Acórdão nº 50015021120208210006 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Quinta Câmara Cível, 30-03-2022

Data de Julgamento30 Março 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50015021120208210006
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoQuinta Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001668107
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

5ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5001502-11.2020.8.21.0006/RS

TIPO DE AÇÃO: Indenização por dano moral

RELATOR: Desembargador JORGE LUIZ LOPES DO CANTO

APELANTE: JOAO BATISTA FERREIRA VIEIRA (AUTOR)

ADVOGADO: PATRICIA CASSOL DE LIMA (OAB RS073874)

APELANTE: BANCO BRADESCO SA (RÉU)

ADVOGADO: NEWTON DORNELES SARATT (OAB RS025185)

APELADO: OS MESMOS

RELATÓRIO

Trata-se de recursos de apelação interpostos por JOÃO BATISTA FERREIRA VIEIRA e BANCO BRADESCO, nos autos da ação indenizatória, movida por aquele em face deste.

Em suas razões recursais, a parte ré alegou, preliminarmente, a configuração de coisa julgada, em virtude de ter sido condenada ao pagamento de indenização pelo fato de ter gerado a inscrição do apelado dívida ativa do Estado pela ausência de transferência do automóvel junto ao órgão competente, conforme a sentença transitada em julgada nos autos 006/1.17.0001479-2.

No mérito, asseverou a inexistência de ato ilícito, diante da impossibilidade do cumprimento específico da obrigação, afirmando que o veículo não foi localizado pelo apelane, inviabilizando a vistoria obrigatória de identificação veicular, a qual é necessária para a transferência de propriedade junto ao órgão de trânsito, nos termos da Resolução CONTRAN n.° 466 de 11/12/2013.

Discorreu acerca da não cmoprovação dos alegados danos morais.

Requereu o provimento do recurso, para o fim de julgar improcedente a demanda.

Por sua vez, a parte autora sustentou que o quantum indenizatório se mostra insuficiente a amenizar o dano experimentado e tão pouco a coibir a ocorrência da mesma pratica. Postulou o provimento do apelo, com a majoração do quantum indenizatório e os honorários advocatícios.

Com as contrarrazões, os autos foram remetidos a esta Corte.

É o relatório.

VOTO

Admissibilidade e objeto dos recursos

Eminentes colegas, os recursos intentados objetivam a reforma da sentença de primeiro grau, versando sobre indenização por danos morais em decorrência de suposto descumprimento de ordem judicial.

Os pressupostos processuais foram atendidos, utilizados os recursos cabíveis, há interesse e legitimidade para recorrer, são tempestivos e o da parte autora está dispensado de preparo em razão da gratuidade judiciária deferida, sendo que o da ré está acompanhado do devido preparo, inexistindo fato impeditivo do direito recursal, noticiado nos autos.

Assim, verificados os pressupostos legais, conheço dos recursos intentados para a análise das questões de fundo suscitadas.

Da inocorrência de coisa julgada

No caso em exame, não merece prosperar a alegação de coisa julgada, tendo em vista que a causa de pedir aventada nos autos da ação de obrigação de fazer cumulada com indenização por dano moral n. 006/1.17.0001479-2 é distinta do presente feito, pois naquela ação o pleito estava embasado no descumprimento de cláusula do contrato entabulado entre as partes, enquanto neste a causa de pedir é o descumprimento da determinação judicial transitada em julgado.

Nesse sentido, é oportuno colacionar trecho do relatório daquela sentença a seguir:

Inicialmente, destacou o autor o desinteresse em conciliar ou mediar. Referiu se tratar de relação de consumo, que envolve boa-fé objetiva, pois há obrigação da parte ré consistente em transferir o veículo no prazo legal, diante da liquidação do contrato por meio de recebimento do veículo. Alegou, que por se tratar de relação de consumo, o contrato deve ser interpretado de maneira mais favorável ao consumidor. Salientou, que em 03.12.2016, foi surpreendido por um Aviso de Inscrição em Dívida Ativa por não pagamento de IPVA no valor total de R$ 8.388,94. Ponderou ter pago o IPVA do veículo até o ano de 2013, enquanto estava sob sua posse, todavia, a partir de 2014, o pagamento passou a ser de responsabilidade do Banco requerido, que não o fez. Frisou que o demandado não deu baixa na alienação fiduciária. Pontuou se tratar de dano in re ipsa, havendo, inclusive, o risco de sofrer execução fiscal e bloqueio em sua conta, assim como responder por algum crime em face de acidente de trânsito, pois o veículo segue circulando com os documentos em seu nome. Inferiu ter se dirigido até a sede do Banco, mas nada foi resolvido, uma vez que o próprio gerente não soube dizer o que estava acontecendo, tampouco demonstrou interesse em resolver. Mencionou a existência de acordo homologado nos autos do processo nº 006/1.12.0002832-8, por meio do qual houve a entrega do veículo ao requerido. Ressaltou que o demandado deve ser compelido a comprovar onde se encontra o veículo ou se o bem foi leiloado. Enfatizou a necessidade de concessão de liminar, visando resguardar seus direitos e evitar maior dano, por se tratar de tutela de urgência e evidência. Discorreu sobre o dano moral sofrido, diante da conduta negligente do requerido, que deixou de efetuar a transferência do veículo recebido em pagamento, tendo seu nome difamado e inscrito em dívida ativa. Em face disso, requereu fosse deferida liminar: a) para que fosse lançada restrição junto ao RENAJUD, a fim de que o bem pare de circular ou que fique impedido de trafegar, até a efetiva transferência da documentação; b) para o demandado pague o valor total do IPVA e regularize a documentação, no prazo de 48 horas, sob pena de multa diária não inferior a R$1.000,00; c) para que fosse expedido ofício à Secretaria da Fazenda suspendendo a inscrição em dívida ativa. No mérito, postulou a inversão do ônus da prova, a condenação do requerido no pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 20.000,00 e fosse ratificada a tutela antecipada, sendo determinada a obrigação de fazer. Pediu AJG. Juntou documentos (fls. 10/28).

E o dispositivo sentencial segue abaixo transcrito:

Ante o exposto, com fulcro no Art. 487, inc. I, do CPC, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a ação movida por JOÃO BATISTA FERREIRA VIEIRA em face de BANCO BRADESCO S.A., para o fim de:

a) DETERMINAR ao requerido:

a.1) Que proceda na transferência e regularização da documentação do veículo, CAMINHÃO MARCA VOLVO, ANO/MODELO 2010/2010, COR PRATA, MODELO FH 440 6 X 2T, CHASSI 9BVAS02C6AE759918, PLACA IQV2261, RENAVAM 212796194, junto ao RENAJUD/DETRAN, em cumprimento ao determinado pelo TJRS, ratificando a multa diária fixada na fl. 134.

a.2) Determinar que o Banco pague valores que ainda estejam pendentes referentes ao IPVA, enquanto o veículo estiver sob a titularidade do autor, ratificando a multa diária fixada na fl. 134.

b) CONDENAR o demandado no pagamento de indenização por danos morais em favor do autor, no valor R$ 5.000,00 (cinco mil reais), que deverá ser corrigido monetariamente pelo IGP-M, a contar da presente data, acrescido de juros de mora 1% ao mês, a contar da citação.

Dada a sucumbência mínima do autor, condeno o réu no pagamento de custas processuais e honorários advocatícios, que fixo em 15% sobre o valor da condenação, forte no Art. 85, §2º do CPC, tudo de acordo com a natureza do feito, os valores discutidos e o trabalho desenvolvido.

Assim, configurando nova causa de pedir, ainda que os danos alegados sejam fundados no descumprimento daquele contrato já discutido, pois se discute a ilicitude da conduta da ré que procedeu ao descumprimento da decisão judicial.

No que diz respeito à coisa julgada, dispõe o artigo 337, § 1º, do CPC que, verifica-se a litispendência ou a coisa julgada quando se reproduz ação anteriormente ajuizada.

Da mesma forma, segundo o § 2º do dispositivo legal precitado, uma ação é idêntica a outra quando tem as mesmas partes, a mesma causa de pedir e o mesmo pedido; e ainda, conforme preceitua o § 3º, há litispendência quando se repete ação que está em curso.

A esse respeito Marinoni e Arenhart1 prelecionam que:

Decorre daí que a imutabilidade, ínsita à coisa julgada, somente atinge a parte dispositiva da sentença, na qual se estabeleceu a lei do caso concreto. Todo o restante, ou seja, a fundamentação e o relatório, não restam imutáveis.

(...)

Sempre, portanto, que as circunstâncias (fáticas ou jurídicas) da causa forem alteradas de maneira tal a compor nova causa de pedir, surgirá ensejo a nova ação, totalmente diferente da ação anterior, e, por essa razão, não preocupada com a coisa julgada imposta a primeira decisão.

Assim, há coisa julgada quando a repetição da ação acontece, nas mesmas circunstâncias, ou seja, quando existe identidade de partes, causa de pedir e de pedido. Nesta hipótese a primeira ação já se encontra sob o manto da coisa julgada material, isto é, decisão que não cabe mais qualquer recurso. Configurado aquele instituto, a consequência jurídica é que o julgador não irá resolver o mérito, nos termos do art. 485, inciso V, do Código de Processo Civil.

Salienta-se, uma vez mais, que a causa de pedir da presente demanda é o descumprimento da obrigação de fazer determinada judicialmente, consubstanciada na regularização do registro do automóvel, acarretando nova incrição em dívida ativa do autor, mesmo após o trânsito em julgado daquela ação que discutia o descumprimento do contrato.

Sendo assim, não se confundem as pretensões vertidas em ambas as ações, tendo em vista que a presente ação indenizatória está embasada no descumprimento da decisão judicial transitada em julgado, de sorte que deve ser rejeitada a preliminar de coisa julgada aventada pela parte ré em sede de apelação.

Mérito do recurso em exame

A parte autora narra na petição inicial que obteve tutela jurisdicional, no processo n.º 006/1.17.0001479-2, na qual foi determinada a regularização do registro do veículo junto ao DETRAN, bem como o pagamento dos débitos lançados após setembro de 2013, com os consequentes efeitos perante a Secretaria da Fazenda.

Entretanto, afirmou que a...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT