Acórdão nº 50015998420218210035 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Segunda Câmara Criminal, 23-05-2023

Data de Julgamento23 Maio 2023
ÓrgãoSegunda Câmara Criminal
Classe processualApelação
Número do processo50015998420218210035
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003667580
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

2ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Criminal Nº 5001599-84.2021.8.21.0035/RS

TIPO DE AÇÃO: Crimes de Tráfico Ilícito e Uso Indevido de Drogas (Lei 11.343/06)

RELATORA: Juiza de Direito VIVIANE DE FARIA MIRANDA

APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (AUTOR)

APELANTE: DANILO FREITAS DO SANTOS (ACUSADO)

APELADO: OS MESMOS

RELATÓRIO

De início, trago à colação o relatório da sentença lavrada pela Magistrada unipessoal, Dra. Andreia Pinto Goedert (processo 5001599-84.2021.8.21.0035/RS, evento 148, SENT1), que bem sintetizou a marcha processual:

O Ministério Público ofereceu denúncia contra DANILO FREITAS DOS SANTOS, brasileiro, amigado, nascido em 01/08/1987, natural de São Paulo/SP, filho de Dalmiro dos Santos e de Sueli Rodrigues de Freitas, residente e domiciliado na Rua João Martins de Souza, n.º1158/202, Bairro Pacheco, na cidade de Palhoça/SC, como incurso nos artigos 33, caput, da Lei n.º 11.343/2006 e art. 330, na forma do art. 69, caput, ambos do Código Penal, pela prática dos seguintes fatos:

"1º FATO:

No dia 04 de março de 2021, por volta das 16h30min, na BR-116, KM 254, nesta Cidade, o denunciado, DANILO FREITAS DOS SANTOS, trazia consigo e transportava, para consumo de terceiros, 156 (cento e cinquenta e seis) tijolos da substância conhecida vulgarmente por maconha, pesando aproximadamente 115 kg, entorpecente que causa dependência física e psíquica, sem autorização e em desacordo com a determinação legal ou regulamentar, conforme auto de apreensão e laudos provisórios de constatação de natureza de droga apreendida, de folhas não numeradas do inquérito policial.

Na ocasião, durante patrulhamento, Policiais Rodoviários Federais receberam informações do setor de inteligência da Polícia Rodoviária Federal sobre um veículo GM/CELTA, placas HXK-9588, que estaria efetuando transporte de entorpecentes. Ato contínuo, ao localizarem o veículo, efetuaram a abordagem e identificaram o condutor como sendo o denunciado.

Em revista veicular, os agentes localizaram, no porta-malas, 156 (cento e cinquenta e seis) tijolos da substância maconha, pesando aproximadamente 115 kg.

2º FATO:

Nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar do primeiro fato, o denunciado, DANILO FREITAS DOS SANTOS, desobedeceu à ordem legal dos funcionários públicos, Henrique Hepp e Jacson Peixoto Nunes, Policiais Rodoviários Federais.

Na oportunidade, Policiais Rodoviários Federais, durante averiguação de transporte de drogas efetuado através de um veículo GM/CELTA, placas HXK-9588, localizaram-no e deram voz de abordagem. O denunciado desobedeceu a ordem de parada emanada pelos agentes, somente vindo a parar na entrada da BR-448, em razão do congestionamento de veículos, quando foi preso."

O réu foi preso em flagrante, oportunidade em que a prisão foi convertida em preventiva (processo n.º 5001307-02.2021.8.21.0035).

A denúncia foi recebida em 19/03/2021 (evento 03).

O réu foi citado (evento 11) e apresentou resposta à acusação (evento 15).

A defesa apresentou pedido de revogação da prisão preventiva do acusado, que foi indeferido (evento 21).

Foi juntado o laudo toxicológico definitivo das drogas apreendidas (evento 97).

Durante a instrução, foram ouvidas as testemunhas e interrogado o réu (evento 85).

Foram certificados os antecedentes criminais do acusado (evento 137).

Encerrada a instrução, as partes apresentaram memoriais, sendo que o Ministério Publico opinou pela condenação do acusado, nos exatos termos da denúncia (evento 143). A defesa, por sua vez, pediu a absolvição do réu por insuficiência de provas. Subsidiariamente, o reconhecimento da minorante do art. 33, §4° da Lei n° 11.343/06 em grau máximo, com a adoção do regime aberto, em caso de condenação, reconhecimento da confissão espontânea, bem como a fixação da pena de multa em grau mínimo e, por fim, a possibilidade de recorrer em liberdade (evento 146).

Adveio sentença, publicada em 20.10.2021 (data do primeiro ato cartorário, ausente certidão de publicação lançada ao feito), que julgou PROCEDENTE a denúncia para o fim de CONDENAR o réu DANILO FREITAS DOS SANTOS como incurso nas sanções do artigo art. 33, caput e §4º da Lei 11.343/06 e 330, na forma do art. 69, caput ambos do CP, às penas de 2 anos e 4 meses de reclusão, em regime inicial aberto, e 15 dias de detenção em regime inicial aberto, além de 240 dias-multa à razão mínima unitária; concedido o direito de recorrer em liberdade.

Irresignados, Ministério Público e Defesa Constituída recorreram (processo 5001599-84.2021.8.21.0035/RS, evento 157, APELAÇÃO1; processo 5001599-84.2021.8.21.0035/RS, evento 158, APELAÇÃO1).

Em suas razões, o Parquet alegou que, considerando a quantidade de matéria proscrita apreendida, "restam afastadas as condições estabelecidas pela lei para se obter a minoração da pena recebida pela prática do crime previsto no artigo 33, caput da Lei 11.343/06". Ressaltou que "devidamente demonstrado que o apelado, por dedicar-se às atividades criminosas, não faz jus à figura do tráfico privilegiado". Subsidiariamente, pugnou pela redução da fração redutora aplicada para o mínimo legal de 1/6 (processo 5001599-84.2021.8.21.0035/RS, evento 165, RAZAPELA1).

Apresentadas contrarrazões ao recurso do Ministério Público (processo 5001599-84.2021.8.21.0035/RS, evento 173, CONTRAZAP1), os autos vieram remetidos a esta Corte.

A Defesa requereu, preliminarmente, a nulidade da prova, pois obtida em decorrência de busca veicular fundada em denúncia anônima. No mérito, clamou pela absolvição do réu por insuficiência probatória em relação aos dois delitos. Subsidiariamente, pugnou pela redução da pena-base quanto ao delito de tráfico de drogas, o reconhecimento da atenuante da confissão espontânea, a redução da pena substitutiva de prestação pecuniária para o valor de um (1) salário mínimo, a redução da pena de multa e, por fim a detração do período em que o réu ficou preso preventivamente (processo 5001599-84.2021.8.21.0035/TJRS, evento 8, RAZAPELA1).

O Ministério Público deixou transcorrer in albis o prazo para contrarrazões (processo 5001599-84.2021.8.21.0035/TJRS, evento 16, DESPADEC1).

Neste grau de jurisdição, em parecer exarado pelo Dr. Luiz Carlos Ziomkowski, Procurador de Justiça, o Ministério Público manifestou-se pela rejeição da prefacial e, no mérito, pelo parcial provimento do recurso defensivo para, mantendo-se as condenações, alterar, de ofício, a pena restritiva de direto imposta ao crime de desobediência por limitação de fim de semana, e pelo provimento do apelo ministerial (processo 5001599-84.2021.8.21.0035/TJRS, evento 20, PARECER1).

É o relatório.

VOTO

Eminentes Desembargadores:

Os recursos são tempestivos e, presentes os demais pressupostos de admissibilidade, devem ser conhecidos.

I - Preliminar - Nulidade da prova (busca veicular realizada a partir de denúncia anônima)

A Defesa, por sua vez, alega a nulidade dos elementos probatórios carreados nos autos, fundamentando, para tanto, a ausência de fundada suspeita para a abordagem do réu, embasada unicamente em prévia denúncia anônima.

É certo que, nos termos do art. 240, § 2º do CPP, para que se proceda à busca pessoal, tem-se por necessária a existência de fundada suspeita de que a pessoa abordada oculte consigo arma proibida, instrumentos do crime e objetos necessários à prova do fato delituoso, bem ainda para colher elementos de convicção.

Sobre o requisito da fundada suspeita, Nucci refere ser este:

essencial e indispensável para a realização da busca pessoal, consistente na revista do indivíduo. Suspeita é uma desconfiança ou suposição, algo intuitivo e frágil, por natureza, razão pela qual a norma exige fundada suspeita, que é mais concreto e seguro.1

Badaró2 censura a expressão, porquanto sua demonstração não parte de um referencial concreto e seguro, verbis:

A expressão "fundadas suspeitas" é criticável, por ser "ambígua e oca". Suspeita é uma mera conjectura ou desconfiança, mesmo que frágil, de alguma coisa ou contra alguém. Trata-se de um estado subjetivo, cuja demonstração não tem um referencial concreto seguro. O CPP deveria ter exigido mais, como "indícios" ou "fundados indícios", justamente no caso em que franqueia a busca pessoal a autoridades e agentes policiais, prescindido de mandado judicial."

E sob um viés mais crítico e calcado na seletividade do sistema penal, Lopes Jr.3, sustenta:

Assim, por mais que se tente definir a "fundada suspeita", nada mais se faz que pura ilação teórica, pois os policiais continuarão abordando quem e quando eles quiserem. Elementar que os alvos são os clientes preferenciais do sistema, por sua já conhecida seletividade.

E prossegue:

Exemplo típico desses abusos são as buscas pessoais feitas em ônibus urbanos, especialmente nas periferias, vilas, favelas das grandes cidades brasileiras. Como sustentar que em relação a 50 pessoas desconhecidas (muitas retornando para a casa após uma longa jornada de trabalho) existe "fundada suspeita" de que alguém oculte armas, coisas achadas por meios criminosos, etc.? Como justificar que todos tenham que descer, ficar de costas, com os braços e pernas abertos , para serem revistados (muitas vezes sob a mira de armas, com nervosos dedos no gatilho)? Ora, nada mais é do que uma atitude calcada nas metarregras do sistema punitivo, especialmente nas revoltantes discriminações raciais, econômicas e sociais. Imagine-se um arrastão policial desse tipo feito na saída do aeroporto e Brasília, São Paulo ou qualquer outra capital? Ou mesmo num badalado shopping center? Impensável! (...) É assim que nasce a seletividade penal, tão bem explicada pelo labelling approach. 4 (Grifei)

Considerando a lacuna legislativa acerca do standard probatório...

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