Acórdão nº 50015102020208210157 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Quinta Câmara Cível, 14-12-2022

Data de Julgamento14 Dezembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50015102020208210157
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoQuinta Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002826604
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

5ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5001510-20.2020.8.21.0157/RS

TIPO DE AÇÃO: Fornecimento de medicamentos

RELATOR: Desembargador JORGE ANDRE PEREIRA GAILHARD

APELANTE: UNIMED ENCOSTA DA SERRA/RS SOCEIDADE COOPERATVA DE SERVIÇOS DE SAÚDE LTDA (RÉU)

APELADO: DAIANA DA SILVA SOUZA (AUTOR)

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de apelação interposto por Unimed Encosta da Serra/RS Sociedade Cooperativa de Serviços de Saúde Ltda. contra a sentença que, nos autos da Ação de Obrigação de Fazer ajuizada por Daiana da Silva Souza, julgou a demanda nos seguintes termos:

Isso posto, nos termos do artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil, JULGO PROCEDENTE os pedidos formulados por DAIANA DA SILVA SOUZA na ação ajuizada em desfavor de UNIMED ENCOSTA DA SERRA/RS, para tornar definitiva a tutela antecipada deferida para determinar que o demandado forna à parte autora o tratamento postulado.

Ante a sucumbência condeno a parte demandada ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios os quais fixo em 10% sobre o valor atualizado da ação, nos termos do artigo 85, §2° do CPC.

Sustenta a petição recursal que a negativa de cobertura do tratamento encontra amparo na Lei dos Planos de Saúde e no Rol da ANS. Menciona que o art. 10, VI, da Lei nº 9.656/98, e a cláusula 16, alínea c, inciso VI, do contrato firmado entre as partes demonstram a inexistência de obrigatoriedade da apelante custear o medicamento postulado, de uso domiciliar e não antineoplásico. Alega que os planos de saúde possuem obrigação de oferecer cobertura somente aos procedimentos elencados no Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde da ANS. Ressalta que o julgado da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) (REsp nº 1733013/PR) fixou o entendimento de que o Rol de procedimentos e eventos em saúde da ANS, previsto na Resolução Normativa 428/2017, é taxativo.

Requer o provimento do apelo (Evento 64 - APELAÇÃO1 dos autos originários).

Intimada, a autora apresentou as contrarrazões (Evento 67 - PET1 dos autos originários).

Subiram os autos a este Tribunal.

Distribuídos, vieram conclusos.

Cumpriram-se as formalidades previstas nos arts. 929 a 935, do CPC.

É o relatório.

VOTO

O recurso é tempestivo. O preparo foi devidamente comprovado pela apelante.

Pois bem. Buscando conceituar os contratos de plano de assistência à saúde, Arnaldo Rizzardo afirma que (in Contratos, 2ª edição, Editora Forense, Rio de Janeiro, 2004, p. 892):

Trata-se do contrato pelo qual o segurador se obriga a cobrir a indenização por riscos ligados à saúde e à hospitalização, mediante o pagamento do prêmio em determinado número de prestações. Fica a pessoa protegida dos riscos da enfermidade, pois contará com recursos para custear as despesas acarretadas pelas doenças, com a garantia da assistência médico-hospitalar. Genericamente, é a garantia de interesses pela cobertura dos riscos da doença. Através dele, o indivíduo ou segurado fica protegido dos riscos da enfermidade, pois contará com recursos para custear as despesas acarretadas pelas doenças, e tendo direito à própria assistência médico-hospitalar. No entanto, tradicionalmente, duas as formas de cobertura: ou pelo reembolso de despesas com liberdade de escolha de quem presta os serviços, caracterizando o seguro-saúde; ou pelo credenciamento de médicos e hospitais, para os quais se encaminha o segurado que receberá o tratamento médico-hospitalar, tendo-se, os planos de assistência. Nesta última espécie, os serviços médicos e hospitalares organizam-se através de convênios. As pessoas signatárias do contrato pagam, mediante contribuições mensais, o dispêndio com os serviços médico-hospitalares futuros. De modo que, ao lado do seguro-saúde, aparecem os planos de assistência à saúde, que se organizam na forma de pessoas jurídicas, para a prestação de atividades ligadas à saúde, tanto no concernente ao tratamento médico como para finalidade da recuperação por meio de atendimento ambulatorial e internamento hospitalar.

No caso, a parte autora pretende ver reconhecida a obrigação da operadora do plano de saúde em cobrir os custos necessários à realização do tratamento com o medicamento Enoxoparina.

Conforme o laudo médico juntado no Evento 1 - LAUDO7 dos autos originários, a autora apresentou positividade para o Polimorfismo PAI-1 4G/5G (Heterozigoto), sendo portadora de trombofilia, necessitando, para não ter risco de perda fetal, realizar tratamento com o fármaco em questão, cujos nomes comerciais são Versa ou Clexane - 40 mg.

A operadora do plano de saúde, por sua vez, negou a cobertura do medicamento porque o mesmo é de uso domiciliar e consta como medicação de cobertura mínima obrigatória da ANS somente para casos de câncer.

Entretanto, o contrato em tela está submetido às normas do Código de Defesa do Consumidor. Inclusive, pacificada tal orientação no egrégio STJ, foi editada a Súmula 608, com o seguinte teor:

Súmula 608. Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de saúde, salvo os administrados por entidades de autogestão.

Nestas circunstâncias, o art. 47, do CDC, determina que as cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor.

Igualmente, deve incidir o disposto no art. 51, IV, § 1°, II, do CDC, segundo o qual é nula a cláusula que estabeleça obrigações consideradas iníquas, que coloquem o consumidor em desvantagem. Também, mostra-se exagerada a cláusula que restringe direitos ou obrigações inerentes à natureza do contrato, ameaçando seu objeto e equilíbrio, ou ainda que seja excessivamente onerosa ao consumidor.

Sobre o tema, Karyna Rocha Mendes, Mestre em Direitos Difusos e Coletivos pela ESMP de São Paulo, assevera que (in Curso de Direito da Saúde, 1ª ed., Editora Saraiva, 2013, p. 635):

(...)

Com efeito, nos contratos de prestação de serviço de saúde, como já vimos, as cláusulas que infrinjam os princípios trazidos do Código de Defesa do Consumidor devem ser consideradas abusivas e, consequentemente, desconsideradas do pacto contratual. Nos contratos firmados antes da entrada em vigor da Lei nº 9.656/98, somente se aplicavam as normas trazidas pelo Código de Defesa do Consumidor e pela legislação anterior especial aos seguros – num verdadeiro diálogo de fontes.

Pelo Código de Defesa do Consumidor temos a aplicação de cláusulas gerais de boa-fé, transparência, informação, normas que buscam o equilíbrio contratual com a proteção da parte vulnerável na relação, o consumidor. O que a Lei nº 9.656/98 fez foi consolidar o que já era considerado abusivo. O espírito do intérprete deve ser guiado pelo art. 7º, do CDC, que autoriza a aplicação de lei e tratados que visem dar ao consumidor maior proteção.

De outro lado, os planos de saúde apenas podem estabelecer para quais doenças oferecerão cobertura, não lhes cabendo limitar o tipo de tratamento que será prescrito, incumbência essa que pertence ao profissional da medicina que assiste o paciente, ainda que não haja previsão em Rol da ANS, o qual constitui apenas referência básica de cobertura, conforme § 12 do art. 10 da Lei n° 9.656/98, incluído pela Lei n° 14.454/2022, não sendo, portanto, taxativo.

E aqui, vale dizer que ainda não foi publicado o acórdão proferido no julgamento do EREsp nº 1.886.929/SP, não havendo também o trânsito em julgado daquela decisão, cujo entendimento firmado tenho que restou parcialmente superado com a entrada em vigor da referida Lei n° 14.454/2022.

Ademais, de acordo com o § 13, I, do art. 10 da Lei n° 9.656/98, incluído pela Lei n° 14.454/2022, é possível cobertura de procedimento ou tratamento que não esteja previsto no Rol da ANS quando existir comprovação da eficácia, à luz das ciências da saúde, baseada em evidências científicas e plano terapêutico, sendo este o caso dos autos, como demonstra o laudo médico já mencionado e os documentos juntados no Evento 67 - OUT2, OUT3 e OUT4..

É o que se depreende dos aludidos dispositivos:

Art. 10. É instituído o plano-referência de assistência à saúde, com cobertura assistencial médico-ambulatorial e hospitalar, compreendendo partos e tratamentos, realizados exclusivamente no Brasil, com padrão de enfermaria, centro de terapia intensiva, ou similar, quando necessária a internação hospitalar, das doenças listadas na Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde, da Organização Mundial de Saúde, respeitadas as exigências mínimas estabelecidas no art. 12 desta Lei, exceto: (Redação dada pela Medida Provisória nº 2.177-44, de 2001)

(...)

§ 12. O rol de procedimentos e eventos em saúde suplementar, atualizado pela ANS a cada nova incorporação, constitui a referência básica para os planos privados de assistência à saúde contratados a partir de 1º de janeiro de 1999 e para os contratos adaptados a esta Lei e fixa as diretrizes de atenção à saúde. (Incluído dada pela Lei nº 14.454, de 2022)

§ 13. Em caso de tratamento ou procedimento prescrito por médico ou odontólogo assistente que não estejam previstos no rol referido no § 12 deste artigo, a cobertura deverá ser autorizada pela operadora de planos de assistência à saúde, desde que: (Incluído dada pela Lei nº 14.454, de 2022)

I - exista comprovação da eficácia, à luz das ciências da saúde, baseada em evidências científicas e plano terapêutico; ou (Incluído dada pela Lei nº 14.454, de 2022)

II - existam recomendações pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec), ou exista recomendação de, no mínimo, 1 (um) órgão de avaliação de tecnologias em saúde que tenha renome internacional, desde que sejam aprovadas também para seus nacionais. (Incluído dada pela Lei nº 14.454, de 2022)

Outrossim,...

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