Acórdão nº 50016227720218210084 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Terceira Câmara Criminal, 24-05-2023

Data de Julgamento24 Maio 2023
ÓrgãoTerceira Câmara Criminal
Classe processualApelação
Número do processo50016227720218210084
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003651784
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

3ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Criminal Nº 5001622-77.2021.8.21.0084/RS

TIPO DE AÇÃO: Crimes de Tráfico Ilícito e Uso Indevido de Drogas (Lei 11.343/06)

RELATOR: Desembargador LUCIANO ANDRE LOSEKANN

APELANTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

APELADO: SEGREDO DE JUSTIÇA

RELATÓRIO

Perante o juízo da Vara Judicial da Comarca de Butiá, o Ministério Público ofereceu denúncia contra IGOR DOS SANTOS SOARES MOREIRA, qualificado nos autos, dando-o como incurso nas sanções do art. 33, caput, da Lei nº 11.343/06, pela prática do seguinte fato delituoso:

No dia 03 de agosto de 2021, por volta das 08h10min, em via pública, na rua Olívio Rocha, em frente ao n.º 309, bairro Cidade Alta, em Butiá/RS, o denunciado IGOR DOS SANTOS SOARES MOREIRA trazia consigo, para fins de comércio, 09 (nove) tijolos de maconha, pesando aproximadamente 5.767g (cinco mil e setecentos e sessenta e sete gramas), 01 (um) tijolo de cocaína, pesando cerca de 1.037g (mil e trinta e sete gramas), substâncias entorpecentes de uso proscrito no País, que causam dependência física e psíquica, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar.

Na oportunidade, após receberem informações de que o denunciado estaria guardando droga para a facção “Os Manos”, a guarnição da Brigada Militar, em patrulhamento, visualizou IGOR chegando em casa, portando uma mochila. Realizada a abordagem, em via pública, em revista pessoal, foi encontrada, no interior da mochila, as drogas acima descritas, além de uma balança de precisão, um aparelho celular e R$ 4.194,00 (Quatro mil e cento e noventa e quatro reais), em notas diversas, conforme Auto de Apreensão (ev. 1, doc. 1, págs. 10-12).

As drogas foram preliminarmente periciadas, constatando-se que se tratava de maconha e cocaína (laudos de constatação da natureza da substância – ev. 1, doc. 1, págs. 14-17).

Notificado (evento 6, CERTGM1), o acusado apresentou defesa prévia por intermédio de defensor constituído (evento 15, DEFESA PRÉVIA1).

Ausentes hipóteses de absolvição sumária, a denúncia foi recebida em 18/10/2021 (evento 20, DESPADEC1).

O acusado foi citado e apresentou resposta à acusação, pugnando pela desclassificação para o crime previsto no art. 28 da Lei de Drogas (evento 34, DEFESA PRÉVIA1).

Durante a instrução, inquiriram-se 05 (cinco) testemunhas, interrogando-se o réu (evento 125, TERMOAUD1).

Encerrada a instrução, os debates orais foram substituídos por memoriais, ocasião em que o Ministério Público postulou a condenação do acusado, nos termos da denúncia (evento 138, MEMORIAIS1).

A defesa, por sua vez, arguiu, preliminarmente, a inépcia da denúncia e a nulidade das provas obtidas no flagrante, uma vez que decorrentes de violação de domicílio. Requereu a absolvição ante a insuficiência probatória. Subsidiariamente, postulou a aplicação da pena no mínimo legal e o reconhecimento do tráfico privilegiado. Por fim, pediu o direito de apelar em liberdade (evento 146, MEMORIAIS1).

Sobreveio sentença, publicada em 05/07/2022, que julgou procedente a ação penal para CONDENAR o réu IGOR DOS SANTOS SOARES MOREIRA como incurso nas sanções do artigo 33, caput, da Lei n.° 11.343/2006, à pena privativa de liberdade de 05 (cinco) anos e 10 (dez) meses de reclusão, em regime semiaberto, e pena de 600 dias-multa à razão mínima legal (evento 148, SENT1).

Irresignada, a defesa interpôs recurso de apelação.

Em suas razões, sustenta a ocorrência de coação moral irresistível, requerendo absolvição do acusado pela excludente da culpabilidade. Subsidiariamente, postula a redução da pena-base para o mínimo legal, alegando que a conduta social e a personalidade devem ser consideradas favoravelmente, com o mesmo peso das circunstâncias desfavoráveis. Pugnou pelo reconhecimento do tráfico privilegiado e pela isenção da pena de multa (evento 181, RAZAPELA1).

Contrarrazões apresentadas pelo Ministério Público no evento 184, CONTRAZAP1.

Neste grau de jurisdição, a d. Procuradora de Justiça Ana Lúcia Cardozo da Silva opinou pelo desprovimento do recurso defensivo (evento 19, PARECER1).

É o relatório.

VOTO

Conheço do recurso interposto, porquanto satisfaz os requisitos intrínsecos (adequação legal, legitimação e interesse) e extrínsecos (tempestividade e regularidade formal) de admissibilidade.

Ausentes questões preliminares a serem enfrentadas, passo à análise do mérito recursal da defesa, que se cinge a aspectos da dosimetria da pena ao final aplicada ao recorrente.

Ressalto, contudo, que a materialidade delitiva é induvidosa e foi comprovada pelo Boletim de Ocorrência Policial (fls. 05/09 evento 1, P_FLAGRANTE1), pelo Auto de Apreensão (fls. 10/12 evento 1, P_FLAGRANTE1), pelo Laudo de Constatação da Natureza das Substâncias (fls. 14/17 evento 1, P_FLAGRANTE1); pelos Laudos Periciais (evento 129, LAUDO2); bem como pela prova oral produzida em juízo.

De igual modo, a autoria é incontroversa, já que contra ela o réu e a defesa não se insurgem e a prova coligida no curso da instrução, sob o crivo do contraditório, a demonstra sem maiores entraves.

No entanto, requer a defesa seja reconhecida, na espécie, a excludente da culpabilidade da coação moral irresistível, a que teria sido submetido o réu, pois teria sido obrigado a traficar sob a seguinte ameaça: "ou tá com nóis ou corre de nóis".

Nesse sentido, leciona BITENCOURT que:

"Coação irresistível, com idoneidade para afastar a culpabilidade, é a coação moral, a conhecida grave ameaça, uma vez que a coação física exclui a própria ação, não havendo, consequentemente, conduta típica. Coação irresistível é tudo o que pressiona a vontade impondo determinado comportamento, eliminando ou reduzindo o poder de escolha, consequentemente, trata-se da coação moral.

[...]

A irresistibilidade da coação deve ser medida pela gravidade do mal ameaçado, ou seja, dito graficamente, a ameaça tem de ser, necessariamente, grave.

[...]

Ameaças vagas e imprecisas não podem ser consideradas suficientemente graves para configurar coação irresistível e justificar a isenção de pena. Somente o mal efetivamente grave e iminente tem o condão de caracterizar a coação irresistível prevista pelo art. 22 do CP."1

Sobre o fato, relataram unissonamente os policiais que receberam denúncia anônima dando conta de que Igor estaria vendendo quantidade significativa de entorpecentes a mando de “Piercing”.

Realizado breve patrulhamento, os agentes visualizaram o acusado chegando em casa com uma mochila, ocasião em que realizaram a abordagem.

Na posse do réu foram apreendidos 09 (nove) tijolos de maconha, pesando aproximadamente 5.767g, 01 (um) tijolo de cocaína, pesando cerca de 1.037g, além de uma balança de precisão, um aparelho celular e R$ 4.194,00 em notas diversas.

O acusado, por sua vez, em juízo, afirmou ter sido ameaçado por um traficante da localidade onde residia para que guardasse a droga, além de ter recebido a quantia de R$ 500,00 reais para tanto (evento 148, SENT1).

Já na fase policial, o recorrente não invocou a ocorrência de qualquer ameaça prévia ou mesmo indicativo de promessa de mal futuro a que tivesse sido submetido, admitindo ter recebido uma contraprestação financeira para guardar a droga e que não era a primeira vez que fora contratado para tal atividade (fl. 29 evento 1, P_FLAGRANTE1).

Além das alegações do réu serem inverossímeis, não se vê, na espécie, prova da intimidação insuportável a ponto de caracterizar a inexigibilidade de conduta diversa e, consequentemente, ensejar a exclusão da culpabilidade.

Não há mínimos elementos que demonstrem a alegada coação, ônus que cabia ao acusado, nos termos do art. 156 do CPP, segundo o qual a prova da alegação incumbirá a quem a fizer. E de tal ônus o réu não se desincumbiu, limitando-se a meras e infundadas ilações.

Com efeito, embora tenha mencionado ameaças, o réu não indicou especificamente quem as teria feito ou mesmo no que consistiam, limitando-se a mencionar a alcunha de indivíduo conhecido apenas como Guga.

Sobre o tema, a jurisprudência desta Corte:

APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO DE DROGAS. INSURGÊNCIA MINISTERIAL E DEFENSIVA. SUFICIÊNCIA PROBATÓRIA. COAÇÃO MORAL IRRESISTÍVEL. CONDENAÇÃO MANTIDA. PENA READEQUADA. SUFICIÊNCIA PROBATÓRIA. [...] COAÇÃO MORAL IRRESISTÍVEL. Se configura a coação moral irresistível quando há emprego de grave ameaça para sujeitar o agente à prática do ilícito, ou seja, a vontade do coacto não é livre. In casu, não logrou o indigitado em demonstrar nenhum dos elementos antes descritos, estando isolados em sua alegação, na medida em que não se verificou qualquer outro indicativo desta possibilidade ao longo da instrução criminal. Mantida, portanto, a condenação pelo tráfico de drogas. [...] À UNANIMIDADE, DERAM PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO DEFENSIVO E NEGARAM PROVIMENTO AO APELO MINISTERIAL.(Apelação Criminal, Nº 50018459320218210063, Segunda Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Rosaura Marques Borba, Julgado em: 27-03-2023)

E, mais, ainda que ameaças existissem, tal questão poderia ter sido solvida com a comunicação da situação aos agentes da segurança pública, a fim de evitar eventual ataque à integridade física do réu ou a de seus familiares, o que não ocorreu por opção do ora recorrente.

Assim, é de ser afastada a alegação de coação moral irresistível.

2. PENA-BASE.

A defesa pretende, ainda, a redução da pena imposta.

Reproduzo, de início, a dosimetria da pena na forma como calculada na sentença recorrida:

"Pena-base

Vetores especiais e preponderantes (art. 42 da Lei nº 11.343/2006) – A quantidade da droga foi expressiva: 09 (nove) tijolos de maconha, pesando aproximadamente 5.767g (cinco mil e setecentos e sessenta e sete gramas), 01 (um) tijolo de cocaína, pesando cerca de 1.037g...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT