., brasileiro, solteiro, branco, ensino médio, frentista, natural de Santana do Livramento-RS, nascido em 04.02.1977, filho de João Batista M.S. e de Irma Glecir dos Santos S., residente na Rua Rubens Pereira, n67, bairro Planalto, em Santana do Livramento-RS, pela prática do seguinte fato:

Em datas e horários não precisados no sumário policial, mas no ano de 2010, na Rua Rubens Pereira, nº 67, bairro Planalto, em Santana do Livramento-RS, o denunciado, por diversas vezes, praticou ato libidinoso com L.T.F., que contava, na época, 11 anos de idade (pedido de diligência abaixo).

Nas ocasiões, o denunciado, ao ficar sozinho em casa com L.T.F., passava a mão nas pernas e apertava as coxas dela, dizendo que "era brincadeira, amor de pai", sendo que, com o decorrer do tempo, começou a esfregar as mãos dele na vagina, cintura e seios da ofendida, dizendo que ela "tava bonita, que tava gostosa, que tava na hora de transar", e que ela estava com corpo de adulta.

A denúncia foi recebida na data de 09.11.2017 (fl. 52).

Citado pessoalmente (fl. 63), o acusado apresentou resposta à acusação, através de defensor constituído, oportunidade na qual sustentou que não praticou o fato narrado na denúncia (fl. 65).

Acostada a certidão de nascimento da ofendida (fl. 67).

Não verificada nenhuma das hipóteses de absolvição sumária, restou realizada a instrução, oportunidade na qual foram ouvidas a vítima e 03 (três) testemunhas arroladas pelo Ministério Público, bem como interrogado o acusado, o qual negou a prática do fato narrado na denúncia (fls. 81/82).

Encerrada a instrução, o Ministério Público apresentou memoriais aduzindo que a materialidade e a autoria restaram devidamente demonstradas durante a instrução processual. Requereu a condenação do acusado (fls. 84/91).

Por derradeiro, a Defesa, em sede de memoriais, sustentou a ausência de provas suficientes para autorizar um juízo condenatório, tanto que inicialmente o inquérito policial foi arquivado a pedido do Ministério Público, referindo a existência de contradições na versão da ofendida, bem como de desavença pretérita com o genitor da ofendida. Requereu a absolvição do acusado (fls. 93/96).

Sobreveio a sentença, evento 3, DOC3, fls. 15/25, publicada em 10/11/2020 (evento 3, DOC3, fl. 33), que julgou parcialmente procedente a denúncia, desclassificando o delito para a contravenção penal prevista no art. 65 da Lei das Contravenções Penais, e decretando extinta a punibilidade de J.B.M.S.F., pela prescrição da pretensão punitiva estatal, com base na pena abstrata, conforme o art. 109, VI, c/c o art. 107, IV, ambos do CP.

O réu foi intimado da sentença por meio eletrônico, aplicativo de mensagens WhatsApp (evento 3, DOC3, fl. 32), conforme autorizado pelo Ato nº 030/2020-CGJ.

O Ministério Público apelou (evento 3, DOC3, fl. 29), acostando razões ao evento 3, DOC3, fls. 35/50 e ao evento 3, DOC4, fls. 01/06, postulando a condenação do réu como incurso nas sanções do art. 217-A, caput, por diversas vezes, c/c o art. 226, II, ambos do CP, como constou na denúncia.

Com as contrarrazões recursais (evento 3, DOC4, fls. 09/10), pelo desprovimento do apelo, vieram os autos.

Nesta Corte, o ilustre Procurador de Justiça, Dr. Carlos Roberto Lima Paganella, opinou pelo provimento do apelo da acusação (evento 8, DOC1).

Esta 8ª Câmara Criminal adotou o procedimento informatizado utilizado pelo TJRS, atendido o disposto no art. 609 do Código de Processo Penal, bem como o art. 207, II, do RITJERGS.

É o relatório.

VOTO

Trata-se de recurso de apelação promovido pelo Ministério Público, que pugna pela condenação do réu, nos moldes em que foi denunciado.

Depreende-se dos autos que J.B.M.S.F. foi denunciado porque, em diversas ocasiões, no ano de 2010, constrangeu a menor L.T.F., de 11 anos de idade, sua enteada, a atos libidinosos diversos da conjunção carnal, consistentes em passar as mãos lascivamente sobre o corpo da menina, no interior da residência em que coabitava com a genitora da infante. Após a criança revelar os fatos, o pai efetuou o registro do Boletim de Ocorrência da fl. 07 (Evento 3, PROCJUDIC1), em 05/01/2013.

Verifica-se que a sentença atacada, embora tenha admitido a conduta praticada por J.B.M.S., entendeu ser caso de desclassificação do delito para o artigo 65 do Decreto n. 3.688/41, já que não restou evidenciado o intento de praticar o delito de estupro de vulnerável (art. 217-A do Código Penal), na medida que o réu não despiu a vítima, nem se despiu perante ela. Não atritou seus genitais contra o corpo dela. Não praticou qualquer ato invasivo, com grau de lesividade próprio do delito previsto no artigo 217-A do Código Penal.

A decisão também frisou que o tipo penal previsto art. 217-A do Código Penal está a exigir comportamento sexual agressivo, com alguma espécie de penetração - v.g., sexo oral ou anal sob pena de agredir o princípio da proporcionalidade entre o crime e o castigo, ainda que considerada a redução pela tentativa. Daí o recurso.

Com efeito, assim versa o artigo 65 do Decreto nº 3.688/41:

Art. 65. Molestar alguém ou perturbar-lhe a tranqüilidade, por acinte ou por motivo reprovável:

Pena - prisão simples, de quinze dias a dois meses, ou multa, de duzentos mil réis a dois contos de réis.

Pedindo vênia ao entendimento esposado na origem, tenho que não seja caso de desclassificação do delito descrito na denúncia para a contravenção do artigo 65 da LCP, que se refere, em se tratando de matéria criminal, à responsabilidade daquele que produz barulho excessivo (ruído) ou daquele que perturba o sossego de terceiro, o que, evidentemente, não é o caso dos autos.

Inicialmente, no que tange à prova amealhada ao feito, tanto a AUTORIA quanto a EXISTÊNCIA DO FATO restaram inequívocos, merecendo reprodução, porque rebateu as teses defensivas e concluiu pela condenação (aqui não se concordando somente quanto à desclassificação operada), sentença da lavra do ilustre Dr. Gildo Adagir Meneghello Junior, por conter o equacionamento da matéria com a fundamentação precisa advinda da análise dos fatos ocorridos e os testemunhos relevantes ao desiderato da questão, evitando desnecessária tautologia (evento 3, DOC3, fls. 17/24):

A MATERIALIDADE DELITIVA restou devidamente demonstrada através do registro de ocorrência n° 135/2013 (fls. 06/07), bem como indiretamente através da prova testemunhai colhida.

Por sua vez, a AUTORIA acabou suficientemente comprovada através do conjunto probatório colhido, em especial, pela firme e coerente palavra da vítima, criança com onze anos de de idade à época do fato, a qual, em todas oportunidades nas quais foi ouvida, sempre narrou de forma límpida, consistente e sem contradições a conduta perpetrada por J.B.M.S.F., seu padrasto.

Importante salientar que, em se tratando de crimes sexuais, a palavra da vítima é de vital importância, sendo, muitas vezes, a única prova a determinar a condenação do réu, na medida que, pela sua natureza, tais infrações normalmente são cometidas de forma clandestina, longe dos olhos de qualquer testemunha. Assim, em regra, quando o relato do ofendido mostra-se firme e coerente, deve prevalecer no confronto com a versão defensiva.

A vítima L.T.F. (CD da fl. 82), ao ouvida em juízo, mesmo após decorridos cerca de oito anos da data do fato, narrou, visivelmente emocionada, o ocorrido de forma coerente com a versão apresentada durante a fase inquisitorial, mencionando que o acusado, seu padrasto, passava as mãos em suas coxas, vagina, cintura e peitos, tendo, inclusive, por certo período passado a morar com seu genitor. Todavia, em razão de uma briga com seu pai, retomou a residir com sua genitora e o acusado, ocasião na qual sua irmã teria mostrado para sua mãe áudios do acusado assediando-a.

Após a revelação dos áudios sua genitora deixou o imóvel em que residia com o réu.

Denota-se, portanto, que a vítima, já adulta na época da audiência de instrução, relatou de forma segura e coerente o abuso perpetrado pelo acusado, consistente em passar a mão em sua região genital e outras partes do corpo.

Importante salientar, ainda, que não se mostra evidenciada a presença de quaisquer motivos espúrios para falsa imputação por parte da ofendida, não bastando para retirar o valor probatório de seu relato a circunstância do acusado possuir desavença anterior com o genitor daquela, até mesmo porque a prova judicializada é clara ao demonstrar que L.T.F. relatou o ocorrido inicialmente para sua avó paterna.

Outrossim, necessário mencionar que pequenas contradições no depoimento da ofendida, por si só, não são suficientes para enfraquecer o valor probatório de sua palavra, haja vista o longo decurso de tempo desde a data do fato.

Tecidas tais considerações entendo que no caso em concreto mostra-se evidente que as declarações da ofendida devem ser valoradas para a formação do convencimento do Julgador segundo o princípio da livre apreciação da prova e cotejadas com o restante dos elementos probatórios produzidos.

Por sua vez, ZELI MARIA HEREDES F....

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