Acórdão nº 50016813720218210061 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Vigésima Segunda Câmara Cível, 07-12-2022

Data de Julgamento07 Dezembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação / Remessa Necessária
Número do processo50016813720218210061
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoVigésima Segunda Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003041974
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

22ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação/Remessa Necessária Nº 5001681-37.2021.8.21.0061/RS

TIPO DE AÇÃO: Fiscalização

RELATORA: Desembargadora MARILENE BONZANINI

APELANTE: MUNICÍPIO DE QUARAÍ (IMPETRADO)

APELADO: SINDICATO DO COMERCIO VAREGISTA DE QUARAI (IMPETRANTE)

RELATÓRIO

Vistos.

Adoto o relatório do parecer ministerial, in verbis:

"Trata-se de remessa necessária de sentença (evento 37) que concedeu a segurança, em mandado de segurança impetrado pelo SINDICATO DO COMÉRCIO VAREJISTA DE QUARAÍ contra ato do PREFEITO MUNICIPAL DE QUARAÍ.

Em sua inicial, o impetrante informa que o ato coator está consubstanciado na Lei Municipal nº 3.842/21, que proibiu as empresas representadas de abrir aos domingos e feriados. Sustenta que o Código de Posturas do Município regulamentou, nos arts. 146 e 148, a abertura dos estabelecimentos comerciais no Município de Quaraí. Sustenta que, na forma do art. 146, parágrafo único, em conjunto com o art. 148, as empresas que tenham firmado acordo pelos sindicatos da categoria, ou aquelas enumeradas no art. 148, estavam autorizadas a funcionar aos domingos. No entanto, com a edição da norma, o referido o artigo teria elencado os estabelecimentos que podem abrir aos domingos, independente da regra contida no parágrafo único do art. 146. Em razão disso, a regra aplicável, que vigora há anos, sem discussão no Município, autoriza o funcionamento em domingos, desde que haja acordo coletivo entre os sindicatos. Todavia, a autoridade coatora, fazendo leitura equivocada dos efeitos da Lei nº 3.842/21, em resposta a consulta realizada pelo impetrante, sustenta que o comércio varejista não poderá funcionar aos domingos, conforme parecer elaborado pela Procuradoria do Município, e aprovado pelo Prefeito Municipal. Traz à colação a regra do art. 611-A, da CLT, segundo a qual “a convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho tem prevalência sobre a Lei”. Entende, portanto, flagrantemente ilegal a postura da autoridade coatora, ao tentar impedir o funcionamento do comércio varejista no Município de Quaraí, aos domingos. Tece considerações, ainda, à Lei Federal nº 13.874/19, que instituiu a Declaração de Direitos de Liberdade Econômica, referindo que o Município deve, obrigatoriamente, observar as disposições contidas na legislação federal, sob pena de violar direito líquido e certo dos estabelecimentos comerciais. Aduz, ainda, que o ato coator extrapola a competência legislativa definida no artigo 30, I, da Constituição Federal, pois se trata de matéria de competência privativa da União, mormente considerando que o ente federal disciplinou o trabalho em domingos e feriados. Assim, requereu a concessão da segurança (INIC1 do evento 01). A liminar foi deferida (evento 08).

Devidamente notificada, foram prestadas as informações pela autoridade coatora (evento 24).

Sobreveio sentença, julgando procedente a ação mandamental.

Sem recurso voluntário, vieram os autos para reexame necessário."

O Ministério Público opinou pela confirmação da sentença (processo 5001681-37.2021.8.21.0061/TJRS, evento 10, PARECER1).

Os autos foram remetidos a este Tribunal, vindo conclusos.

É o relatório.

VOTO

Eminentes Colegas!

Trata-se de remessa necessária de sentença (evento 37, DESPADEC1) que concedeu a segurança, em mandado de segurança impetrado pelo SINDICATO DO COMÉRCIO VAREJISTA DE QUARAÍ contra ato do PREFEITO MUNICIPAL DE QUARAÍ, nos seguintes termos:

"A partir da leitura do artigo 146, § único, em conjunto com o artigo 148, todas as empresas alcançadas por acordo firmado pelos sindicatos da categoria ou aquelas enumeradas no artigo 148 estavam autorizadas a funcionar aos domingos.

Contudo, em 13 de outubro de 2021, foi promulgada a Lei Municipal n° 3.842 que deu nova redação ao art. 148 do Código de Postura. O art. 148 não listava as empresas varejistas como autorizadas a funcionar em domingos e feriados e a nova redação também não as inclui.

Segundo o parecer da Procuradoria do Município, aprovado pelo Prefeito Municipal (doc. 5), houve a revogação tácita do artigo 146, § único do Código de Postura. Logo, no entendimento do Município, todos os estabelecimentos não elencados no inciso I, da atual redação do art. 148, caso abrirem suas portas no próximo domingo, dia 31/10/2021 serão multados no valor de 100 (cem) a 5.000 (cinco mil) Unidades de Referência Municipal – URMs (equivalente a R$ 26.000,00).

Dai a impetração deste writ. De plano verifico a necessidade de conceder a liminar. Vejamos.

A Lei Municipal 3.842/2021 que introduziu nova redação ao art. 148, do Código de Postura do Município, segundo entendimento da Procuradoria do Município, por restringir o funcionamento das empresas, violou direito líquido e certo dos estabelecimentos comerciais.

A Lei Federal nº 13.874 instituiu a Declaração de Direitos de Liberdade Econômica, estabelecendo normas de proteção à livre iniciativa e ao livre exercício de atividade econômica e disposições sobre a atuação do Estado como agente normativo e regulador, com o intuito de regulamentar a ação estatal a luz do princípio estatuído no parágrafo único do art. 170 da Constituição Federal.

Ademais, é patente que a vedação ao funcionamento do comércio local aos domingos e feridos, prevista na Lei Municipal 3.842/2021 é inconstitucional, por violar a competência privativa da União para legislar sobre matéria trabalhista, consoante dispõe o inciso I do artigo 22 da Constituição da República.

Sobre o tema, colaciono os seguintes julgados do Tribunal de Justiça:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. MUNICÍPIO DE BAGÉ. ARTIGO 1º DA LEI MUNICIPAL N.º 5.540/2015. PROIBIÇÃO DE FUNCIONAMENTO DE SUPERMERCADOS E HIPERMERCADOS NOS DOMINGOS E FERIADOS. OFENSA AOS ARTIGOS 8º, "CAPUT", 19, "CAPUT", 157, INCISOS I, II E V, E 176, INCISOS I E XI, DA CONSTITUIÇÃO ESTADUAL, COMBINADOS COM OS ARTIGOS 5º, "CAPUT", E 170 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. JULGARAM PROCEDENTE A AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. UNÂNIME (Ação Direta de Inconstitucionalidade Nº 70067056069, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Alexandre Mussoi Moreira, Julgado em 16/05/2016).

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI MUNICIPAL Nº 4.421/2014. VEDAÇÃO DO FUNCIONAMENTO DE MERCADOS E HIPERMERCADOS AOS DOMINGOS. VÍCIO DE INICIATIVA. AFRONTA AOS ARTIGOS 8º, 19, 157, I E II E 176, I E XI, DA CONSTITUIÇÃO ESTADUAL. Os municípios não têm competência para vedar o funcionamento do comércio aos domingos ou qualquer outro dia da semana, mas apenas para legislar sobre o horário de funcionamento dos estabelecimentos comerciais, conforme, inclusive, disposto na Súmula nº 419 do STF. Inconstitucionalidade da parte final do art. 1º da Lei 4.421/14, de Uruguaiana, que proíbe o funcionamento dos supermercados e hipermercados em alguns domingos do mês. Violação do artigo 8º, artigo 19, artigo 157, incisos I e II, e artigo 176, incisos I e XI, da Constituição Estadual. Precedentes.

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE JULGADA PROCEDENTE. UNÂNIME. (Ação Direta de Inconstitucionalidade Nº ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL MINISTÉRIO PÚBLICO PROCURADORIA-GERAL DE JUSTIÇA 70062815675, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marcelo Bandeira Pereira, Julgado em 13/07/2015)

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI N. 1.172/2001 DO MUNICÍPIO DE ALVORADA. FUNCIONAMENTO DO COMÉRCIO AOS DOMINGOS E FERIADOS CONDICIONADO À PRÉVIA CONVENÇÃO COLETIVA. INCONSTITUCIONALIDADE DECLARADA. 1. Preliminar rejeitada. Representação processual regularizada no prazo ofertado para tal. 2. Não obstante o disposto no art. 13, II, da Constituição Estadual, afigura-se inconstitucional a norma impugnada, por dispor a respeito de direito do trabalho, notadamente na parte em que criou a obrigatoriedade de convenção coletiva para trabalho aos domingos e feriados no Município de Alvorada. 3. Inconstitucionalidade também verificada em relação aos arts. , 19, 157, I e II, e 176, I e XI, da Constituição Estadual, por impor injustificada restrição ao comércio, ofendendo os princípios da promoção do bem-estar social do homem como fim essencial da produção e do desenvolvimento econômico e da valorização econômica do trabalho e do trabalhador. AÇÃO JULGADA PROCEDENTE. UNÂNIME. (Ação Direta de Inconstitucionalidade Nº 70058025842, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Isabel Dias Almeida, Julgado em 27/10/2014)

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI N° 3.201/02 DO MUNICÍPIO DE PALMEIRA DAS MISSÕES. PROIBIÇÃO DE FUNCIONAMENTO DO COMÉRCIO AOS SÁBADOS À TARDE (DURANTE JANEIRO E FEVEREIRO), DOMINGOS E FERIADOS. Inconstitucionalidade material de lei do Município de Palmeira das Missões, que proíbe a abertura dos estabelecimentos comerciais aos sábados (durante o período compreendido entre janeiro e fevereiro), domingos e feriados. Violação do artigo 8º, artigo 19, artigo 157, incisos I e II, e artigo 176, incisos I e XI, da Constituição Estadual. Precedentes jurisprudenciais do Órgão Especial deste Tribunal de Justiça. JULGARAM PROCEDENTE, POR MAIORIA. (Ação Direta de Inconstitucionalidade Nº 70058018672, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Rui Portanova, Julgado em 23/06/2014).

CONSTITUCIONAL. LEI MUNICIPAL Nº 2.229/01. MUNICÍPIO DE ROSÁRIO DO SUL. FIXAÇÃO DE DIAS E HORÁRIO DE FUNCIONAMENTO DO COMÉRCIO LOCAL. INCONSTITUCIONALIDADE SUBSTANCIAL. A configuração da constitucionalidade formal de Lei Municipal, por força de seu ajustamento ao artigo 13, II, da Carta Estadual, não embaraça a que se reconheça a inconstitucionalidade substancial, ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL MINISTÉRIO PÚBLICO PROCURADORIA-GERAL DE JUSTIÇA decorrente da ofensa aos artigos 8º, 19, 157, I e II, e 176, I e XI, entre outros dispositivos...

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