Acórdão nº 50016515120198210132 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Terceira Câmara Cível, 31-03-2022

Data de Julgamento31 Março 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50016515120198210132
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoDécima Terceira Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001782187
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

13ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5001651-51.2019.8.21.0132/RS

TIPO DE AÇÃO: Alienação fiduciária

RELATORA: Desembargadora ANGELA TEREZINHA DE OLIVEIRA BRITO

APELANTE: VALMIR DE OLIVEIRA FERNANDES (AUTOR)

APELANTE: BV FINANCEIRA SA CREDITO FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO (RÉU)

APELADO: OS MESMOS

RELATÓRIO

VALMIR DE OLIVEIRA FERNANDES e BV FINANCEIRA SA CREDITO FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO interpuseram recursos de apelação contra sentença proferida nos autos da ação revisional, que julgou o pedido do consumidor nos seguintes termos (evento 84):

III – DO DISPOSITIVO:

Diante do exposto, com base no art. 487, inc. I, do CPC, julgo PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos formulados por VALMIR DE OLIVEIRA FERNANDES contra BV FINANCEIRA SA CREDITO FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO para os efeitos de:

a) LIMITAR a taxa de juros moratórios do período de inadimplência incidente nas Cédulas de Crédito Bancário nº 371459840 e 371461886 à taxa de 1% ao mês; e

b) DETERMINAR a restituição dos valores pagos a maior de forma simples, por meio de compensação com valores devidos pela parte autora, e, em havendo saldo em favor do consumidor, determinar a correção monetária pelo IGP-M a contar do desembolso mais juros moratórios de 1% ao mês a contar da citação, mantidas as demais disposições contratuais.

Considerando a sucumbência recíproca, condeno ambas as partes ao pagamento das custas/despesas processuais e honorários advocatícios ao procurador da parte adversa, os quais fixo em R$ 500,00 para cada parte, considerando a natureza da causa e o tempo de tramitação da demanda, forte no artigo 85, §§ 2º e 8º, do CPC, vedada a compensação. Em relação a parte autora, resta suspensa a exigibilidade em razão da gratuidade da justiça anteriormente concedida, evento 03.

Em suas razões recursais o consumidor alegou a existência de cláusulas abusivas no contrato firmado e requereu a revisão contratual com fundamento nas regras previstas no Código de Defesa do Consumidor. Postulou a redução dos juros remuneratórios de acordo com a taxa média de mercado, a descaracterização da mora, a exclusão dos valores cobrados pelas tarifas bancárias (TAC, TEC, entre outras), a exclusão da cobrança da tarifa de cadastro, o reconhecimento da nulidade da contratação do seguro do financiamento, o reconhecimento da nulidade da cláusula que prevê o ressarcimento com as despesas extrajudiciais, a compensação e a repetição de indébito em dobro e o deferimento da tutela provisória de urgência para ser mantido na posse do bem, depositar os valores entendidos como devidos e não ter seu nome inscrito nos órgãos restritivos ao crédito. Requereu, por fim, a condenação do apelado ao pagamento integral dos ônus sucumbenciais e a majoração do valor fixado para os honorários advocatícios. Pugnou pelo provimento do apelo nos termos requeridos.

A instituição financeira, por sua vez, alegou o descabimento da pretensão revisional com base no Código de Defesa do Consumidor. Preliminarmente, sustentou que a sentença é extra petita, tendo em vista que na petição inicial não constou pedido expresso de redução de juros moratórios. Alegou que a cédula de crédito bancário é regido por legislação específica e que não incide a limitação dos juros moratórios do enunciado da Súmula 379 do STJ. Requereu a manutenção do índice dos juros moratórios pactuados e, na eventual hipótese de condenação a devolução/repetição, os valores devem ser corrigidos única e exclusivamente pela taxa Selic. Requereu a reforma da sentença para julgar improcedente o pedido revisional. Pugnou pelo provimento do apelo.

A instituição financeira apresentou contrarrazões (evento 95).

O consumidor não apresentou contrarrazões ao recurso.

Vieram os autos a este Tribunal.

É o relatório.

VOTO

Trata-se de recurso onde se discute a validade das cláusulas e dos encargos incidentes nos seguintes contratos de outorga de crédito garantidos com cláusula de alienação fiduciária (contrato de cédula de crédito bancário).

Contrato nº 371461886 foi firmado em 01/08/2019, no valor de R$ 12.793,51, onde se verifica que as partes ajustaram a incidência da taxa de juros remuneratórios de 2,27% ao mês e de 30,84% ao ano sobre o valor financiado (evento 4 - CONTR2).

Contrato nº 371459840 foi firmado em 27/07/2019, no valor de R$ 24.497,99, onde se verifica que as partes ajustaram a incidência da taxa de juros remuneratórios de 2,46% ao mês e de 33,84% ao ano sobre o valor financiado (evento 19 - CONTR2).

QUESTÃO PRELIMINAR

DISPOSIÇÃO DE OFÍCIO. DECISÃO EXTRA PETITA. IMPOSSIBILIDADE.

A instituição financeira alegou, preliminarmente, que o autor não requereu a revisão contratual do índice de juros moratórios e, portanto, a alteração ocorrida na sentença foi de ofício, o que é vedado pelo ordenamento jurídico que rege a matéria.

Pois bem.

Ao julgador, ao prolatar a sentença, deve enfrentar os pedidos formulados pelo autor nos exatos limites em que propostos, sendo-lhe vedado julgar além do pedido, aquém do pedido ou fora do daquilo que foi postulado na inicial.

A par disso, o enunciado da Súmula 381 do Superior Tribunal de Justiça dispõe que Nos contratos bancários, é vedado ao julgador conhecer, de ofício, da abusividade das cláusulas.

Da leitura da petição inicial se observa que efetivamente não há pedido expresso para revisão do índice dos juros moratórios contratados, sendo que as referencias genéricas quanto ao ponto se restringem a alegação de impossibilidade de cobrança cumulada da comissão de permanência com os demais encargos da mora.

Assim, trata-se de decisão extra petita, devendo ser reformada a parte que ultrapassou a postulação do autor, ante o respeito ao princípio da adstrição do juiz ao pedido.

Destarte, acolho o pedido do Banco para decotar da sentença o enfrentamento e a revisão contratual refente ao índice de juros moratórios.

Feitas essas considerações preliminares, passo ao exame das demais matérias:

APLICAÇÃO DAS REGRAS DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR ÀS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS E POSSIBILIDADE DO PEDIDO DE REVISÃO CONTRATUAL.

É inegável tratarem-se as relações contratuais entabuladas entre as pessoas tomadoras de crédito e as instituições financeiras, de relações de consumo.

“Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.

(...);.

§ 2° Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista”.

Conforme lição de Adalberto Pasqualotto, “dentre os serviços de consumo, o parágrafo 2º do artigo 3º inclui expressamente os de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária. A oposição destes setores econômicos ao dispositivo é manifesta. Embora o dinheiro, em si mesmo, não seja objeto de consumo, ao funcionar como elemento de troca, a moeda adquire a natureza de bem de consumo. As operações de crédito ao consumidor são negócios de consumo por conexão, compreendendo-se nessa classificação todos os meios de pagamento em que ocorre diferimento da prestação monetária, como cartões de crédito e cheques” (citado por CELSO MARCELO DE OLIVEIRA, in Alienação Fiduciária em Garantia, 2003, Ed. LZN, p. 215).

Essa compreensão foi referendada pelo Superior Tribunal de Justiça por meio da Súmula nº 297 (datada de 09/09/2004), cujo enunciado segue transcrito:

“O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras”.

Uma vez que não se discute que as instituições financeiras estão sujeitas as regras previstas no Código de Defesa do Consumidor, cabe avaliar a possibilidade do pedido de revisão dos termos da avença, se ilegais ou abusivas as condições contratadas, conforme argumentos apresentados pelo consumidor.

O art. 6º, inciso V, do Código de Defesa do Consumidor arrola, como direitos básicos do consumidor, duas possibilidades de ingerência judicial sobre os termos da avença, o de modificar as cláusulas contratuais que estabeleçam prestações originariamente desproporcionais e o de revisar o contrato em razão de onerosidade excessiva, por fato superveniente.

“Art. 6º São direitos básicos do consumidor:

(...);

V - a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas; ”

No caso em testilha, tendo como base as razões do consumidor, se está diante da primeira hipótese, ou seja, de pedido de modificação em razão de alegada abusividade contemporânea à contratação.

Ainda nesse sentido, destacam-se os arts. 39, inciso V e 51, inciso IV, ambos do Código de Defesa do Consumidor:

“Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas:

(...);

V - exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva”;

“Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:

(...);

IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade; ”

Portanto, considerando o contexto narrado e a legislação aplicável, se constata que na modalidade contratual firmada entre as partes incidem as regras do Código de Defesa do Consumidor e, por conseguinte, é admissível o pedido do consumidor de revisão das cláusulas entendidas como abusivas, de acordo com o art. 6º, inciso V, do CDC.

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