Acórdão nº 50016756320158210021 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Sétima Câmara Cível, 27-01-2022

Data de Julgamento27 Janeiro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50016756320158210021
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001631666
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

17ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5001675-63.2015.8.21.0021/RS

TIPO DE AÇÃO: Telefonia

RELATOR: Desembargador GIOVANNI CONTI

APELANTE: NILVI ROYER RODRIGUES (AUTOR)

APELADO: BRT SERVICOS DE INTERNET S/A (RÉU)

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de apelação cível interposto por NILVI ROYER RODRIGUES, contrário à sentença que julgou improcedente a ação de consumo cumulada com indenização por danos morais que move em desfavor de BRT SERVICOS DE INTERNET S/A.

A fim de evitar tautologia adoto o relatório da sentença:

"RELATÓRIO

NILVI ROYER RODRIGUES ajuizou a presente “ação de consumo” em face de BRT SERVICOS DE INTERNET S/A. Narrou que contratou serviços da ré e, ao tentar cancelá-los, dentro do prazo de 7 dias, não obteve êxito. Mencionou protocolos de atendimentos. Sustentou a prática de venda casada. Realizou considerações acerca do Código de Defesa do Consumidor. Discorreu sobre o Regulamento do Serviço de Comunicação Multimídia. Pugnou pela indenização, bem como a repetição do indébito. Pediu para que as cobranças sejam consideradas indevidas. Pediu a condenação da ré à repetição do indébito e ao pagamento de indenização por danos morais. Requereu AJG. Juntou documentos (doc. 2 do ev. 3).

Deferida a AJG (doc. 3 do ev. 3).

Devidamente citada, a demandada apresentou contestação. Preliminarmente, alegou a ausência de interesse processual. E, suscitou a prescrição trienal e a decadência, como prejudiciais. No mérito, sustentou a regularidade das cobranças. Alegou a inaplicabilidade do artigo 42 do CDC. Impugnou o pleito autoral de indenização por danos morais. Defendeu a impossibilidade de inversão do ônus da prova. Pediu a improcedência da ação. Juntou documentos (docs. 5, 6, 7 e 8 do ev. 3).

Houve réplica (doc. 9 do ev. 3).

Suspenso o processo para tentativa de conciliação extrajudicial. A parte autora manifestou-se (doc. 10 do ev. 3).

Intimadas acerca da dilação probatória (doc. 12 do ev. 3), requereram o prosseguimento do feito.

Vieram os autos conclusos para sentença."

E o dispositivo sentencial assim decidiu o feito:

"DISPOSITIVO

Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTE o pedido ajuizado por NILVI ROYER RODRIGUES em face de BRT SERVICOS DE INTERNET S/A. CONDENO a parte autora a pagar as custas processuais e honorários advocatícios ao patrono da parte ré, que fixo em R$ 700,00. Suspensa a exigibilidade em razão do deferimento da gratuidade judiciária à parte autora.

Publique-se. Intimem-se."

Em suas razões recursais, a requerente alegou ter procedido na contratação do serviço de internet, todavia, alega ter entrado em contato com a ré, em menos de sete dias, para realizar o cancelamento do serviço. Acostou números de protocolos para comprovar sua tese. Requereu a devolução em dobro dos valores cobrados indevidamente a este título, assim como a aplicação do prazo prescricional decenal na espécie. Sustentou que tentou resolver a questão administrativamente, através dos serviços de call center e portal "Solução Direta Consumidor", não obtendo êxito. Disse que a situação que ultrapassou o mero dissabor, pleiteando a condenação da apelada ao pagamento de indenização por dano moral de no mínimo R$ 10.000,00 (dez mil reais). Colacionou julgados. Por fim, pugnou pelo provimento do recurso.

Intimada, a parte contrária apresentou contrarrazões.

Vieram os autos conclusos para julgamento.

É o relatório.

VOTO

Eminentes Colegas.

Conheço do recurso porquanto preenchidos os pressupostos de admissibilidade.

Inicialmente, destaco que o caso em tela deve ser apreciado pela égide do Código de Defesa do Consumidor, sendo imprescindível que se afirme a aplicação da Constituição Federal de 1988, do Código de Proteção e Defesa do Consumidor (Lei 8078/90) e, subsidiariamente, dos instrumentos do Código de Processo Civil. Todos estes diplomas legais aplicados em conjunto traçam o mapeamento jurídico pelo qual se deve vislumbrar a questão jurídica trazida para análise.

Restam caracterizados os conceitos de consumidor e fornecedor nos exatos termos dos arts. e da Lei 8078/90, hipótese em que todo o seu sistema principiológico e todas as questões que permeiam a demanda, sob sua ótica devem ser tratados.

A Constituição Federal traçou o alicerce do sistema protetivo ao consumidor considerado tanto em sua forma individual como coletiva. Por isso, em seu art. 170, inciso V, considerou a relação jurídica de consumo protegida com um dos princípios básicos da ordem econômica, elemento estrutural fundante de todas as normas e de toda a relação de consumo.

Por isso que este dispositivo também deve ser lido em consonância com o que dispõe o art. 1º, inciso III, da CRFB/88, quando afirmar que a dignidade da pessoa humana é elemento informador de toda base constitucional para um Estado que se diz Democrático de Direito. Há uma sintonia entre as normas da Constituição, devendo o intérprete buscar a força normativa destes Princípios que se espelham e intercalam para todo o sistema de proteção do consumidor, devendo ser concretizados através do Princípio da Proporcionalidade e da Máxima Efetividade.

Ora, tomando apenas por base a Lei 8078/90, é imprescindível que se reconheça a vulnerabilidade do consumidor. A vulnerabilidade está sempre presente na relação de consumo, como elemento básico e não se confunde com a hipossuficiência (outra questão jurídica).

Cumpre, então, destacar e enfocar Princípio da Vulnerabilidade1, nesse sentido:

“É um conceito que expressa relação, somente podendo existir tal qualidade se ocorrer a atuação de alguma coisa sobre algo ou sobre alguém. Também evidencia a qualidade daquele que foi ferido, ofendido, melindrado por causa de alguma atuação de quem possui potência suficiente para tanto. Vulnerabilidade é, então, “o princípio pelo qual o sistema jurídico positivado brasileiro reconhece a qualidade daquele ou daqueles sujeitos de que venham a ser ofendidos ou feridos, na sua incolumidade física ou psíquica, bem como no âmbito econômico, por parte do sujeito mais potente da mesma relação. O princípio da vulnerabilidade decorre diretamente do princípio da igualdade, com vistas ao estabelecimento de liberdade, considerado, na forma já comentada no item específico sobre este último princípio, que somente pode ser reconhecido igual alguém que não está subjugado por outrem."2

Os consumidores, considerados em sua forma individual ou metaindividual (direitos individuais homogêneos, coletivo strito sensu e difusos), são os vulneráveis desta relação jurídica, a parte mais fraca e que, na maioria das vezes, sofre reflexos lesivos no desenvolvimento das atividades mais comuns e, diria, indispensáveis da vida na moderna sociedade de consumo.

Ressalte-se, em tempo, que a Lei 8078/90 é de interesse público e social, sendo as suas disposições fundamentais não apenas para o crescimento da economia, mas para que haja o devido respeito ao consumidor. Por isso, a política das relações de consumo deve ter como norte as determinações do art. 4º, incisos I, II, VI, VII, VIII, que tratam exatamente da vulnerabilidade, da ação governamental de proteção ao consumidor, do Princípio da Repressão Eficiente aos Abusos, racionalização e melhoria dos serviços públicos e estudo constante das modificações de mercado. Mais que isso, devem ser respeitados os direitos básicos do consumidor, contidos no art. 6º, com especial atenção aos incisos V, VII, VIII, X.

Sendo que nas práticas comerciais e nos contratos, deve haver a harmonia das relações de consumo - que também é um princípio básico – nas quais se deve sempre buscar o Equilíbrio Contratual e os Fins Sociais dos Contratos, como bem demonstram as disposições do art. 39, incisos, V, X e art. 51, incisos IV, XXIII, XV e parágrafo 1º, incisos I, II e III.

Pois bem.

No presente caso, sobreveio sentença de improcedência dos pedidos formulados na inicial.

Todavia, compulsando os autos, verifico que melhor sorte socorre à parte autora.

Isto porque, em havendo alegação de que a mesma entrou em contato com a ré para proceder no cancelamento do serviço de internet dentro do prazo de sete dias, e havendo a inversão do ônus da prova no presente caso, já que se trata de flagrante relação de consumo, cabia à demandada comprovar que a parte autora assim não procedeu.

Entretanto, a requerida limitou-se a afirmar que o serviço fora contratado, deixando de fazer prova nos autos acerca de eventaul extemporaneidade do cancelamento do serviço pela parte requerente, ou de qualquer outro fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito autoral, nos termos do art, 373, II, do CPC.

Ademais, a requerida sequer adentrou em sua contestação na questão do arrependimento da parte autora, bem como deixou de impugnar os protocolos de reclamação por ela realizados e informados nos autos.

Assim, a ausência de qualquer justificativa, pela demandada, para o não cancelamento dos serviços questionados por conta de suposta fidelização da contratação, implica a devolução em dobro das quantias cobradas.

À vista disso, mostra-se evidente a prática comercial abusiva (art. 39, inciso VI, do CDC), devendo tal cobrança de serviços ser rechaçada pelo Poder Judiciário, penalizando a fornecedora infratora com a sanção adequada para o caso concreto, ou seja, a devolução em dobro dos valores pagos pelo consumidor, de forma indevida, nos termos do disposto no artigo 42, § único do CDC [4].

Entendo ser devida a restituição dos valores cobrados durante todo o período reclamado, respeitada a prescrição decenal, sob pena de ensejar o locupletamento ilícito da ré.

Logo, merece reforma a sentença no ponto em que declarou a inexistência do débito em relação aos serviços não contratados, à luz do art. 42, parágrafo único, do CDC.

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