Acórdão nº 50016463320198210066 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Quarta Câmara Criminal, 26-01-2023

Data de Julgamento26 Janeiro 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50016463320198210066
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoQuarta Câmara Criminal

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002944989
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

4ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Criminal Nº 5001646-33.2019.8.21.0066/RS

TIPO DE AÇÃO: Crimes do Sistema Nacional de Armas (Lei 9.437/97 e Lei 10.826/03)

RELATOR: Desembargador NEWTON BRASIL DE LEAO

APELANTE: MARCIANO ADROALDO CARVALHO (RÉU)

APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (AUTOR)

RELATÓRIO

1. O Ministério Público ofereceu denúncia em desfavor de MARCIANO ADROALDO CARVALHO dando-o como incurso nas sanções do artigo 121 § 2º, combinado com o artigo 14 inciso II, ambos do Código Penal, pela prática de fatos delituosos assim narrados:

"FATO DELITUOSO:

No dia 05 de fevereiro de 2019, por volta das 23h30min, na Rua Professora Anatercia Pereira, Centro, em Cambará do Sul/RS, MARCIANO ADROALDO CARVALHO, mediante disparo de arma de fogo, tentou matar a vítima SIZIANO JESUS DE OLIVEIRA conforme ocorrência policial nº 55/2019.

Na ocasião, o acusado estava em frente à residência da vítima proferindo ameaças por suspeitar do relacionamento desta com sua companheira, quando invadiu o pátio e com um chute abriu a porta de casa, instante em que se deparou com o ofendido de posse de uma espingarda de pressão.

Na sequência, saiu da residência e buscou uma espingarda em seu caminhão, tendo deferido um tiro em direção à vítima, conforme Auto de Constatação de Dano (fls. 86/89).

O crime ocorreu por motivo fútil, considerando que o acusado após ver as mensagens da vítima no celular da companheira "foi acertar contas com ele".

O delito somente não se consumou por circunstâncias alheias à vontade do agente, uma vez que o acusado, por erro de pontaria, não conseguiu atingir a vítima, bem como foi preso pela Brigada Militar."

A denúncia foi recebida pelo Juízo singular em 21.02.2019 (fls. 17/18 do evento 3, PROCJUDIC3).

Após regular tramitação do feito sobreveio sentença desclassificando o delito capitulado na inicial acusatória, e condenando MARCIANO ADROALDO CARVALHO como incurso nas sanções do artigo 15 caput da Lei nº 10.826/06, às penas de 02 anos de reclusão, no regime aberto, substituida, e de 10 dias-multa (fls. 27/31 do evento 3, PROCJUDIC5).

A publicação da sentença não foi registrada nos autos, sendo considerado como tal ato o primeiro movimento cartorário subsequente à sua prolação, que foi a expedição do mandado de intimação ocorrida em 11.08.2021 (fl. 32 do evento 3, PROCJUDIC5).

Inconformado, Marciano apelou.

Nas razões, Marciano pugna por absolvição, alegando legítima defesa. Subsidiariamente, pelo oferecimento do acordo de não persecução penal (fls. 43/49 do evento 3, PROCJUDIC5).

O recurso foi contra-arrazoado (fls. 50 do evento 3, PROCJUDIC5 e fls. 01/23 do evento 3, PROCJUDIC6).

Em parecer apresentado nesta Instância, o Dr. Procurador de Justiça se manifestou pelo improvimento do apelo (evento 7, PROMOÇÃO1).

Esta Câmara adotou o sistema informatizado, tendo sido atendido o disposto no artigo 613, inciso I, do Código de Processo Penal.

É o relatório.

VOTO

2. O argumento de legitima defesa putativa não vinga.

A materialidade do delito veio demonstrada pela ocorrência policial das fls. 06/09, auto de apreensão das fls. 10/11, auto de prisão em flagrante das fls. 15/16, auto de constatação preliminar de funcionalidade de arma de fogo da fl. 27 (evento 3, PROCJUDIC1), bem como pela prova oral produzida, cuja síntese da análise adoto do decidir combatido, in verbis:

"Em relação à autoria, o réu MARCIANO ADROALDO CARVALHO alegou ter efetuado os disparos sem a intenção de matar. Declarou que a esposa de Siziano havia lhe informado que o ofendido e a então esposa do declarante, Rosimeri, possuíam um relacionamento. Marciano exigiu que Siziano se afastasse. Em outro momento, flagrou Rosimeri trocando mensagens com o ofendido, o que lhe instigou a se deslocar à residência de Siziano. O depoente chutou a porta e entrou na residência. Em resposta, o ofendido o esperou portando uma espingarda e ameaçou deferir-lhe tiros. Marciano se deslocou até seu automóvel, tendo encontrado o policial militar Goulart neste ínterim, e pegou sua arma, desferindo um disparo em direção à residência de Siziano. O acusado alegou que possuía os artifícios necessários para matar Siziano caso esta fosse sua verdadeira sua intenção.

A vítima Siziano Jesus de Oliveira afirmou que o acusado invadiu a sua casa armado, quebrando a porta. Buscou sua espingarda de pressão, como tentativa de intimidar seu ofensor. Marciano saiu da casa e desferiu um tiro, a uma distância de dez metros, que passou a cerca de um metro e meio do ofendido e sua filha. Siziano alegou que é incerto se o réu o viu dentro da casa, em primeiro momento, pois encontrava-se no escuro. Declarou acreditar que o acusado não tinha como intuito acertar-lhe fatalmente, por serem conhecidos de longa data. O ofendido chamou a Brigada Militar que apaziguou a situação e efetuou a prisão de Marciano. Atualmente, mantém relacionamento estável com Rosimeri, alegando que o vínculo afetivo começou cerca de quinze dias após o delito, sendo inexistente até então.

A testemunha e comunicante Jean Diego Rodrigues Goulart, policial militar, estava de folga no dia do delito quando recebeu uma ligação telefônica de Siziano. Deslocou-se até o local dos fatos, desarmado, em uma tentativa de apaziguar a situação, que não aparentava ser muito gravosa. Declarou que os envolvidos discutiam, ambos no exterior da residência do ofendido, após o acusado ter aberto à força a porta do local. Siziano entrou na moradia e retornou portando uma espingarda. Não era possível determinar se era de pressão ou de fogo. O depoente narrou que apenas após estes acontecimentos o réu procurou sua própria arma e efetuou o disparo de um único tiro. O declarante acalmou o acusado, convencendo-o a devolver a arma ao seu veículo. Argumentou que caso o réu possuísse intenção de matar o ofendido, este teria se aproximado da residência e efetuado o disparo com maior precisão.

Rosimeri de Fatima Maganini Andreatta, ex-esposa do acusado, em juízo declarou que estavam em processo de separação na época do delito, por motivos divergentes à causa dos fatos, já que seu relacionamento com Siziano iniciou-se após os acontecimentos descritos. A depoente alegou estar em sua própria residência na data e hora dos acontecimentos e que, de forma falha, tentou convencer Marciano a não se deslocar até a moradia de Siziano. Rosimeri esclareceu que, em momento algum, o acusado expôs sua intenção de matar ou mesmo agredir o ofendido. O réu não possuía comportamento agressivo.

O policial militar Rilquer Borba Ramos afirmou que não presenciou o fato e que chegou ao local quando a situação estava controlada pelo Sd. Goulart. Declarou que havia munições intactas no veículo de Marciano e que não vislumbrou uma tentativa de homicídio por parte do acusado, uma vez que as partes estavam apenas exaltadas no momento.”

Analisando as provas dos autos, entendo que o conjunto probatório é suficiente para juízo de procedência. As testemunhas Jean Diego e Rosimeri foram uníssonas ao afirmarem que o réu efetuou os disparos com arma de fogo no dia dos fatos. Ademais, o próprio réu confessou em seu depoimento que realizou os disparos, porém sem a intenção de matar.

Não há que se falar em legítima defesa, bem como em legítima defesa putativa, vez que, no presente caso, a situação de risco alegada pelo apelante restou isolada nos autos, não tendo ele produzido nenhuma prova nesse sentido. Ainda, ausente a relação de proporcionalidade entre uma futura possível agressão e a conduta de Marciano, que realizou disparo de arma de fogo em local habitado, não caracterizando, assim, a excludente de ilicitude supracitada.

Outrossim, por mais que a situação do estado – e do País –, em questão de segurança pública, esteja calamitosa, não é permitido ao cidadão se armar, contrariando a previsão da lei.

Ainda, para a configuração de legítima defesa é necessária que a situação de perigo esteja, de fato, ocorrendo, ou seja, que caracterize situação presente de perigo concreto, não se admitindo a exclusão da ilicitude quando verificado um perigo iminente, futuro.

Conforme o depoimento do réu e das testemunhas, o Marciano invadiu, armado, a residência do ofendido Siziano, quebrando a sua porta da frente, o qual pegou uma espingarda de pressão na tentativa de intimadá-lo. O réu, por sua vez, saiu da residência e, já no lado externo, perto de seu automóvel, realizou um disparo com a arma de fogo em diretação a residência. Ou seja, no momento em que realizou o disparo, o réu não estava em situação que caraterizaria legitima defesa putativa.

Assim, praticou...

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