Acórdão nº 50015255920178210006 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Sétima Câmara Cível, 14-07-2022

Data de Julgamento14 Julho 2022
ÓrgãoDécima Sétima Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50015255920178210006
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002396596
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

17ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5001525-59.2017.8.21.0006/RS

TIPO DE AÇÃO: Compra e venda

RELATOR: Desembargador ICARO CARVALHO DE BEM OSORIO

APELANTE: KIDDE BRASIL LTDA. (RÉU)

APELADO: POSTO CABRAIS LTDA (AUTOR)

RELATÓRIO

Trata-se de apelação cível interposta por KIDDE BRASIL LTDA em combate à sentença de procedência proferida na ação declaratória de inexistência de débito cumulada como indenização por dano moral, que POSTO CABRAIS LTDA lhe move perante a 2ª Vara Cível da Comarca de Cachoeira do Sul.

Adoto o relatório da sentença recorrida:

"Posto Cabrais Ltda. ajuizou ação declaratória em face de Kidde Brasil Ltda., ambas as partes qualificadas nos autos. Referiu, em síntese, ter adquirido da requerida um extinto com capacidade para grande riscos de incêndio em janeiro de 2016, ajustando pagamento de forma parcelada pelo Cartão BNDS, modalidade disponibilizada pela empresa. Disse que quando do recebimento do produto foi constatado que a nota fiscal havia gerado um boleto para pagamento em uma única parcela, o que fez com que entrasse em contato com a requerida, que orientou a devolução do bem para que outro fosse enviado com a observância da forma do pagamento, o que efetivamente ocorreu. Disse que foi surpreendido posteriormente, com a inscrição de seu nome em cadastro de inadimplentes em função do primeiro boleto expedido, contrato 101812, no valor de R$ 4.369,00, o que motivou inscrição no SERASA, causando danos de ordem moral à empresa. Sustentou a aplicação do CDC no caso. Requereu a concessão de medida liminar para retirada do nome da empresa dos cadastros de inadimplentes e, ao final, o julgamento de procedência do pedido para o fim de declarar a inexistência do débito, promover a exclusão do seu nome dos cadastros de inadimplentes e indenizar a autora pelo dano moral equivalente a 10 salários mínimos. Juntou documentos (fls. 02/27).

Foi indeferida a medida liminar (fl. 28).

Realizada audiência preliminar, a conciliação restou inexitosa (fl. 31).

Pela requerida foi apresentada contestação. Confirmou os fatos como descritos na inicial quanto à aquisição do produto e devolução pela necessidade de adequação da forma de pagamento, bem como que houve quitação do extintor entregue à autora. Referiu, no entanto, que com relação ao primeiro extintor, quando da devolução, foi entregue com avarias, conforme fotografias incluídas na peça, o que motivou o não aceite e cobrança do boleto expedido, com consequente inscrição da devedora junto ao SERASA pelo inadimplemento. Disse que a responsabilidade pela manutenção do produto durante o transporte de devolução era da empresa autora, a quem cumpria a devolução integra do bem. Negou qualquer dano de ordem moral e rebateu a possibilidade de aplicação do CDC no caso. Requereu o julgamento de improcedência do pedido. Juntou documentos (fls. 57/66).

Houve réplica (fls. 68/69).

Durante a instrução, foi colhido o depoimento pessoal do representante do autor e ouvida uma testemunha (fls. 90/93 e 113/114).

As partes se manifestaram quanto a oitiva da testemunha (fls. 116/117 e 118/125) tendo, após o encerramento da instrução, somente a requerida apresentado memoriais (fls. 128/143)."

O dispostitivo da sentença está redigido nos seguintes termos:

"Em face do exposto, julgo PROCEDENTE o pedido para:

a) DECLARAR inexistente o débito cobrado com relação ao contrato 101812, no valor de R$ 4.369,00, determinando, tendo em vista os efeitos econômicos decorrentes da inscrição indevida, que a requerida realize a baixa da restrição operada junto aos bancos de inadimplentes, no prazo de 30 dias, sob pena de multa diária de R$150,00, consolidada em |R$5.000,00; e

b) CONDENAR a requerida ao pagamento de indenização no valor de R$ 9.370,00 a título de dano moral, que deverá ser corrigido monetariamente pelo IGP-M a partir da presente sentença e acrescido de juros de mora desde a citação.

Sucumbente, condeno a requerida ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios devidos ao procurador da parte autora, estes fixados no equivalente a 10% sobre o total atualizado da condenação, na forma do art. 85, § 2º, do CPC."

Nas suas razões, a ré sustenta que efetivamente enviou a primeira mercadoria à autora, com faturamento equivocado, razão pela qual concordou que lhe fosse devolvida. Refere que o produto foi devolvido pela autora com avarias, razão pela qual foi recusado o recebimento e mantida a cobrança da duplicata. Aduz que a cobrança foi mantida apenas porque o produto (extintor de incêndio) foi avariado. Alega que durante a instrução procesual a testemunha Robson Ricardo Mazin, funcionário da empresa de transportes que presta serviços à ré, confirmou que a transportadora contratada pela autora tentou devolver o extintor, porém foi constatado que a mercadoria estava avariada, razão pela qual foi repassado um comunicado à apelante, indagando quanto à aceitação do produto amassado e riscado, o que foi negado. Afirma que é regular o protesto efetivado, pois devida a quantia pertinente à venda da mercadoria, não sendo o caso de incidência do art. 494 do Código Civil. Refere que não é devida a indenização por danos morais e que estes não devem configurar, de qualquer modo, enriquecimento da parte contrária. Assim, requer o provimento do recurso.

Em cotrarrazões, a autora requer, em preliminar, o não conhecimento do recurso, diante da sua intempestividade. No mérito, requer o desprovimento.

É o relatório.

VOTO

Conheço do recurso, pois presentes os pressupostos legais de admissibilidade.

De plano, rejeito a preliminar contrarrecursal de intempestividade, pois pois o recurso foi protocolado no prazo legal, conforme se depreende do carimbo dos Correios, pertinente ao protocolo integrado (evento 3, PROCJUDIC4, fl. 47).

Assim, passso ao enfrentamento do mérito.

No caso, é incontroverso nos autos que a autora adquiriu um extintor de incêndio da ré e, diante do equívoco desta quanto ao faturamento, solicitou a devolução da mercadoria. Em vista disso, foi enviado um segundo extintor de incêndio, desta vez com o faturamento correto, tendo a autora recebido a mercadoria e efetuado o pagamento integral.

A controvérsia reside, portanto, na cobrança indevida pela mercadoria enviada em primeiro lugar, que a autora alegada ter restituído à ré, que, por sua vez, sustenta ter se negado a receber porque estava avariada, razão pela qual entende devida a cobrança.

No caso, a causa de pedir deduzida na petição inicial pela autora diz respeito à inclusão do seu nome em cadastro de inadimplentes, em decorrência de duplicata mercantil emitida pela ré, embora a mercadoria aquirida tenha sido devolvida, pois a própria ré admitiu ter realizado o faturamento equivocado, concordando, em primeiro momento, com a restituição.

A duplicata é título cambiariforme eminentemente causal, portanto, está obrigatoriamente vinculada à existência de causa debendi, devendo corresponder a uma compra e venda ou prestação de serviços, conforme o disposto nos artigos , e 20 da Lei 5.474/1968.

Consoante a lição de LUIZ EMYGDIO FRANCO DA ROSA JÚNIOR, “a duplicata é título de crédito formal, impróprio, causal, à ordem, extraído por vendedor, ou prestador de serviços, que visa a documentar o saque fundado sobre crédito decorrente de compra e venda mercantil ou prestação de serviços, assimilada aos títulos cambiários por lei, e que tem como seu pressuposto a extração de fatura.” É título causal porque só pode decorrer de compra e venda mercantil ou de prestação de serviços (LD, arts. 2º e 20), tanto que, quando mercantil, dela devem constar como requisitos essenciais o número da fatura e o nome do domicílio do vendedor e do comprador (LD, art. 2º, § 1º, II e IV), e tratando-se de duplicata de serviços, o número da fatura e o nome e domicílio do prestador e do beneficiário (LD, art. 20, § 3º) (ROSA JÚNIOR, Luiz Emygdio Franco da. Títulos de Crédito. 2. ed. rev. e ampl., Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 661)

No caso, a ré admite ter realizado a remessa equivocada da mercadoria à autora, concordando com a sua devolução, razão pela qual a...

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