Acórdão nº 50015116920208210071 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Nona Câmara Cível, 08-07-2022

Data de Julgamento08 Julho 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50015116920208210071
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoDécima Nona Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002183579
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

19ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5001511-69.2020.8.21.0071/RS

TIPO DE AÇÃO: Cláusulas Abusivas

RELATOR: Desembargador EDUARDO JOAO LIMA COSTA

APELANTE: VIA CERTA FINANCIADORA S/A - CREDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO (RÉU)

APELADO: ALESSANDRA GRANJA ROCHA (AUTOR)

RELATÓRIO

Trata-se de recursos de apelação interpostos por ALESSANDRA GRANJA ROCHA e por VIA CERTA FINANCIADORA S/A - CREDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO, tempestivamente, objetivando a reforma da sentença que julgou procedente a Ação Revisional n° 5001511-69.2020.8.21.0071/RS.

A sentença fixou o que segue (evento 57 da origem):

Diante do exposto, nos termos do art. 487, I, do CPC, julgo PROCEDENTES os pedidos formulados por ALESSANDRA GRANJA ROCHA contra VIA CERTA FINANCIADORA S.A. – CRÉDITO FINANCIAMENTO E INVESTIMENTOS, para o efeito de revisar o contrato, nos seguintes termos:

a) AFASTAR a cláusula contratual referente aos juros estabelecidos, limitando-os ao patamar praticado à época do negócio, conforme fundamentação acima;

b) DESCARACTERIZAR A MORA, diante do reconhecimento da cláusula abusiva; e

c) DETERMINAR a compensação de valores pagos com o quantum ainda devido e a restituição de valores excedentes, na forma simples, se após operada a compensação houver ainda saldo em favor da parte autora.

d) PROIBIR a inclusão ou a manutenção do nome da parte autora em cadastros restritivos, relativamente ao contrato em discussão, enquanto não apurado o valor devido, confirmando-se a liminar deferida.

Diante do ônus da sucumbência, condeno a parte ré ao pagamento das custas e despesas processuais e honorários advocatícios ao procurador da parte autora, os quais fixo em 10% do valor atualizado da causa, nos termos do artigo 85, §2º, do Código de Processo Civil.

A parte autora, ALESSANDRA GRANJA ROCHA em apelação, discorre sobre e necessidade de incidência da repetição do indébito dos valores cobrados a maior, com a majoração dos honorários advocatícios, devendo ser observado o artigo 85, §8º, do CPC.

Postula o provimento do apelo, com a condenação do apelado em honorários recursais.

Recurso dispensado do preparo, por litigar a parte sob o pálio da gratuidade judiciária.

VIA CERTA FINANCIADORA S/A - CF, em apelação, alega, preliminarmente, da inépcia da inicial.

No mérito, aponta da impossibilidade de limitação dos juros remuneratórios, quando a taxa do BACEN não serve como único critério para análise da onerosidade.

Há impossibilidade de repetição de valores e caracterização da mora.

Postula o provimento do apelo.

Houve preparo.

Intimadas, apenas a parte autora apresentou contrarrazões (evento 69 da origem).

Vieram os autos conclusos.

VOTO

Conheço do recurso, pois adequado e tempestivo.

RELAÇÃO CONTRATUAL

Houve a revisão do Contrato de Empréstimo Pessoal de n. 8675071, firmada em 23.12.2019, entre a autora ALESSANDRA GRANJA ROCHA e a VIA CERTA FINANCIADORA, com taxa de juros de 11,50% ao mês e 269,23% ao ano (item 9 do evento 1 da origem)

Enfrento as teses de forma destacada.

APELO DA PARTE REQUERIDA

INÉPCIA DA INICIAL.

Não há falar em inépcia da inicial, posto que a exordial permite a defesa da ré e explica sem margem à dúvida a exata compreensão da demanda, com os fundamentos fáticos e jurídicos nos quais a autora se embasou, possibilitando o exercício do contraditório.

No caso dos autos, a inicial descreveu a causa de pedir, o negócio jurídico que pretende revisar, indicando, ainda, as obrigações e cláusulas que pretendia revisar.

Desta forma, não há falar em inépcia da inicial, nesta fase do processo, ainda que ausente a indicação do valor incontroverso.

Os fatos jurídicos que amparam a pretensão deduzida em juízo estão devidamente desenhados nos autos e deles decorre necessariamente o pedido portal, permitindo a apresentação de defesa pela ré.

Rejeito, assim, a preliminar em exame.

JUROS REMUNERATÓRIOS

É necessário contextualizar a discussão acerca da limitação dos juros remuneratórios, a fim de compreensão do julgado.

A Carta Política de 1988 deu ensejo ao intenso debate jurídico sobre a limitação dos juros remuneratórios em contratos bancários. E disso derivaram duas correntes interpretativas, no caso: a) os que entendiam a auto-aplicabilidade do § 3º do artigo 192, e b) os que compreendiam ser norma de eficácia contida (necessária integração com lei complementar).

Inequívoco que o artigo 192, § 3º, da Constituição Federal não era auto-aplicável. É insustentável qualquer argumento em contrário diante da decisão do Supremo Tribunal Federal, ao apreciar a ADIN nº 4-7, que expressou a necessidade de norma infraconstitucional regulando o dispositivo constitucional. Tampouco solve a questão o argumento de incidência do § 4º, do artigo 173 da Constituição Federal, eis que inaplicável ao caso em apreço.

Ademais, as decisões dos tribunais superiores já não se baseiam nessa tese, eis que o Supremo Tribunal Federal pacificou o tema com a Súmula Vinculante nº 07, ao passo que a Emenda Constitucional n. 40/2003 retirou da Carta Magna a pretensa limitação dos juros.

No tocante à aplicação da Lei de Usura, é matéria revogada pelo art. 4º, inc. IX da Lei 4.595/64 que se aplica às instituições do sistema financeiro nacional (bancos, financeiras, administradora de cartões de crédito e cooperativas). Não mais se impõe, desde os idos de 1964, qualquer restrição à taxa de juros cobrada pelas instituições financeiras.

Poder-se-ia aduzir que a Lei nº 4.595/64, em seu artigo 4º, IX, apenas facultou ao Conselho Monetário Nacional limitar as taxas de juros. E, com isso, limitar não é autorizar taxa de juros à vontade da instituição financeira. Entretanto, a inexistência de um teto ou limitador expresso deixa antever que autorização há, pois em sentido contrário estaria, por Resolução do CMN, disciplinando as taxas máximas e mínimas de juros a serem cobradas. Resulta que, ante a carência de limitador, a fixação das taxas de juros é perfeitamente cabível.

Por outro lado, há que se relembrar da aplicabilidade dos enunciados expressados no enunciado nº. 596 da Súmula do Supremo Tribunal Federal, a qual expõe que a Lei de Usura (Decreto nº 22.626/33) não é aplicável às instituições financeiras. Tampouco incide a regra dos artigos 591, 407 e 406, do Código Civil brasileiro, mercê de que houve convenção entre os litigantes sobre a taxa de juros, além do que a lei civil somente rege matéria que não se subsume a legislação especial, notadamente do Sistema Financeiro Nacional.

Nessa linha de raciocínio, transcrevo recente decisão do Superior Tribunal de Justiça, conforme incidente de processo repetitivo, o que motivou a expedição da Orientação nº 1:

DIREITO PROCESSUAL CIVIL E BANCÁRIO. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO BANCÁRIO. INCIDENTE DE PROCESSO REPETITIVO. JUROS REMUNERATÓRIOS. [...]

ORIENTAÇÃO 1 - JUROS REMUNERATÓRIOS.

a) As instituições financeiras não se sujeitam à limitação dos juros remuneratórios estipulada na Lei de Usura (Decreto 22.626/33), Súmula 596/STF;

b) A estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, por si só, não indica abusividade;

c) São inaplicáveis aos juros remuneratórios dos contratos de mútuo bancário as disposições do art. 591 c/c o art. 406 do CC/02;

d) É admitida a revisão das taxas de juros remuneratórios em situações excepcionais, desde que caracterizada a relação de consumo e que a abusividade (capaz de colocar o consumidor em desvantagem exagerada - art. 51, § 1º, do CDC) fique cabalmente demonstrada, ante às peculiaridades do julgamento em concreto.

[...]

(Recurso Especial n. 1.061.530/RS, Relatora Ministra NANCY ANDRIGHI, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 22/10/2008, DJe 10/03/2009).

Contudo, os juros que discrepam excessivamente da média de mercado representam uma abusividade, ou uma onerosidade excessiva ao consumidor. E a redução dos juros à taxa média de mercado não representará prejuízo à instituição financeira, eis que irá assegurar que esta receberá o valor que o mercado paga em operações idênticas, durante o período da contratação.

Acrescento que a incidência do Código de Defesa do Consumidor (art. 51), a fim de reconhecer a onerosidade excessiva, requer demonstração analítica da parte interessada, cuja argumentação hipotética não resolve o tema. Sequer aceitável a assertiva de que se trata de contrato de adesão, o qual implica cooptação da vontade do aderente.

De resto, não basta a simples circunstância de que os juros remuneratórios sejam acima de 12% ao ano para declaração de abusividade, em face do disposto na Súmula nº 382 do Superior Tribunal de Justiça:

A estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, por si só, não indica abusividade.

Consigno, também, que o uso da taxa SELIC, ou sua aplicação como referência à taxa de juros remuneratórios é descabida, porquanto não representa a taxa média praticada pelo mercado, na forma da reiterada jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.

No que tange ao contrato objeto de discussão, deve haver a limitação dos juros remuneratórios, quando a taxa média de mercado para o período, conforme sentença recorrida, que ficou em 5,70% ao mês e 94,57% ao ano (crédito pessoal não consignado).

Assim, vai mantida a sentença, quando evidenciado que a taxa de juros remuneratórios prevista contratualmente é excessivamente superior à taxa média divulgada pelo BACEN, superando em quase 02 vezes o limite permitido.

Portanto, não há que se falar em manutenção dos juros contratados.

Apelo da VIA CERTA desprovido.

REPETIÇÃO DE INDÉBITO

Finalmente, há valores a serem devolvidos a parte autora, por duas razões.

Primeira. A quitação se deu na forma equivocada, quando não havia base legal para tanto, face acolhida, em parte,...

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