Acórdão nº 50015828820218215001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Sexta Câmara Cível, 24-11-2022

Data de Julgamento24 Novembro 2022
ÓrgãoSexta Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50015828820218215001
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002965919
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

6ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5001582-88.2021.8.21.5001/RS

TIPO DE AÇÃO: Tratamento médico-hospitalar

RELATORA: Desembargadora ELIZIANA DA SILVEIRA PEREZ

APELANTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

APELADO: SEGREDO DE JUSTIÇA

APELADO: SEGREDO DE JUSTIÇA

RELATÓRIO

Cuida-se de Recurso de Apelação interposto pela parte ré, AMIL - ASSISTÊNCIA MÉDICA INTERNACIONAL LTDA., contra sentença que julgou procedentes os pedidos formulados nos autos da ação ajuizada por LORENZO LUIS CARVALHO DOS SANTOS, menor impúbere representado por seus genitores, na qual objetivava fosse a ré compelida a custear o tratamento multidisciplinar prescrito pela médica assistência, pelo Método PediaSuit, tendo em vista que portador de leucodistrofia metacromática (CID-10: G37/E75-2).

Segue transcrição do dispositivo da sentença:

Por estas razões, nos termos do art. 487, I, do CPC, julgo PROCEDENTE o pedido de obrigação de fazer movido por LORENZO LUIS CARVALHO DOS SANTOS em face de AMIL ASSISTÊNCIA MÉDICA INTERNACIONAL S.A para condenar a parte demandada a fornecer/custear o tratamento prescrito por médico especialista através do método terapia PediaSuit (protocolo de terapia intensiva com recurso de órtese PediaSuit com conceito neutoevolutivo Bobath) nos termos prescritos e necessários ao tratamento da patologia do autor.

Ante o julgamento de procedência, concedo a antecipação de tutela para determinar que a ré proceda o custeio do tratamento, nos termos do art. 1.012, §1°, V, do CPC.

Ante a sucumbência, condeno a parte ré ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios em favor do patrono da parte autora, os quais fixo em R$ 2.000,00 (dois mil reais), em razão do trabalho desenvolvido, nos termos do art. 85, §2°, do CPC c/c §8° do CPC.

Em suas razões recursais, a parte demandada alegou, em síntese, que o Rol de procedimentos de cobertura obrigatória da Agência Nacional de Saúde é taxativo. Destacou possuir profissionais capacitados para tratar de pacientes com Transtorno do Espectro Autista, os quais, em que pese façam parte da rede credenciada, não possui ingerência sobre os métodos utilizados por cada prestador. Mencionou, ademais, a ausência de cobertura para tratamentos experimentais. De forma subsidiária, pugnou seja a manutenção do tratamento condicionada à trimestral comprovação de eficácia. Outrossim, postulou seja o reembolso limitado aos valores cobrados na rede credenciada. Por fim, requereu a reforma da sentença, com o provimento do recurso.

A parte autora apresentou contrarrazões.

Os autos subiram e foram distribuídos.

O Ministério Público ofertou parecer opinando pelo desprovimento do recurso.

Após, os autos vieam conclusos para julgamento.

É o relatório.

VOTO

Eminentes Colegas.

Presentes os pressupostos de admissibilidade recursal, conheço do Recurso de Apelação.

Conforme relatado, a matéria controvertida nos autos, devolvida a este grau de jurisdição, refere-se à negativa de cobertura, pela operadora do plano de saúde, das terapias de fonoaudiologia, terapia ocupacional e fisioterapia pelo métódo PediaSuit, prescritas pelo médico assistente do autora para o tratamento de leucodistrofia metacromática (CID-10: G37/E75-2).

Antes de adentrar no mérito da controvérsia existente nos autos, ressalto que o atual sistema de saúde do país pode ser divido em dois subsistemas – o público, representado pelo Sistema Único de Saúde (SUS), cujo financiamento, como o próprio nome diz, é público, comportando a participação das esferas da federação, gestão pública, através de serviços da rede própria de municípios, estados e União, de serviços públicos de outras áreas de governo e de serviços privados contratados ou conveniados; e o privado, que por sua vez se subdivide em dois subsetores, denominados de suplementar (planos e seguros de saúde) e liberal clássico (serviços particulares).

Na espécie, nos interessa dirimir a questão relativa ao sistema de saúde suplementar, que é composta pelos serviços financiados pelos planos e seguros de saúde, os quais possuem um financiamento privado, mas com subsídios públicos.

A despeito de a saúde suplementar ter surgido no Brasil na década de 1960, sua atividade apenas foi regulamentada em 1998, quando da edição da Lei nº 9.656/1998, que regulamenta os Planos de Saúde e as empresas deste ramo.

E, por determinação da Lei que dispõe sobre os planos de saúde, foi criada, pela Lei nº 9.961/2000, a Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS, que possui natureza jurídica de autarquia sob regime especial vinculada ao Ministério da Saúde, e é responsável pela regulação, normatização, controle e fiscalização das atividades que garantam assistência suplementar à saúde. Essa agência tem por finalidade promover a defesa do interesse público, regulando operadoras setoriais, inclusive as relações com prestadores de serviços e consumidores, a fim de contribuir para o desenvolvimento das ações de saúde.

O principal escopo da ANS é, portanto, regulamentar os produtos e serviços no setor de saúde suplementar, com limites e deveres expostos na Lei nº 9.565/1998.

Importante ressaltar que no artigo 10, § 4º, da Lei nº 9.656/1998 c/c o artigo 4, inciso III, da Lei nº 9.961/2000, o legislador optou por atribuir à ANS a elaboração da lista de procedimentos e eventos em saúde que constituiriam a referência básica para fins do disposto na Lei dos Planos de Saúde.

Essa opção, a toda a evidência, decorreu da preocupação do legislador com o equilíbrio atuarial dos planos e seguros de saúde, os quais devem estar assentados em planos de custeio elaborados por profissionais, segundo diretrizes definidas pelo CONSU.

O Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde da ANS propicia, a meu ver, a correta aplicação da fórmula de cálculo do preço a ser pago pelos beneficiários dos serviços de saúde, de forma que a imposição de todo e qualquer custeio de tratamentos à operadora do plano de saúde, evidentemente, afeta a sustentabilidade do plano e implica em prejuízo a toda cadeia de beneficiários.

Além disso, não cabe ao judiciário se substituir ao legislador, vez que a atribuição que tem de interpretar a lei, quando chamado para aplicá-la, não o autoriza agir como se fosse legislador, acrescentando ou tirando direitos nela não previstos. Ao Judiciário cabe tão somente analisar se houve a correta aplicação do direito no caso concreto, sob pena de violar a tripartição dos poderes e suprimir a atribuição legal da ANS.

No que respeita às normas do Código de Defesa do Consumidor, mister observar o disposto no artigo 4º, que, ao estabelecer a Política Nacional das Relações de Consumo e os princípios que devem ser observados, prioriza a proteção dos interesses econômicos e a transparência e harmonia das relações de consumo – entre consumidores e fornecedores.

Logo, considerando o disposto na própria Lei consumerista, a qual se aplica apenas de forma subsidiária à Lei Especial, conforme previsão do artigo 35-G da Lei dos Planos de Saúde (EAREsp 988.070/SP), a transparência e a harmonia da relação, que deve ser interpretada como aquilo que foi previamente acordado entre as partes, deve prevalecer.

Sendo assim, nas ações como a presente devem ser observadas as coberturas definidas na Resolução Normativa nº 428/2017, atual RN nº 465/2021, da Agência Nacional de Saúde Complementar (ANS), que apresenta Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde, a qual não pode prever aquelas excetuadas no artigo 10 da Lei nº 9.656/98 e, também, não pode excluir ou mitigar as hipóteses do artigo 12 do mesmo diploma legal.

In verbis:

Art. 10. É instituído o plano-referência de assistência à saúde, com cobertura assistencial médico-ambulatorial e hospitalar, compreendendo partos e tratamentos, realizados exclusivamente no Brasil, com padrão de enfermaria, centro de terapia intensiva, ou similar, quando necessária a internação hospitalar, das doenças listadas na Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde, da Organização Mundial de Saúde, respeitadas as exigências mínimas estabelecidas no art. 12 desta Lei, exceto: (Redação dada pela Medida Provisória nº 2.177-44, de 2001)

I - tratamento clínico ou cirúrgico experimental; (Redação dada pela Medida Provisória nº 2.177-44, de 2001)

II - procedimentos clínicos ou cirúrgicos para fins estéticos, bem como órteses e próteses para o mesmo fim;

III - inseminação artificial;

IV - tratamento de rejuvenescimento ou de emagrecimento com finalidade estética;

V - fornecimento de medicamentos importados não nacionalizados;

VI - fornecimento de medicamentos para tratamento domiciliar, ressalvado o disposto nas alíneas ‘c’ do inciso I e ‘g’ do inciso II do art. 12; (Redação dada pela Lei nº 12.880, de 2013) (Vigência)

VII - fornecimento de próteses, órteses e seus acessórios não ligados ao ato cirúrgico; (Redação dada pela Medida Provisória nº 2.177-44, de 2001)

VIII - procedimentos odontológicos, salvo o conjunto de serviços voltados à prevenção e manutenção básica da saúde dentária, assim compreendidos a pesquisa, o tratamento e a remoção de focos de infecção dentária, profilaxia de cárie dentária, cirurgia e traumatologia bucomaxilar; (Vide Medida Provisória nº 1.685-5, de 1998) (Revogado pela Medida Provisória nº 2.177-44, de 2001)

IX - tratamentos ilícitos ou antiéticos, assim definidos sob o aspecto médico, ou não reconhecidos pelas autoridades competentes;

X - casos de cataclismos, guerras e comoções internas, quando declarados pela autoridade competente.

§ 1º As exceções constantes dos incisos deste artigo serão objeto de regulamentação pela ANS. (Redação dada pela Medida Provisória nº 2.177-44, de 2001)

[...]

§ 4º A amplitude das coberturas, inclusive de transplantes e...

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