Acórdão nº 50015477620208210018 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Quinta Câmara Cível, 01-03-2023

Data de Julgamento01 Março 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50015477620208210018
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoQuinta Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003194420
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

5ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5001547-76.2020.8.21.0018/RS

TIPO DE AÇÃO: Indenização por Dano Moral

RELATORA: Desembargadora ISABEL DIAS ALMEIDA

APELANTE: ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RÉU)

APELADO: SUSANA GONCALVES DA SILVA (AUTOR)

RELATÓRIO

Trata-se de apelação cível interposta pelo ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL contra a sentença (evento 22 da origem) que, nos autos da ação de indenização por danos morais ajuizada por SUSANA GONÇALVES DA SILVA, julgou a demanda nos seguintes termos:

ANTE O EXPOSTO, JULGO PROCEDENTE a pretensão deduzida por SUSANA GONÇALVES DA SILVA em face do ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, com base no art. 487, inc. I, do CPC, para condenar o réu a indenizar a autora pelos danos morais sofridos, no montante de R$ 8.000,00 (oito mil reais), corrigidos monetariamente pelo IPCA-E, a partir da presente data, e acrescido de juros de mora, segundo o índice de remuneração da caderneta de poupança, a partir de data da prisão indevida (07/07/2020).

O Estado do Rio Grande do Sul é isento da Taxa Única, nos termos do art. 5º, inc. I, da Lei Estadual nº 14.634/14 e do art. 39 da Lei nº 6.830/80. Condeno-o, no entanto, em virtude da sucumbência, ao pagamento de eventuais despesas processuais, exceto as de condução. Condeno o demandado, ainda, ao pagamento de honorários advocatícios em favor do patrono da parte adversa, os quais arbitro em em 10% sobre o valor da condenação, em atenção ao disposto no art. 85, § 3º, inc. I, do CPC, considerando o trabalho de desenvolvido, a importância da causa, assim como o tempo de tramitação da ação (desde 07/2020).

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Processo não sujeito à remessa necessária, pois o valor da condenação, ainda que com a incidência de juros e correção monetária, não alcançaria montante superior 500 salários mínimos (art. 496, § 3°, inc. II, do CPC).

Sem prejuízo, considerando a desnecessidade de juízo de admissibilidade pelo julgador de primeira instância (artigo 1.010, § 3º, do CPC), em caso de interposição de recurso em face da sentença, proceda-se à intimação da parte apelada para que apresente contrarrazões, querendo, no prazo de 15 dias, e, em seguida, encaminhem-se os autos à Superior Instância para julgamento.

Com o trânsito em julgado, proceda-se à cobrança das eventuais despesas.

Oportunamente, baixe-se.

Cumpra-se.

Em suas razões (evento 34 da origem), o Estado elabora relato dos fatos e sustenta que a prisão do autor decorreu do exercício regular de direito por parte dos agentes policiais. Aponta que o exercício do poder de polícia não extrapolou os limites legais. Alega que havia mandado de prisão em aberto, não tendo a autoridade policial competência para liberar a autora, senão por meio de expedição de alvará de soltura pelo Poder Judiciário. Defende a ausência dos pressupostos do dever de indenizar, ressaltando não se tratar de hipótese de dano moral puro indenizável. Requer o provimento do recurso para julgar improcedente o pedido. Em caráter subsidiário, pede a redução do quantum indenizatório. Colaciona jurisprudência.

Não foram apresentadas as contrarrazões, conforme certidão do evento 38 da origem.

O Ministério Público declinou de intervir no feito (evento 8 deste recurso).

Vieram os autos conclusos para julgamento.

Foram observados os dispositivos legais, considerando a adoção do sistema informatizado.

É o relatório.

VOTO

O recurso é adequado, tempestivo e está dispensado de preparo por força do disposto no art. 1.007, §1º, do CPC. Sendo assim, passo ao seu enfrentamento.

Melhor delimitando o objeto da controvérsia, adoto o relato da sentença, vertido nos seguintes termos:

Vistos e analisados.

SUSANA GONÇALVES DA SILVA, qualificada na inicial, ajuizou a presente AÇÃO INDENIZATÓRIA em face do ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, igualmente qualificado. Relatou que, em 08 de julho de 2020, foi presa enquanto chegava para trabalhar. Sustentou que a prisão foi indevida, tendo ocorrido por erro judiciário, pois o mandado se referia a pena já cumprida pela autora. Afirmou que ficou até o dia 09/07/2020 na delegacia, quando foi transferida para o presídio de Guaíba, de onde saiu em 10/07/2020. Referiu que, em virtude do constrangimento, resolveu deixar o emprego. Discorreu sobre os danos morais sofridos, invocando os dispositivos legais aplicáveis. Pugnou, ao final, pelo julgamento de procedência da ação, com a condenação da parte demandada ao pagamento de indenização por danos morais, no valor de R$ 200.000,00 (duzentos mil reais). Requereu a gratuidade da Justiça e juntou documentos (evento 01).

Com o recebimento da inicial, foi concedida a gratuidade da Justiça e determinada a citação (evento 03).

Citado (evento 06), o Estado do Rio Grande do Sul apresentou contestação. Preliminarmente, arguiu a incompetência do Juízo. No mérito, sustentou a inexistência de responsabilidade civil do estado, ao argumento de que a simples abordagem e condução da pessoa não gera, por si, o dever de indenizar, inclusive porque não comprovado nenhum excesso por parte dos militares. Argumentou que, em 48 horas, a situação foi esclarecida, tendo a a autora sido liberada. Aduziu que os policiais agiram de acordo com as informações constantes no sistema, que indicava a existência de um mandado de prisão contra a autora. Ponderou que a responsabilidade por erro judiciário decorre da constatação de dolo ou fraude por parte do Magistrado. Afirmou não estarem presentes os pressupostos do dever de indenizar e impugnou o valor postulado, a título de indenização. Pugnou, ao final, pelo reconhecimento da incompetência do Juízo e pelo julgamento de improcedência da ação, além de juntar documentos (evento 09).

Houve réplica (evento 12).

Instadas (eventos 14-16), as partes não manifestarem interesse na produção de outas provas (eventos 19-20).

Vieram os autos conclusos para sentença (evento 21).

Sobreveio sentença de procedência, desafiando recurso por parte do Estado réu.

Pois bem. A eventual responsabilidade do Estado, no caso em tela é objetiva, ou seja, independe de culpa, nos termos do artigo 37, § 6º, da Constituição Federal, exigindo apenas a conduta ilícita e existência de dano, bem como nexo de causalidade entre estes dois elementos, sendo dispensado se perquirir a respeito de dolo ou culpa do agente estatal.

O Código Civil, nos artigos 186 e 954, disciplina a responsabilidade decorrente da prisão ilegal:

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

(...)

Art. 954. A indenização por ofensa à liberdade pessoal consistirá no pagamento das perdas e danos que sobrevierem ao ofendido, e se este não puder provar prejuízo, tem aplicação o disposto no parágrafo único do artigo antecedente.

Parágrafo único. Consideram-se ofensivos da liberdade pessoal:

I - o cárcere privado;

II - a prisão por queixa ou denúncia falsa e de má-fé;

III - a prisão ilegal.

A regra é de que o réu, na condição de pessoa jurídica de Direito Público interno, tem os limites de sua responsabilidade civil estabelecidos no artigo 37, § 6°, da Constituição Federal.

Na espécie, observo ser incontroverso que houve equívoco na prisão da autora realizada em 08/07/2020 decorrente do mandado de prisão n. 0001006-06.2018.8.21.0146.0001, uma vez que se referia a pena já cumprida pela demandante no ano de 2012 (evento 1, PARECER7 e 8), sendo mantida segregada indevidamente por 3 dias. Somente após a prisão ilegal foi determinada a atualização e verificação do tempo cumprido, veja-se

Assim, embora inexista erro por parte dos Policiais Militares e da Autoridade Policial, os quais apenas cumpriram o mandado de prisão que se encontrava em aberto, é evidente a falha por parte dos agentes estatais vinculados ao Poder Judiciário, pois deixaram de proceder à baixa do mandado em seu sistema e ao cômputo do tempo de cumprimento da pena, fazendo com que a autora constasse como "foragida" mesmo após oito anos de cumprida aquela.

Nessa linha, acrescento relevantes trechos da sentença, da lavra da ilustre Juíza de Direito, Dra. Débora de Souza Vissoni, cuja fundamentação adoto como razões de decidir:

O Estado do Rio Grande do Sul, por ser pessoa jurídica de direito público, responde objetivamente por danos causados a terceiros (art. 37, § 6º, da Constituição Federal). Por essa razão, desnecessário perquirir a culpa do ente administrativo, bastando, então, a constatação da presença da ação/omissão, do evento danoso e da relação de causalidade entre ambos. E, no ponto, vale ressaltar que a responsabilidade civil do magistrado - prevista na LOMAN - não altera a responsabilidade civil do ente público frente ao cidadão

Do exame dos autos, verifico que a prisão da autora foi realizada em...

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