Acórdão nº 50015573720198210057 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Quarta Câmara Criminal, 14-12-2022

Data de Julgamento14 Dezembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50015573720198210057
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoQuarta Câmara Criminal

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003080482
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

4ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Criminal Nº 5001557-37.2019.8.21.0057/RS

TIPO DE AÇÃO: Crimes do Sistema Nacional de Armas (Lei 9.437/97 e Lei 10.826/03)

RELATOR: Desembargador JULIO CESAR FINGER

APELANTE: GAMAL NASSER SALMAN JUNIOR (ACUSADO)

APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (AUTOR)

RELATÓRIO

O Ministério Público denunciou GAMAL NASSER SALMAN JUNIOR já qualificado, por incurso nas sanções do art. 14, da Lei 10.826/03, em vista da prática do seguinte fato descrito na denúncia:

"No dia 03 de agosto de 2019, por volta das 23 horas e 10 minutos, nas dependências do Eucaliptos Bar, localizado na Avenida Petrópolis, Bairro Nunes, nesta Cidade, o denunciado portou a pistola marca Taurus, calibre .380 ACP, número de série KJY84511, bem como dezessete cartuchos calibre .380, marca CBC, sem autorização e em desacordo com determinação legal e regulamentar, qual seja: o Decreto número 5.123, de 01 julho de 2004 -Auto de Apreensão da fl. 06 e Laudo Pericial da fl. 14.

Para tanto, policiais militares, em fiscalização de rotina, abordaram os ocupantes do estabelecimento suprarreferido oportunidade em que avistaram Gamal jogar pela janela a arma descrita. Ato continuo, os milicianos apreenderam a pistola, custodiaram o acusado e o conduziram até a Delegacia de Policia local."

A denúncia foi recebida em 11/12/2019 (evento 5.1, fl. 30).

Após regular instrução do feito, sobreveio sentença (evento 5.2, fl. 35/39), publicada em 29/07/2022 (fl. 41), que julgou procedente a ação penal, para condenar o réu como incurso nas sanções do art. 14, caput, da Lei 10.826/03, à pena de 02 anos de reclusão, em regime inicial aberto, substituída por uma pena restritiva de direitos, consistente em prestação pecuniária de 04 salários-mínimo, e uma pena de multa, dosada em 10 dias-multa, além do pagamento multa cumulativa de 10 dias-multa, no valor unitário mínimo legal.

A defesa apelou e, nas razões (evento 5.2, fls. 45/50), postula a absolvição por atipicidade da conduta, arguindo a ausência de perigo concreto de lesão ao bem juridicamente tutelado.

Apresentadas contrarrazões no evento 5.3, fls. 05/07.

Vieram os autos a este Tribunal para julgamento do apelo.

Neste processo, a Procuradoria de Justiça lançou parecer, opinando pelo parcial provimento do recurso, apenas para reduzir o valor imposto a título de pena pecuniária substitutiva para o mínimo legal.

Esta Câmara Criminal adotou o procedimento informatizado utilizado pelo TJRS, tendo sido atendido o disposto no art. 609 do Código de Processo Penal, bem como o art. 207, II, do RITJERGS.

É o relatório.

VOTO

I. Admissibilidade

O recurso preencheu os requisitos para a admissibilidade, pelo que vai conhecido.

II. Mérito

O réu foi condenado nas sanções do crime previsto no artigo 14, caput, da Lei n. º 10.826/03, à pena de 02 anos de reclusão, em regime inicial aberto, substituída por uma pena restritiva de direitos, consistente em prestação pecuniária de 04 salários-mínimo, e uma pena de multa, dosada em 10 dias-multa, além do pagamento multa cumulativa de 10 dias-multa, no valor unitário mínimo legal.

Delitos dessa natureza prescindem da demonstração do risco de dano. As Cortes Superiores, sobretudo o STF, guardião da Constituição Federal, afirmam não haver inconstitucionalidade na definição de crimes de perigo abstrato, tendo sido reconhecida, inclusive, a adequação da Lei nº 10.826/03 ao ordenamento pátrio por meio da ADI 3112/DF1. Nesse sentido, paradigmático precedente daquele Tribunal (HC 104410/RS – Min. Gilmar Mendes – Segunda Turma – Julgamento 06/03/2012). É prescindível, na hipótese, a demonstração de perigo de dano2. Também é o entendimento do STJ3. Por conta disso, inclusive, levando-se em conta o bem jurídico tutelado (incolumidade pública4), inexiste violação ao princípio da lesividade, matéria pacificada junto à 3ª Seção do STJ5, pouco importando, também para o STF6, se a arma estava desmuniciada ou desmontada.

Conforme a jurisprudência das Cortes Superiores também é desnecessária a perícia da arma7 ou a comprovação da sua lesividade no crime em tela8.

Não obstante, a eficácia do revólver apreendido foi atestada pelo laudo pericial nº 132082/2019, consignando que testando a arma com cartuchos de calibre compatível, incluindo os questionados, obtivemos a produção de tiros, concluindo que se encontra em condições de uso e funcionamento. Os cartuchos foram eficazes” (fl. 18).

Não há falar, assim, em atipicidade por ausência de ofensividade na conduta.

No mais, o recurso não devolveu a esta Câmara a rediscussão dos fatos apontados na denúncia, razão por que, de acordo com entendimento jurisprudencial corrente, não se revela necessário dito enfrentamento. É o que vem defendendo, por exemplo, o Superior Tribunal de Justiça, ao destacar que O efeito devolutivo do recurso de apelação criminal encontra limites nas razões expostas pelo recorrente, em respeito ao princípio da dialeticidade que rege os recursos no âmbito processual penal pátrio, por meio do qual se permite o exercício do contraditório pela parte que defende os interesses adversos, garantindo-se, assim, o respeito à cláusula constitucional do devido processo legal. (HC 490.237/SC, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 21/03/2019, DJe 28/03/2019).

De qualquer modo, destaco que a materialidade está comprovada nos autos originais, pelo registro de ocorrência (fls. 06/07), pelo auto de apreensão (fl. 10), pelo laudo pericial nº 132082/2019 (fl. 18), bem como pela prova oral colhida nos autos, que também dá conta da autoria e foi devidamente sintetizada pelo ilustre Juiz de Direito Gerson Lira, conforme se transcreve:

A testemunha Leandro da Silva Santos, policial militar, disse que se deslocou até o local da ocorrência a fim de realizar abordagem de rotina, pois tem várias denúncias de drogas no local. Que foi dado voz de abordagem às pessoas que estavam no local, sendo que visualizaram o acusado jogando um objeto pela janela. Que após efetuarem a busca pessoal em todas as pessoas, foram até a área externa onde localizaram a pistola, municiada 17 cartuchos. Que a pistola estava registrada no nome do acusado e ele assumiu a mesma porque não tinha porte. Que a boate estava cheia de pessoas. Que o proprietário da boate é o senhor Alceu.

A testemunha João Carlos Ribeiro, policial militar, disse que na data do fato estava de serviço com outros colegas, sendo que foi feita uma operação de abordagem no local, na busca de algum ilícito. Que ao se aproximar do local visualizou o acusado dispensando uma arma de fogo por debaixo da grade da frente do estabelecimento. Que após fazerem revista pessoal de todos, conversaram com o acusado sobre o objeto. Que foram até o local externo onde o acusado dispensou a arma de fogo e localizaram uma pistola, calibre 380, municiada, a qual estava...

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