Acórdão nº 50015244120218210101 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Nona Câmara Cível, 08-04-2022

Data de Julgamento08 Abril 2022
ÓrgãoDécima Nona Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50015244120218210101
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001537010
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

19ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5001524-41.2021.8.21.0101/RS

TIPO DE AÇÃO: Promessa de Compra e Venda

RELATOR: Desembargador EDUARDO JOAO LIMA COSTA

APELANTE: ARIMA SILVA DA CRUZ (AUTOR)

APELANTE: LUIZ ANTONIO SALVIANO LUISI (AUTOR)

APELADO: GTR HOTEIS E RESORT LTDA (RÉU)

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de apelação interposto por ÁRIMA SILVA DA CRUZ e LUIZ ANTÔNIO SALVIANO LUISI em relação à sentença que julgou parcialmente procedentes os pedidos contidos na ação de rescisão de contrato de promessa de compra e venda, nº 50015244120218210101, intentada contra GTR HOTÉIS E RESORT LTDA.

O dispositivo da sentença está assim lançado no evento 26, da origem:

Ante o exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido deduzido na ação ajuizada por LUIZ ANTONIO SALVIANO LUIZI e ÁRIMA SILVA DA CRUZ contra GTR HOTÉIS E RESORT LTDA. para o fim de, confirmando a decisão liminar, declarar rescindido o contrato de promessa de compra e venda celebrado entre as partes, restabelecendo o status quo ante, bem como condenar a parte ré a restituir à parte autora a quantia de R$ 32.610,20 (trinta e dois mil seiscentos e dez reais e vinte centavos), relativamente aos valores adimplidos, verba esta a ser corrigida monetariamente pela variação do IGP-M a contar do respectivo desembolso e acrescida de juros de mora de 1% ao mês a contar da citação.

Diante da sucumbência recíproca, condeno a parte autora ao pagamento de 1/3 das custas processuais e honorários advocatícios aos procuradores da parte ré, que fixo em 15% sobre o seu decaimento (pedido de inversão da cláusula penal), observadas as diretrizes do art. 85, §2º, do Código de Processo Civil, valor a ser corrigido, pela variação do IGP-M, desde a data da publicação da sentença, e acrescido de juros de mora de 1% ao mês, a contar do trânsito em julgado.

Condeno a parte ré, por sua vez, ao pagamento de 2/3 das custas processuais e honorários advocatícios ao procurador da parte autora, que fixo em 10% sobre o valor da condenação, observadas as diretrizes do art. 85, §2º, do Código de Processo Civil, valor a ser corrigido, pela variação do IGP-M, desde a data da publicação da sentença, e acrescido de juros de mora de 1% ao mês, a contar do trânsito em julgado.

ÁRIMA SILVA DA CRUZ e LUIZ ANTÔNIO SALVIANO LUISI, em suas razões de apelação, reclamam da necessária inversão da multa contratual, face rescisão do contrato por culpa da empresa demandada.

Destacam a alteração unilateral do projeto, desrespeitando a empresa demandada o princípio da boa-fé objetiva, ao aumentar o número de unidades autônomas, visando o lucro fácil e o enriquecimento indevido.

Citam o Tema 971 do STJ, destacando a previsão de multa quando a rescisão do contrato se dá por culpa do comprador.

Colacionam jurisprudência.

Por fim, pedem, diante da sucumbência recíproca, que os honorários advocatícios sejam fixados em percentual idêntico.

Requerem o provimento do apelo.

Houve preparo (evento 32 - 3).

Intimada, a parte demandada junta contrarrazões no evento 36 da origem.

Vieram os autos conclusos para julgamento.

É o relatório.

VOTO

O recurso é cabível, tempestivo e preparado.

FATO EM DISCUSSÃO.

Os autores ÁRIMA SILVA DA CRUZ e LUIZ ANTONIO SALVIANO LUISI celebraram com a demandada GTR HOTEIS E RESORT LTDA. um "Contrato Particular de Compra e Venda de Unidade Imobiliária, no regime de Multipropriedade (Frações)" em 11 de julho de 2015, por meio do qual ajustaram a compra e venda da fração ideal indivisível de 3.846%, correspondente a 1/26 da unidade autônoma com área total de 82,51m2, do empreendimento denominado Gramado Termas Resort Spa (contrato anexado no evento 1 - 6, da origem).

Relatou a existência de alterações realizadas no empreendimento pela empresa demandada sem sua anuência, razão pela qual ajuizou a presente ação de rescisão de contrato, bem como não disponibilização de água termal.

A sentença julgou parcialmente procedentes os pedidos, nos termos do dispositivo acima colacionado.

Somente a parte autora interpôs recurso de apelação, discutindo a inversão da multa contratual e a distribuição dos percentuais dos honorários advocatícios.

Enfrento as teses de forma destacada.

RESCISÃO DO CONTRATO.

A sentença acolheu o pedido de rescisão do contrato, determinando a devolução do valor pago pelos autores, sem que a parte demandada tenha interposto recurso.

Transcrevo a sentença, no ponto, forma de adentrar no tema objeto do apelo que é acerca da inversão da multa contratual e da distribuição dos honorários advocatícios:

Alteração da incorporação imobiliária

Incontroverso que, depois de celebrado o contrato, o empreendimento imobiliário sofreu alterações substanciais em seu projeto. Com previsão inicial de 300 unidades imobiliárias, segundo ampla propaganda e averbação na matrícula nº 30.237 do Registro de Imóveis da Comarca de Gramado/RS, houve retificação do empreendimento em 04.04.2017, com o acréscimo de mais 146 unidades autônomas, totalizando 464 apartamentos, conforme averbação na matrícula nº 33.216, aberta em decorrência da unificação de três outras matrículas.

As alterações decorrentes da retificação do empreendimento imobiliário foram procedidas por iniciativa exclusiva da incorporadora e sem a anuência dos adquirentes das frações de tempo das unidades autônomas, entre os quais, a parte autora, fato inconteste nos autos, pois confirmado pela ré e verificado em inúmeros outros processos similares em tramitação nas duas Varas Judiciais desta Comarca envolvendo multiproprietários das unidades do resort.

Embora os adquirentes não possuam direitos reais registrados na matrícula do imóvel e decorrentes do empreendimento, uma vez que o instrumento particular de promessa de compra e venda não foi levado a registro no Cartório Imobiliário, o que, aliás, possibilitou a averbação da retificação da incorporação sem afronta ao disposto no art. 43, inc. IV, da Lei nº 4.591/1964, tal situação não afasta o dever da parte ré de informar à parte autora sobre as alterações parciais ocorridas, especialmente no que diz respeito à unidade autônoma.

Isso porque a previsão de aumento das unidades imobiliárias impactou, de modo direto, nas dimensões da fração adquirida pela parte autora.

A parte ré, em sua defesa, sustenta que os adquirentes das frações imobiliárias não sofreram quaisquer danos, quer materiais, quer morais.

Entretanto, a prova documental não corrobora a tese apresentada na contestação. Ao contrário, do cotejo das matrículas de nº 30.237 (averbação da incorporação) e nº 33.216 (averbação da retificação da incorporação), é possível concluir, sem sombra de dúvidas, que houve efetiva redução na área comum, na área global e na fração ideal da unidade imobiliária adquirida pela parte autora no regime de multipropriedade. Vejamos:

Unidade 308 - Bloco B

Matrícula nº 30.237

Matrícula nº 33.216

área real privativa

27,98m²

29,34m²

área real comum

54,53m²

23,22m²

área real global

82,51m²

52,56m²

fração ideal

0,003179

0,001718

Conforme se observa do quadro acima, com as alterações do projeto do empreendimento, a unidade imobiliária cuja fração de tempo foi adquirida pela parte autora teve redução de de 29,95m² em sua área global, decorrente eminentemente da redução de 31,31m², embora aumentada a área privativa em 1,36m².

Veja-se que todas as medidas da unidade imobiliária constam expressamente do contrato particular de promessa de compra e venda. Não há como negar que, a despeito da previsão contratual de que se trata de negócio na modalidade “ad corpus” (cláusula terceira), tais metragens foram, também, determinantes para a fixação do preço da fração adquirida pela parte autora, não podendo ser consideradas meramente enunciativas, ainda mais quando levada em conta o fato de que a fração foi negociada na planta com específica medida de extensão (“ad mensuram”).

Nesse contexto, o acréscimo de mais 164 unidades às 300 já existentes no projeto inicial configurou, a toda evidência, diminuição patrimonial de todos os adquirentes dos imóveis no regime de multipropriedade, na medida em que as alterações parciais ocorreram não só na fração ideal de terreno de cada unidade, como também nas áreas de uso comum de divisão proporcional correspondente a cada uma delas, de modo que a área total, que se constitui na soma da área privativa com a área de uso comum, também se modificou. Note-se que, no caso em tela, a fração ideal passou de 0,003179 para 0,001718.

As alegações defensivas no sentido de que construção acrescida implicou na ampliação do complexo hoteleiro e, consequentemente, na expansão da área de lazer, contribuindo diretamente para o aumento da ocupação de hóspedes e no resultado do pool constituído pelos proprietários, não restou minimamente comprovada à luz dos elementos de prova coligidos aos autos.

Cumpre frisar que não foi realizada perícia técnica atestando o aumento da área de lazer do empreendimento imobiliário, tendo a parte ré, instada sobre o interesse na produção de outras provas, requerido o julgamento antecipado da lide. Não logrou, portanto, desincumbir-se do ônus que lhe competia, nos termos do que dispõe o art. 373, inc. II, do Código de Processo Civil, ainda mais quando já havia sido determinada a inversão do ônus probatório, consoante estabelece o art. 6º, inc. VIII, do Código de Defesa do Consumidor, na decisão que deferiu o pedido de tutela de urgência.

A alteração das dimensões das áreas de uso comum sem a anuência dos adquirentes das unidades autônomas caracteriza descumprimento da avença, pois viola frontalmente os princípios da vulnerabilidade do consumidor, da informação, da transparência e do equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores (art. 4º do Código de...

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