Acórdão nº 50015233220198210067 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Primeira Câmara Criminal, 09-06-2022

Data de Julgamento09 Junho 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50015233220198210067
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoPrimeira Câmara Criminal

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002072240
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

1ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Criminal Nº 5001523-32.2019.8.21.0067/RS

TIPO DE AÇÃO: Ameaça (art. 147)

RELATOR: Desembargador JAYME WEINGARTNER NETO

APELANTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

APELADO: SEGREDO DE JUSTIÇA

RELATÓRIO

O Ministério Público ofereceu denúncia contra SAULO DE QUEVEDO, dando-o como incurso nas sanções do artigo 147, caput, do Código Penal (duas vezes), com incidência da Lei n.º 11.340/2006, pela prática do seguinte fato delituoso:

1º FATO:

No dia 15 de outubro de 2019, por volta das 00h30min, na Rua Sepé Tiarajú, nº 1569, Barrinha, neste Município, o denunciado ameaçou a vítima Clara Maria Cavalheiro de Quevedo, sua mãe, prometendo-lhe causar mal injusto e grave, mediante palavras, dizendo-lhe que iria esfaquear todo mundo e matá-la, para ficar com tudo, referindo-se aos bens da vítima.

Para tanto, o denunciado chegou a casa, onde reside com a vítima, embriagado e sob o efeito de substâncias entorpecentes, e perpetrou as ameaças referidas.

A vítima manifestou interesse em representar contra o autor do fato (fl. 03).

2º FATO:

No mesmo dia, às 12h, na Rua Sepé Tiarajú, nº 1569, Barrinha, neste município, o denunciado ameaçou a vítima Carina Cavalheiro de Quevedo, sua irmã, prometendo-lhe causar mal injusto e grave, mediante palavras, dizendo-lhe que iria matá-la, com uma faca, na intenção de apropriar-se da casa de sua mãe (fl. 05).

A vítima manifestou interesse em representar contra o autor do fato (fl. 03).

A denúncia foi recebida em 05 de março de 2020.

Após regular instrução, sobreveio sentença de procedência da ação penal para condenar o réu como incurso nas sanções do artigo 147, caput, combinado com o artigo 61, inciso II, alínea "f", ambos do Código Penal, com incidência da Lei n.º 11.340/2006, por duas vezes, em concurso material de crimes, à pena privativa de liberdade fixada em 02 (dois) meses e 10 (dez) dias de detenção, em regime inicial aberto. Foi concedido o sursis mediante condições.

Irresignada, a defesa busca a reforma da decisão. Em razões, pugna pela absolvição do acusado, ante a insuficiência probatória para a manutenção da condenação. Refere, ainda, que o réu não agiu com dolo de causar temor à vítima. Subsidiariamente, requer o reconhecimento da incidência da minorante da semi-imputabilidade, do afastamento da agravante prevista no artigo 61, inciso II, alínea "f", do Código Penal, bem como do afastamento da prestação de serviços à comunidade, com a concessão de sursis especial.

Foram apresentadas contrarrazões.

Nesta instância, a Procuradoria de Justiça manifestou-se pelo parcial provimento do recurso, somente no que diz respeito às condições impostas ao sursis.

Vieram os autos conclusos para julgamento.

É o relatório.

VOTO

A existência do delito vai demonstrada pelo registro de ocorrência, pela concessão de medidas protetivas, bem como pela prova colhida.

A autoria do delito foi reconhecida pelo Juízo singular. Reproduzo, por oportuno, trecho da decisão no qual transcrita a prova oral judicializada:

Com efeito, o réu Saulo de Quevedo disse que não se recorda de ter ameaçado com faca, mas se ameaçou foi no impulso, pois jamais faria algum mal a um familiar. Aduziu que já usou drogas, mas hoje só usa álcool. Afirmou que no dia do fato ameaçou só de “boca”, não pegou faca. Narrou já ter sido internado diversas vezes e desejar nova internação.

Por outro lado, a vítima Clara Maria Cavalheiro de Quevedo confirmou os fatos narrados na denúncia, referindo que Saulo ameaça a todas, dizendo que irá esfaqueá-las. Disse que o réu bebe e fica violento. Mandou-o embora de casa por este motivo e, em razão do temor que possui, apenas o deixa dormir na área externa de casa. Afirmou que houve a ameaça com faca e disse que Saulo chegou a pegar a arma, mas ela foi retirada dele. A Brigada Militar foi até sua casa atender a ocorrência.

No mesmo sentido a vítima Carina Cavalheiro disse que Saulo fala que quer que a mãe morra para ficar com o terreno. Quando está sóbrio, é uma boa pessoa, mas quando bebe, quer matar todo mundo, lembrando que até a filha pequena ele já agarrou do pescoço, é uma pessoa que não dá para confiar. Afirmou que na data do fato a BM foi até lá, mas que ele espera a Brigada sair e volta. No dia do fato ameaçou-a com uma faca, dizendo que iria matá-la. Disse que iria colocar drogas nela para que fosse presa. Ameaça sua mãe todos os dias, e ela já emagreceu por conta do estresse. Sua mãe tem que estar sempre com a casa fechada, pois Saulo “rouba” tudo. As crianças da família ficam com medo.

A testemunha Carolaine Quevedo Nascente disse ter presenciado os fatos, que o denunciado falou que iria matá-las, não se recordando se Saulo pegou a faca neste dia. Saulo fica na área da casa de Clara, porque já a agrediu e continua bebendo e usando drogas.

Por fim, o Policial Militar Guilherme Garcia afirmou que, ao chegar ao local, o réu estava alcoolizado, sentado dentro do pátio. A irmã e a mãe de Saulo saíram para rua. Fez o encaminhamento das partes, mas não presenciou os fatos. Disse que as vítimas estavam amedrontadas. Saulo tem histórico de intimidar familiares e que sentiu cheiro de álcool forte nele quando fez a busca pessoal.

Consabido que a palavra da vítima assume especial relevância no contexto de violência doméstica, haja vista a tipologia delitiva ocorrer, na sua maioria, sem a presença de testemunhas.

Quanto ao tema, pacificada a jurisprudência:

PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. LESÃO COORAL E AMEAÇA. INSUFICIÊNCIA DA PROVA.
AGRAVANTE DO MOTIVO FÚTIL.
SÚMULA N. 7 DO STJ. RELEVÂNCIA DA PALAVRA DA VÍTIMA. REGIME INICIAL. SÚMULA N. 83 DO STJ. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.
1. O STJ reconhece a relevância da palavra da vítima no tocante aos crimes decorrentes de violência doméstica, em vista da circunstância de essas condutas serem praticadas, na maioria das vezes, na clandestinidade. Precedente. Incidência da Súmula n. 83 do STJ.
2. A verificação sobre a insuficiência da prova da condenação implicaria a necessidade de revolvimento fático-probatório dos autos, procedimento vedado, em recurso especial, pelo disposto na Súmula n. 7 do STJ.
3. A agravante do motivo fútil foi devidamente motivada pelas instâncias ordinárias e, para rever essa conclusão, seria necessária a dilação probatória, inviável na via eleita pelo disposto na Súmula n. 7 do STJ.
4. A presença de circunstâncias judiciais desfavoráveis ou de agravantes justificam a imposição de regime inicial mais gravoso do que aquele previsto tão somente pelo quantum de pena aplicada. Nesse ponto, a pretensão é inviável pelo entendimento da Súmula n. 83 do STJ.
5. Agravo regimental não provido.
(AgRg no AREsp 1925598/TO, Rel.
Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 26/10/2021, DJe 04/11/2021) - grifou-se.

Cotejados os elementos de prova produzidos, identifico prova suficiente para a condenação do acusado.

No caso dos autos, os depoimentos prestados pelas vítimas em sede policial e em juízo demonstram a prática do delito. Em ambas as oportunidades, as ofendidas afirmaram terem sido ameaçadas, conforme constou na exordial acusatória, bem como relataram que o acusado disse que iria esfaqueá-las. Referiram, expressamente, temer o acusado diante da reiteração de condutas ameaçadoras.

Destaca-se que o crime de ameaça é de natureza formal, bastando para a sua concretização que se comprove o temor infligido às vítimas. Quanto a esse ponto, como referido, as ofendidas afirmaram que temem por sua integridade física e psicológica, referindo que as ameaças aterrorizam toda a família.

Não há que se falar, ademais, em ausência de dolo, uma vez que as vítimas confirmaram que o réu tinha a intenção de causar temor em seus familiares, em especial porque tinha a motivação de ficar com os bens materiais pertencentes à vítima Carla, sua mãe. A prova carreada aos autos demonstrou, portanto, que o réu agiu dolosamente ao prometer mal injusto e grave às vítimas, possuindo a intenção de aterrorizá-las. O fato de estar embriagado, tratando-se de embriaguez preordenada ou culposa, não exclui, isoladamente, o dolo da conduta.

Comprovadas, deste modo, a materialidade e autoria delitiva, não há que se falar em insuficiência probatória, devendo ser rechaçado o pedido de absolvição do réu.

Dosimetria da pena.

O Magistrado a quo fixou a pena-base no mínimo legal, em virtude da ausência de vetoriais negativas na primeira fase da dosimetria da pena.

A defesa alega que o réu é semi-imputável devido à dependência química. Contudo, não há demonstração, através de incidente, de que o acusado era, ao tempo do fato, parcialmente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com este entendimento.

Inviável, assim, reconhecer a semi-imputabilidade para efeitos do parágrafo único do artigo...

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