Acórdão nº 50016476420208210007 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Sexta Câmara Cível, 26-05-2022

Data de Julgamento26 Maio 2022
ÓrgãoSexta Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50016476420208210007
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002000807
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

6ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5001647-64.2020.8.21.0007/RS

TIPO DE AÇÃO: Indenização por dano material

RELATOR: Desembargador NIWTON CAES DA SILVA

APELANTE: ELIAS SALATTI (AUTOR)

APELADO: COMPANHIA ESTADUAL DE DISTRIBUIÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA - CEEE-D (RÉU)

RELATÓRIO

ELIAS SALATTI ajuizou ação de indenização por danos materiais em face de COMPANHIA ESTADUAL DE DISTRIBUIÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA - CEEE-D, alegando ser produtor rural de fumo e que utiliza estufa(s) elétrica(s) para secagem de sua produção. Mencionou que no dia 16/12/2019, no horário das 11:00 horas, até as 10:30 horas do dia 17/12/2019, o fornecimento de energia elétrica foi interrompido pela ré, o que lhe causou prejuízos pela perda total ou parcial da qualidade do produto em secagem, atestada por laudo e quantificado no montante de R$ 11.557,50 (...). Assim, requereu a condenação da ré ao ressarcimento do prejuízo.

Sobreveio sentença de improcedência da ação, condenando a parte autora ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios aos patronos da parte ré, os quais foram fixados em 10% do valor atualizado da causa, forte no art. 85, § 2º, I ao IV, do Código de Processo Civil, suspensa a exigibilidade dos ônus sucumbenciais, tendo em vista que a parte autora litiga ao abrigo da gratuidade da justiça, na forma do art. 98 do Código de Processo Civil (evento 49).

A parte autora apelou no evento 53. Aduziu ser aplicável o CDC, sustentando que não exerce atividade negocial, tampouco industrial, mas sim atividade agrícola de produção de fumo em regime de agricultura familiar, sendo a unidade consumidora pequena propriedade rural, portanto, aplicável às normas do Código de Defesa do Consumidor. Colacionou julgados sobre a matéria. Discorreu sobre a falha na prestação de serviço pela ré, defendendo que deve a falhaser classificada como fato do serviço. Dissertou acerca da aplicabilidade das normas do CDC em razão da sua vulnerabilidade frente a concessionária recorrida. Sustentou ser indevida a sua penalização pela má prestação de serviço da ré, não sendo cabível o argumento de que ele deve estar precavido para a interrupção no fornecimento de energia elétrica por ser fato notório e de conhecimento de todos as constantes interrupções no fornecimento de energia elétrica. Mencionou o caráter essencialíssimo do serviço de fornecimento de energia elétrica. Ao final, pediu pelo provimento do recurso, com a procedência dos pedidos e redimensionamento dos ônus sucumbenciais.

A parte ré apresentou contrarrazões (evento 58).

Os autos vieram conclusos em 04/04/2022.

É o relatório.

VOTO

Eminentes Colegas. Trata-se, consoante sumário relatório, de ação de indenização por danos materiais decorrente da interrupção no fornecimento de energia elétrica na propriedade do autor, a qual teria causado a perda da qualidade do fumo que estava em processo de secagem em estufa, julgada improcedente na origem.

Preenchidos os pressupostos de admissibilidade recursal, conheço do recurso de apelação.

Inicialmente, mister destacar que a responsabilidade da empresa ré, na condição de concessionária de energia elétrica e prestadora de um serviço público, é objetiva, nos termos do artigo 37, § 6º, da Constituição Federal, respondendo pelos danos que seus agentes derem causa, seja por ação, seja por omissão, cabendo à parte contrária a prova dos fatos, o nexo de causalidade e o dano.

Nesse sentido, precedentes jurisprudenciais do egrégio Superior Tribunal de Justiça e desta Corte Estadual, in verbis:

PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE REPARAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E COMPENSAÇÃO POR DANOS MORAIS PROPOSTA POR FAMÍLIA DE VÍTIMA DE ACIDENTE FATAL. CONCESSIONÁRIA DE ENERGIA ELÉTRICA. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA.

(...)

3. Mesmo antes da entrada em vigor do Código Civil de 2002, já se reconhecia a responsabilidade objetiva da empresa concessionária de energia elétrica, em virtude do risco da atividade, com fundamento no art. 37, §6º, da CF/88.

4. O risco da atividade de fornecimento de energia elétrica é altíssimo sendo necessária a manutenção e fiscalização rotineira das instalações. Reconhecida, portanto, a responsabilidade objetiva e o dever de indenizar.

(...)

9. Recurso especial conhecido em parte e, nessa parte, provido.

(REsp 1095575/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 20/10/2011, DJe 03/11/2011)

AGRAVO INTERNO. APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. DANOS MATERIAIS DECORRENTES DE SUSPENSÃO NO FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA. PERDA DA QUALIDADE DE FUMO POSTO PARA SECAGEM. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. CONCESSIONÁRIA DE ENERGIA ELÉTRICA. 1. A ré, na condição de pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviço público de fornecimento de energia elétrica, tem os limites de sua responsabilidade civil estabelecidos no artigo 37, § 6°, da Constituição Federal. Trata-se, pois, de responsabilidade objetiva, cujos elementos a serem examinados são a efetiva ocorrência dos fatos, o nexo de causalidade e o dano. 2. A interrupção no fornecimento de energia elétrica ocorreu em 29.02.2012, às 08:30, regularizando-se a situação em 02.03.2012 às 12:30. A má-prestação do serviço de fornecimento de energia elétrica é fato incontroverso, uma vez que a própria requerida não nega tal fato, sendo estes verificados pelos documentos que acostou aos autos. Limita-se, entretanto, a requerer a exclusão de sua responsabilidade sob a tese de culpa da vítima, o que não é o caso dos autos. 3. A declaração da Sig Levantamentos é prova suficiente de que o demandante sofreu perda da qualidade do fumo posto para secagem, em razão da falta de energia elétrica, e que, por tal motivo, teve prejuízos financeiros. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO. UNÂNIME. (Agravo Nº 70056598444, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Iris Helena Medeiros Nogueira, Julgado em 09/10/2013)

APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. JULGAMENTO COM FUNDAMENTO NO ART. 557, CAPUT, CPC. FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA. INTERRUPÇÃO. FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. CURA DO FUMO. DANOS MATERIAIS. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. ONUS PROBANDI DA FORNECEDORA DO SERVIÇO. É objetiva a responsabilidade civil da fornecedora de energia elétrica, tanto pelas disposições do Código de Defesa do Consumidor (art. 14, caput, CDC), quanto por força da Constituição Federal (art. 37, § 6º, CF). Não restaram comprovadas quaisquer das excludentes previstas no art. 14 do CDC, ônus que incumbia à ré. Condenação de ressarcimento dos prejuízos na cura do fumo mantida. Obrigação de ressarcimento os danos materiais suportados pelo consumidor. Precedentes do TJRS. RECURSO MANIFESTAMENTE IMPROCEDENTE. SEGUIMENTO NEGADO. (Apelação Cível Nº 70056595317, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Tasso Caubi Soares Delabary, Julgado em 07/10/2013)

Por outro lado, a concessionária de energia elétrica, por se tratar de responsabilidade civil objetiva, ou seja, sem discussão a respeito de culpa, apenas se exime do dever de indenizar os prejuízos suportados pelos consumidores quando comprovar a inexistência de deficiência no fornecimento de energia ou algumas das excludentes do dever de indenizar (culpa exclusiva do consumidor, caso fortuito ou força maior), tendo em vista ser obrigada a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e contínuos, sob pena de ter de reparar os danos causados, nos termos do artigo 22 do Código de Defesa do Consumidor, sic:

Art. 22 - Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos.

Parágrafo único. Nos casos de descumprimento, total ou parcial, das obrigações referidas neste artigo, serão as pessoas jurídicas compelidas a cumpri-las e a reparar os danos causados, na forma prevista neste código.

In casu, o conjunto fático-probatório colacionado aos autos comprovou o dano material suportado pelo autor conforme os laudos de vistorias elaborados por profissional habilitado e fotografias acostados com a petição inicial (evento 01 doc 05(, desincumbindo-se o requerente do ônus que lhe recaia, conforme o disposto no artigo 373, inc. I, da legislação processual.

Nesse torvelinho, sinalo que, consoante entendimento já manifestado por este Tribunal de Justiça, o laudo firmado por profissional agrícola, inclusive com registro no Conselho Regional de Engenharia e Agricultura, é prova suficiente dos danos sofridos, não havendo razão para que não lhe empreste crédito e verossimilhança, inexistindo qualquer comprovação por parte da demandada de que seja parcial ou suspeito.

Reforça-se que o laudo apresentado é suficiente para comprovar o prejuízo material suportado pelo autor, pois indica a quantidade e o valor do fumo perdido, assim como as especificações das classes dos produtos que sofreram deterioração.

Não obstante os termos do laudo elaborado pela Dupont Assessoria e Consultoria Ambiental (evento 6 doc 2), contratada pela parte ré, este não evidenciou qualquer argumento técnico capaz de refutar as conclusões apresentadas no laudo juntado aos autos pela parte autora, que foi produzido por profissional habilitado para o encargo.

Ademais, ainda que houvesse dúvida quanto ao alcance dos danos, considerando os laudos elaborados, esta deveria ser dirimida em favor do consumidor hipossuficiente, pois, em se tratando de bem perecível, não seria possível a desconstituição da sentença para a determinação da realização de prova pericial judicial.

Este colendo Tribunal de Justiça se posiciona neste sentido, ipsis litteris:

APELAÇÕES CÍVEIS....

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