Acórdão nº 50016386820228210028 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Sétima Câmara Cível, 23-01-2023

Data de Julgamento23 Janeiro 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50016386820228210028
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoDécima Sétima Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003113602
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

17ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5001638-68.2022.8.21.0028/RS

TIPO DE AÇÃO: Cláusulas Abusivas

RELATOR: Desembargador PAULO SERGIO SCARPARO

APELANTE: SANDRA MARIA TORRES RODRIGUES (AUTOR)

APELANTE: PORTOCRED SA CREDITO FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO (RÉU)

APELADO: OS MESMOS

RELATÓRIO

De início, adoto o relatório da sentença (evento 23, DOC1):

SANDRA MARIA TORRES RODRIGUES propôs ação revisional de contrato bancário contra PORTOCRED SA CREDITO FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO. Alegou que ter firmado um contrato de empréstimo com o banco réu e discorreu sobre a abusividade da taxa de juros contratada e sobre a presença dos requisitos ensejadores da tutela antecipada. Postulou, liminarmente, a readequação das parcelas. Ao final, a procedência dos pedidos, com a declaração de abusividade e a revisão dos juros remuneratórios e a condenação da ré a repetir os valores pagos a maior. Requereu, ainda, a gratuidade judiciária.

Foram deferidas a gratuidade judiciária e a tutela antecipada.

Citada, a ré apresentou contestação. Discorreu sobre as peculiaridades do contrato de crédito consignado e sobre a inviabilidade de se adotar a taxa média de mercado divulgada pelo Bacen. Em preliminar, impugnou o cálculo apresentado pela autora e o valor atribuído à causa. Defendeu a impossibilidade de readequação dos descontos e a sua ilegitimidade passiva neste ponto, além da prescrição trienal do pedido de repetição de indébito. No mérito, defendeu a inexistência de abusividade no contrato, insurgindo-se contra a repetição de indébito pretendida. Em caso de eventual condenação, deve ser utilizada a taxa Selic. Postulou o acolhimento das preliminares ou a improcedência dos pedidos. Juntou documentos.

Acrescento que sobreveio julgamento do feito, nos seguintes termos:

Diante do reconhecimento da abusividade dos juros remuneratórios praticados nos contratos ainda vigentes, mantenho e torno definitiva a decisão proferida no evento 4, DESPADEC1.

Pelo exposto, JULGO PROCEDENTES os pedidos formulados pela parte autora para o fim de limitar os juros remuneratórios do contrato de empréstimo nº 3803026082 à taxa média de mercado à época da contratação (1,99% ao mês), de acordo com a taxa de juros estabelecida pelo Banco Central do Brasil na série 254671, bem como descaracterizar a mora da parte autora, condenando o réu à devolução dos valores cobrados em excesso, subtraindo-os, se for o caso, das parcelas vincendas, com a repetição simples do indébito caso exista crédito em favor da parte autora após a compensação dos valores. O valor deverá ser corrigido monetariamente pelo IGP-M a partir de cada desembolso e acrescido de juros de mora de 1% ao mês a contar da data da citação.

Outrossim, torno definitiva a tutela antecipada deferida no evento 4, DESPADEC1.

Condeno a ré, como sucumbente, a arcar com as custas processuais e honorários do advogado da parte adversa. Fixo honorários em R$1000,00 (um mil reais) para o procurador do requerente.

A parte ré opôs embargos de declaração (evento 27, DOC1), que foram desacolhidos (evento 29, DOC1).

Irresignadas, apelam ambas as partes.

Em se recurso de apelo (evento 32, DOC1), a autora afirma que não há créditos a compensar, alegando que foram pagos todos os débitos vencidos. Pede majoração da condenação honorária sucumbencial, a ser fixada sobre o proveito econômico obtido com esta demanda.

Por sua vez (evento 38, DOC1), a parte ré aduz a nulidade da sentença, que não teria analisado seus argumentos de defesa. Afirma ter havido cerceamento de defesa, por não oportunização de produção de provas. Suscita prescrição trienal da pretensão de repetição de indébito, carência da ação por suposta impossibilidade de revisão de contrato quitado. Questiona a possibilidade de revisão contratual em si. Suscita ilegitimidade passiva para a limitação dos descontos, referindo que o contrato é intermediado, e os descontos operacionalizados por meio de associações e sindicatos. No mérito, se insurge com a limitação dos juros remuneratórios. Afirma que não há divulgação da taxa média aplicável ao "produto contratado" pela parte autora. Tece considerações acerca dos empréstimos consignados em folha de pagamento de servidores e pensionistas do Estado do Rio Grande do Sul. Argumenta tratar-se de operação de risco, e que a consignação em folha de pagamento não configura garantia, mas mero meio de pagamento. Argumenta que seus clientes apresentam perfil de alto risco e que o custo operacional da PORTOCRED é mais elevado do que o das demais instituições financeiras. Questiona o cálculo do valor incontroverso da dívida apresentado pela parte autora. Caso mantida a sentença, requer seja determinado que os valores considerados como cobrados a maior pela Portocred sejam atualizados exclusivamente pela taxa SELIC.

Ambas as partes apresentaram contrarrazões (evento 41, DOC1 e evento 42, DOC1).

É o relatório.

VOTO

Analiso conjuntamente as apelações.

Da inocorrência de nulidade da sentença

No presente feito, a parte mutuária ajuizou ação de revisão de contrato bancário, pugnando por limitação dos juros remuneratórios e por repetição de valores cobrados indevidamente a título de juros abusivos.

O pedido e as causa de pedir foram analisados, afastando-se, de modo suficiente, ainda que sucinto, as teses defensivas da parte ré.

Outrossim, o presente feito versa matéria precipuamente de direito, sendo suficiente, para apreciação do pedido, os elementos coligidos aos autos. Cabia à parte ré juntar aos autos, com a contestação, eventual prova que entendesse necessária para contrapor os argumentos da demandante. De assinalar, ademais, que a parte ré afirma ter havido cerceamento de defesa, mas não individua qual prova pretendia produzir, nem o que pretendia demonstrar com tal prova.

Destarte, não há falar nem em ausência de fundamentação da sentença, nem em ausência de análise de todas as questões submetidas ao juizo, nem em cerceamento de defesa.

Da tese de impossibiliadade de revisão de "contrato quitado"

A tese soerguida pela parte ré em recurso de apelação, de que seria impossível revisar o presente contrato por suposta impossibilidade de revisão de contratos quitados encontra óbice no fato, noticiado na fl. 07 do recurso de apelação, de que o contrato não estaria quitado e, ademais, contaria com parcelas "em atraso".

Confira-se os termos do recurso de apelação apresentado pela parte ré:

Vai afastada, portanto, a preliminar proposta pela parte ré.

Da possibilidade de revisão dos contratos bancários

Como é sabido, a jurisprudência do STJ se posiciona firme no sentido que a revisão das cláusulas contratuais pelo Poder Judiciário é permitida, mormente diante dos princípios da boa-fé objetiva, da função social dos contratos e do dirigismo contratual, devendo ser mitigada a força exorbitante que se atribuía ao princípio do ‘pacta sunt servanda’ (AgRg no Ag 1383974/SC, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 13/12/2011, DJe 01/02/2012).

Por tal razão, não assiste razão à instituição financeira, quando sustenta a impossibilidade de revisão do contrato em tela.

Da prescrição

Quanto ao tema prescricional, o Egrégio Superior Tribunal de Justiça vem sedimentando o entendimento de que o prazo prescricional para as ações revisionais de contrato bancário, nas quais se pede o reconhecimento da existência de cláusulas contratuais abusivas e a consequente restituição das quantias pagas a maior, é vintenário (sob a égide do Código Civil de 1916) ou decenal (na vigência do novo Codex) pois fundadas em direito pessoal (AgRg no REsp 1057248/PR, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 26/04/2011, DJe 04/05/2011).

Nesse mesmo sentido:

CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO REVISIONAL CUMULADA COM REPETIÇÃO DE INDÉBITO. CONTRATO BANCÁRIO. PRESCRIÇÃO. DIREITO PESSOAL. VINTENÁRIA SOB A ÉGIDE DO CC/16. DECENAL A PARTIR DO INÍCIO DA VIGÊNCIA DO CC/02. HARMONIA ENTRE O ACÓRDÃO RECORRIDO E A JURISPRUDÊNCIA DO STJ. 1. O acórdão recorrido que adota a orientação firmada pela jurisprudência do STJ não merece reforma. 2. Agravo interno no agravo em recurso especial não provido. (AgInt no AREsp 889.930/MS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 12/12/2017, DJe 19/12/2017).

A repetição de indébito decorre da revisão contratual, de modo que sujeita-se ao mesmo prazo prescricional da pretensão principal.

Com efeito, a submissão das cláusulas de um contrato ao controle do Judiciário não consiste de simples pedido de ressarcimento por enriquecimento ilícito da parte adversa. A tutela ao equilíbrio das relações contratuais, de consumo ou não, é direito pessoal submetido ao prazo prescricional ordinário.

Quanto ao termo inicial da contagem do prazo prescricional da pretensão de revisão contratual/repetição dos valores, deve ser considerada a data de assinatura do contrato que, no caso, se deu em abril de 2017.

Destarte, não há falar em prescrição no presente processo, ajuizado em março de 2022.

Da tese de ilegitimidade passiva

É cediõ que apenas a instituição financeira – que efetivamente disponibilizou o crédito – poderá obstar ou reajustar os descontos em folha de pagamento, já que é o verdadeiro credor na relação contratual.

Assim, tem-se - ao contrário do ora defendido pela parte ré - o entendimento assentado nesta Câmara, de que as entidades que atuam como intermediadoras da negociação não são legítimas para figurar no polo passivo de ação voltada à limitação do desconto em folha de pagamento:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. AÇÃO DECLARATÓRIA E LIMITAÇÃO DE DESCONTO EM FOLHA DE PAGAMENTO. ILEGITIMIDADE PASSIVA DA COOPSERGS. PRECEDENTES...

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