Acórdão nº 50016534220208210049 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Sexta Câmara Cível, 24-02-2022

Data de Julgamento24 Fevereiro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50016534220208210049
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoSexta Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001453337
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

6ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5001653-42.2020.8.21.0049/RS

TIPO DE AÇÃO: DPVAT - Danos Pessoais Causados por Veículos Automotores de Vias Terrestres

RELATOR: Desembargador NIWTON CAES DA SILVA

APELANTE: SEGURADORA LIDER DO CONSORCIO DO SEGURO DPVAT SA (RÉU)

APELADO: MARILENE CARDOZO (AUTOR)

RELATÓRIO

MARILENE CARDOZO ajuizou ação de cobrança em face de SEGURADORA LÍDER DO CONSÓRCIO DO SEGURO DPVAT S.A., informando ter sido vítima de acidente de trânsito, ocorrido em 08/04/2018, do qual sofreu lesões corporais de caráter permanente no membro superior esquerdo. Manifestou que, embora tenha efetuado o pedido administrativo, não recebeu nenhum valor indenizatório a título de Seguro Obrigatório DPVAT. Sustentou ter direito à diferença de indenização conforme a graduação da lesão no valor de R$ 9.450,00 (...). Pleiteou, assim, pela procedência do pedido, com a condenação da parte ré ao pagamento da indenização do seguro.

Sobreveio sentença de parcial procedência da ação, para o fim de condenar a requerida ao pagamento da indenização no valor de R$ 1.687,50 (...), om incidência de juros de mora de 1% ao mês, sem capitalização, a contar da citação e correção monetária pelo IGP-M/FGV a contar do evento danoso/sinistro. Diante da sucumbência recíproca, a autora ficou condenado a arcar com o pagamento de 75% das custas processuais, enquanto que a seguradora requerida, com 25%. Os honorários advocatícios foram arbitrados em 10% do proveito econômico obtido em favor de cada parte (sobre o valor da condenação para a parte autora e sobre o valor do decaimento do pedido em favor da ré), nos termos do artigo 85, §2º, do CPC, ficando vedada compensação e ficando suspensa a exigibilidade dos ônus da sucumbência da parte autora, por litigar sob o pálio do benefício da justiça gratuita (evento 44).

A parte ré interpôs apelação. Em suas razões, dissertou sobre a autora se tratar de proprietária inadimplente na ocasião do acidente, o que faz com que seja ausente a cobertura do Seguro DPVAT, conforme fundamento dos artigos 757 e 763 do Código Civil. Defendeu a inaplicabilidade da Súmula 257 do STJ. Ao final, também discorreu sobre o termo inicial da correção monetária do valor condenatório, sustentando que deveria incidir a partir da data do ajuizamento da ação, e não da data do sinistro. Requereu o provimento do recurso, com a improcedência da demanda (evento 50).

A parte autora apresentou contrarrazões no evento 53.

Os autos vieram-me conclusos em 30/11/2021.

É o relatório.

VOTO

Eminentes Colegas. Trata-se, consoante sumário relatório, de ação de cobrança relativa à indenização do seguro obrigatório previsto na Lei nº 6.194/74 (DPVAT), com acréscimos na Lei nº 11.945/2009, julgada parcialmente procedente na origem.

Preenchidos os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso de apelação.

A parte ré, ora apelante, defende a ausência de cobertura do seguro DPVAT no caso em apreço, em razão de a autora, também proprietário do veículo, encontrar-se com o seguro obrigatório em atraso na ocasião do acidente.

De acordo com o art. 3º da Lei 6.194/74 é devida a indenização decorrente de acidente de trânsito que tenha acarretado a morte e a invalidez permanente da vítima, bem como a indenização por despesas médicas e hospitalares decorrente do sinistro, in verbis:

Art. 3o Os danos pessoais cobertos pelo seguro estabelecido no art.

§2o desta Lei compreendem as indenizações por morte, por invalidez permanente, total ou parcial, e por despesas de assistência médica e suplementares, nos valores e conforme as regras que se seguem, por pessoa vitimada:

A lei de regência, no art.7º, caput, por sua vez, garante o adimplemento da indenização por pessoa vitimada, ainda que o seguro não tenha sido realizado ou esteja vencido. Em complemento, destarte, o §1º do mesmo dispositivo legal, assegura ao consórcio adimplente da indenização, o direito de regresso contra o proprietário do veículo "...os valores que desembolsar, ficando o veículo, desde logo, como garantia da obrigação..."

Diz, textualmente, o pergaminho legal, in verbis:

Art. 7º A indenização por pessoa vitimada por veículo não identificado, com seguradora não identificada, seguro não realizado ou vencido, será paga nos mesmos valores, condições e prazos dos demais casos por um consórcio constituído, obrigatoriamente, por todas as sociedades seguradoras que operem no seguro objeto desta lei. (Redação dada pela Lei nº 8.441, de 1992)

§ 1º O consórcio de que trata este artigo poderá haver regressivamente do proprietário do veículo os valores que desembolsar, ficando o veículo, desde logo, como garantia da obrigação, ainda que vinculada a contrato de alienação fiduciária, reserva de domínio, leasing ou qualquer outro. (grifei)

A seguradora argumenta, em suas razões, que o pagamento da indenização securitária em favor do requerente, proprietário do veículo, não é cabível, em razão da ausência de pagamento do valor prêmio, e que por tais razões, na condição de devedor, não teria direito à indenização, pois estaria "descoberto" pelo seguro impago.

A questão exposta no caso telado exige dupla consideração.

A primeira consideração diz respeito ao inadimplemento do prêmio obrigatório por parte do proprietário que é a fonte geradora do seguro DPVAT, questionando-se se tal situação garante à vítima do acidente a indenização social e obrigatória decorrente. A segunda, muito particular ao caso concreto, é o de que a vítima/beneficiário é o próprio proprietário do veículo sinistrado, inadimplente com o prêmio do seguro.

O primeiro caso é de fácil solução. A falta de pagamento do prêmio do seguro obrigatório por parte do proprietário do veículo acidentado, não pode prejudicar a vítima do acidente, pois é justamente esse o caráter social do seguro obrigatório. Não teria sentido deixar a descoberto a vítima do acidente pelo inadimplemento do proprietário.

Destarte, o entendimento jurisprudencial e doutrinário orienta-se pela aplicação da legislação supra, bem como da Súmula 257 do egrégio STJ, uma vez que a norma dispõe que a falta do pagamento do prêmio não é motivo para recusa do pagamento da indenização, in litteris:

Súmula 257: A falta de pagamento do prêmio do seguro obrigatório de Danos Pessoais Causados por Veículos Automotores de Vias Terrestres (DPVAT) não é motivo para a recusa do pagamento da indenização.

Nesse mesmo sentido, colaciono julgados deste egrégio TJ/RS sic:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE COBRANÇA. SEGUROS. DVAT. Desnecessidade de pagamento do prêmio para recebimento da indenização. Súmula 257 do STJ. Correção Monetária da data do sinistro. Honorários sucumbenciais encontram-se em consonância com os valores usualmente fixados em demandas análogas no âmbito deste Tribunal. Sentença mantida. NEGARAM PROVIMENTO AO APELO. UNÂNIME. (Apelação Cível Nº 70075441584, Sexta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luís Augusto Coelho Braga, Julgado em 22/02/2018)

Apelação cível. Seguros. Ação de cobrança. DPVAT. Súmula 257 do STJ. A falta de pagamento do prêmio do seguro obrigatório de Danos Pessoais Causados por Veículos Automotores de Vias Terrestres (DPVAT) não é motivo para a recusa do pagamento da indenização. Correção monetária. Termo inicial de incidência inalterado. Apelo não provido. (Apelação Cível Nº 70075677880, Sexta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ney Wiedemann Neto, Julgado em 23/11/2017)

Claro está, pois, para confirmar a tese, que por conta da aplicação do enunciado cristalizado na Súmula n.257 do egrégio STJ, a vítima do acidente e/ou passageiro acidentado tem pleno direito à indenização securitária do DPVAT mesmo que o proprietário do veículo esteja, na ocasião do acidente, inadimplente do pagamento do seguro obrigatório. Essa garantia assistencial está assegurada por força de lei e ratificada no enunciado sumular da Corte Especial.

Ademais, da leitura da súmula resta claro que a norma é ampla e geral, a fim de beneficiar, sem distinção, todos os vitimados e beneficiários do seguro obrigatório, vítimas de acidente de trânsito. Mas será que o proprietário inadimplente do seguro obrigatório, também vítima do acidente, contra quem é garantido o direito de regresso ut §1º do art.7º, supratranscrito, pelo que for pago, tem o mesmo direito à indenização social do seguro DPVAT?

Esse é o objeto da segunda consideração, ou seja, o direito de o proprietário inadimplente ser beneficiado com o seguro obrigatório - DPVAT - mesmo estando inadimplente.

No entendimento do subscritor, conferir direito indenizatório ao proprietário inadimplente do seguro obrigatório, por ter sido vítima do acidente, me parece, data vênia gritante contradição, pois frustraria todo sistema securitário, ainda que se confira caráter assistencial e social ao seguro DPVAT. De fácil imaginação que potencializando essa premissa, da mais valia do inadimplemento da obrigação legal, em pouco tempo não haveria fluxo de caixa para cobrir ditas indenizações, justamente porque o inadimplemento foi banalizado e tolerado. Se os proprietários de veículos deixarem de recolher o prêmio obrigatório, a fonte seca e, malgrado, sem fonte de custeio, não tem indenização, salvo se jogar integralmente na conta do erário.

Contudo, a orientação cristalizada na jurisprudência do egrégio STJ é a de não importância do adimplemento ou inadimplemento por parte do proprietário para o acionamento e cobertura securitária do seguro DPVAT, ainda que a vítima seja o próprio proprietário inadimplente.

A jurisprudência do egrégio STJ nesse sentido é também indiscutível e monolítica, sic:

SEGURO OBRIGATÓRIO. LEI Nº 6.194/74, COM A REDAÇÃO DA LEI...

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