Acórdão nº 50015256820218210087 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Vigésima Quarta Câmara Cível, 15-02-2023

Data de Julgamento15 Fevereiro 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50015256820218210087
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002981988
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

24ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5001525-68.2021.8.21.0087/RS

TIPO DE AÇÃO: Cláusulas Abusivas

RELATOR: Desembargador FERNANDO FLORES CABRAL JUNIOR

APELANTE: CREFAZ SOCIEDADE DE CREDITO AO MICROEMPREENDEDOR E A EMPRESA DE PEQUENO PORTE LTDA (RÉU)

APELADO: MICHELE DAIANE BECKER (AUTOR)

RELATÓRIO

Trata-se de apelação cível interposta por CREFAZ SOCIEDADE DE CRÉDITO AO MICROEMPREENDEDOR E A EMPRESA DE PEQUENO PORTE LTDA em face da sentença prolatada nos autos da ação de revisão de cláusulas contratuais em que contende com MICHELE DAIANE BECKER. Constou na sentença apelada (Evento 32):

Diante do exposto, com base no art. 487, inciso I, do Código de Processo Civil, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos veiculados na ação revisional proposta por MICHELE DAIANE BECKER em face de CREFAZ SOCIEDADE DE CREDITO AO MICROEMPREENDEDOR E A EMPRESA DE PEQUENO PORTE LTDA, para, confirmando a decisão que deferiu, em parte, a antecipação de tutela (evento 26 do agravo de instrumento nº 5116626-75.2021.8.21.7000), (i.) revisar o contrato de empréstimo pessoal não consignado de nº 616543 (evento 16, CONTR5), celebrado entre as partes em 12.02.2021, aplicando ao período da normalidade, a título de juros remuneratórios, as taxas médias de mercado apuradas pelo BACEN à época das contratações, quais sejam, 5,23%a.m.; e 84,45%a.a.; (ii.) afastar a configuração da mora; e (iii.) condenar a parte ré à devolução dos valores pagos a maior, corrigidos monetariamente pelo IGP-M, desde o desembolso, e acrescido de juros de mora de 1% ao mês, a partir da citação, ficando autorizada a compensação com os débitos existentes em nome da autora, inclusive dos valores depositados judicialmente.

Diante da sucumbência recíproca, condeno a parte demandada ao pagamento da taxa única dos serviços judiciais na proporção de 50% e honorários advocatícios, no valor de R$ 4.668,90 (quatro mil seiscentos e sessenta e oito reais e noventa centavos), verba que fixo de acordo com o valor indicado na Tabela de Honorários da OAB/RS para o ajuizamento de "Ação judicial movida pelo consumidor, visando a nulidade de cláusulas abusivas constantes em contratos de consumo " (item 10.6), nos termos do art. 85, §§ 2º, 8º e 8º-A, do CPC. A verba honorária deverá ser acrescida de correção monetária pelo IGP-M, a contar da publicação da sentença, e de juros de mora de 1% ao mês, a partir do trânsito em julgado da sentença. Ainda, condeno a parte demandante ao pagamento de 50% da taxa única dos serviços judiciais e de honorários advocatícios em favor do patrono da parte ré, no valor de R$ 8.003,84 (oito mil três reais e oitenta e quatro centavos), verba que fixo de acordo com o valor indicado na Tabela de Honorários da OAB/RS para "Defesa em ação judicial movida pelo consumidor" (item 10.7), nos termos do art. 85, §§ 2º, 8º e 8º-A, do CPC. A verba honorária deverá ser acrescida de correção monetária pelo IGP-M, a contar da publicação da sentença, e de juros de mora de 1% ao mês, a partir do trânsito em julgado da sentença. Fica vedada a compensação da verba honorária, nos termos do § 14 do art. 85 do CPC, e suspensa a exigibilidade dos ônus sucumbenciais em relação à autora, nos termos do art. 98, § 3º, do CPC, visto que a parte requerente é beneficiária da gratuidade de justiça.

Em face da nova sistemática do Código de Processo Civil, notadamente no que tange à inexistência de admissibilidade no juízo a quo (art. 1.010, § 3º, do CPC), em caso de interposição de recurso de apelação, intime-se a parte apelada para que apresente contrarrazões, querendo, no prazo de 15 dias. Decorrido o prazo, subam os autos à Superior Instância.

Após o trânsito em julgado, arquive-se com baixa”.

Em suas razões recursais (Evento 37), a parte ré salienta a impossibilidade de limitação dos juros remuneratórios à taxa média de mercado. Ressalta a necessidade de exame das particularidades do caso concreto. Pondera que a abusividade dos juros remuneratórios não pode ser aferida com base em critérios genéricos e universais. Assevera a inexistência de onerosidade excessiva na taxa de juros remuneratórios pactuada, insurgindo-se em relação à limitação do encargo. Enfatiza o risco da operação em comento. Refere a impossibilidade de repetição do indébito, diante da ausência de abusividade na cobrança. Subsidiariamente, em caso de manutenção da determinação de repetição do indébito, pugna que a atualização monetária dos valores a serem devolvidos incida tão-somente do desembolso até o termo inicial dos juros. Insurge-se, ainda, em relação à descaracterização da mora. Sustenta que os honorários advocatícios de sucumbência foram arbitrados em contrariedade ao disposto no artigo 85, § 2º do CPC. Destaca que os honorários advocatícios devem ser fixados em valor entre 10% a 20% da importância referente ao proveito econômico obtido, sejam eles em favor do apelante ou do apelado. Pugna pela concessão de efeito suspensivo, nos termos do disposto no artigo 1.012 do CPC. Requer, ao final, o provimento da apelação.

Foram apresentadas contrarrazões no Evento 47.

O recurso foi recebido, no tocante à parte da sentença que confirmou a tutela de urgência postulada pela parte autora, apenas no efeito devolutivo (Evento 7).

É o relatório.

VOTO

A apelação interposta no Evento 37 é tempestiva, pois o prazo para recorrer da sentença iniciou em 21/09/2022 e findou em 11/10/2022 (Evento 33) e o recurso foi interposto em 06/10/2022. Além disso, a parte apelante comprovou o recolhimento do preparo (Evento 37 – GUIADEP9 e COMP10).

Dessa forma, considerando que o recurso é próprio e tempestivo, recebo a apelação e passo ao exame da insurgência recursal.

Inicialmente, saliento que é objeto da revisão o Contrato de Empréstimo pessoal nº 996268790, firmado em 12/02/2021, no valor de R$ 1.035,00, a ser pago em 15 parcelas mensais de R$ 190,46, com previsão de juros remuneratórios de 16,08% ao mês e 498,77% ao ano (Evento 1 – CONTR9).

1. JUROS REMUNERATÓRIOS.

Relativamente aos juros remuneratórios estabelecidos nos contratos bancários e sua limitação, esta Câmara posicionou-se em consonância com o entendimento sedimentado pelo STJ, que, com o advento da Lei n. 4.595/1964, diploma que disciplina de forma especial o Sistema Financeiro Nacional e suas instituições, restou afastada a incidência da Lei de Usura, tendo ficado delegado ao Conselho Monetário Nacional poderes normativos para limitar as referidas taxas, salvo as exceções legais.

Inclusive, a Súmula n° 596/STF dispõe que: As disposições do Decreto nº 22.626/33 não se aplicam às taxas de juros e aos outros encargos cobrados nas operações realizadas por instituições públicas ou privadas, que integram o sistema financeiro nacional”.

O STJ já sedimentou a matéria, no sentido de que a estipulação dos juros remuneratórios em percentual acima de 12% ao ano não indica abusividade.

Esse posicionamento, inclusive, ensejou a formulação da Súmula 382, in verbis:

A estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, por si só, não indica abusividade.

Cito julgado:

DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO REVISIONAL. REEXAME DE FATOS, PROVAS E CLÁUSULAS CONTRATUAIS. INADMISSIBILIDADE. LIMITAÇÃO DE JUROS REMUNERATÓRIOS. IMPOSSIBILIDADE. INDICAÇÃO DE ABUSIVIDADE EM RELAÇÃO AOS JUROS MORATÓRIOS. CAPITALIZAÇÃO ANUAL DE JUROS. REVISÃO DE TAXAS DE JUROS REMUNERATÓRIOS. CARACTERIZAÇÃO DA MORA.

1. Ação revisional.

2. O reexame de fatos, provas e cláusulas contratuais em recurso especial é inadmissível.

3. As instituições financeiras não se sujeitam à limitação dos juros remuneratórios estipulada na Lei de Usura (Decreto 22.626/33).

4. A estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, por si só, não indica abusividade.

5. Admite-se a capitalização anual dos juros nos contratos de mútuo firmado com instituições financeiras, desde que seja expressamente pactuada. Precedentes. 6. É admitida a revisão das taxas de juros remuneratórios em situações excepcionais, desde que caracterizada a relação de consumo e que a abusividade (capaz de colocar o consumidor em desvantagem exagerada (art. 51, §1°, do CDC) fique cabalmente demonstrada, ante às peculiaridades do julgamento em concreto.

7. O afastamento da abusividade nos encargos exigidos no período da normalidade contratual (juros remuneratórios e capitalização) caracteriza a mora.

8. Agravo interno não provido.

(AgInt no AREsp 1419353/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 10/06/2019, DJe 12/06/2019) (grifei)

Conquanto aplicável o CDC às instituições bancárias, o STJ consolidou o entendimento de que o pacto referente à taxa de juros só pode ser alterado se reconhecida sua abusividade em cada hipótese, uma vez que a pactuação é livre entre as partes. Desta forma, somente há que se falar em taxa abusiva se constatado que outras instituições financeiras, nas mesmas condições, praticam percentuais bem inferiores ao do contrato objeto de discussão.

Portanto, a limitação dos juros remuneratórios, quando demonstrada a taxa contratada, somente ocorrerá se comprovado que a taxa contratada é superior à taxa média para as operações financeiras similares. A limitação dos juros remuneratórios é medida excepcional, quando demonstrado que a taxa contratada apresenta significativa discrepância em relação à taxa média de mercado.

Neste caso, far-se-á a limitação com base nas taxas divulgadas e publicadas pelo Bacen, que reflete a média de mercado.

A exemplificar esse entendimento, cito os seguintes precedentes da Corte Superior:

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO BANCÁRIO....

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