Acórdão nº 50016853220188210109 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Quarta Câmara Criminal, 10-11-2022

Data de Julgamento10 Novembro 2022
ÓrgãoQuarta Câmara Criminal
Classe processualApelação
Número do processo50016853220188210109
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002923058
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

4ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Criminal Nº 5001685-32.2018.8.21.0109/RS

TIPO DE AÇÃO: Crimes do Sistema Nacional de Armas (Lei 9.437/97 e Lei 10.826/03)

RELATOR: Desembargador JULIO CESAR FINGER

APELANTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

APELADO: SEGREDO DE JUSTIÇA

RELATÓRIO

Nos autos da ação penal nº 109/2.18.0002147-3, oriunda da Comarca de Marau/RS, posteriormente digitalizada e cadastrada no sistema eproc sob o nº 5001685-32.2018.8.21.0109:

O Ministério Público denunciou VALDERI SILVA DOS SANTOS, já qualificado, por incurso nas sanções do art. 16, caput e §1º, IV, da Lei 10.826/03, em vista da prática do seguinte fato:

No dia 12 de setembro de 2018, por volta das 20 horas, na Av. Júlio Borella, saída para Laranjeira, no Município de Marau/RS, o denunciado VALDERI SILVA DOS SANTOS portava e transportava, em via pública, um revólver, calibre .38, infratambor 3221, com numeração suprimida, marca Taurus, municiado com 06 (seis) cartuchos intactos de igual calibre, arma de fogo e munição de uso proibido ou restrito, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar (Ocorrência n. 3475/2018 das fls. 04/06 do IP).

Na ocasião, o denunciado conduzia o automóvel GM/Vectra GLS, cor cinza, placas CCJ-0717, sem possui carteira nacional de habilitação, pela via pública supracitada, quando foi abordado por uma guarnição da Brigada Militar que realizava fiscalização de rotina. Em seguida, os policiais militares realizaram revista no interior do veículo acima referido, momento em que encontraram, no interior do porta-luvas do automóvel, a arma de fogo e a munição supracitada, consoante Auto de Apreensão da fl. 07 e Certidão da fl. 29 do IP.

O denunciado foi preso em flagrante, consoante Auto de Prisão m Flagrante das fls. 02/23 do IP.

O denunciado não tinha registro nem porte para possuir o revólver e as munições apreendidas, tendo agido, portanto, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar, no caso, o Estatuto do Desarmamento.

O revólver apreendido foi submetido à perícia, que atestou a potencialidade lesiva (Auto de Exame de Eficácia em Arma de Fogo provisório da fl. 10 do IP).

O denunciado é reincidente específico (Certidão Judicial Criminal de fls., processo n. 109/2.12.0001956-7).

A denúncia foi recebida em 13/05/2019 (fl. 24).

Após regular instrução do feito, sobreveio sentença (fls. 33/47), publicada em 16/07/2021 (fl. 49), que julgou procedente a ação penal, para condenar o réu como incurso nas sanções do art. 16, § 1º, IV, da Lei 10.826/03, à pena de 03 anos de reclusão, no regime inicial semiaberto, e pagamento de 10 dias-multa, no valor unitário mínimo legal.

A defesa apelou (fl. 02) e, nas razões (fls. 20/29), postula a absolvição por atipicidade da conduta, arguindo a ausência de perigo concreto de lesão ao bem juridicamente tutelado, bem como argui a incidência do estado de necessidade/legítima defesa. Alternativamente, pugna pela desclassificação do delito para aquele previsto no art. 14 da Lei 10.826/03, uma vez que a arma de fogo apreendida é de calibre permitido. Subsidiariamente, requer a readequação da pena.

Apresentadas contrarrazões pelo Ministério Público (fls. 30/32).

Remetidos os autos a esta Corte para julgamento.

A Procuradoria de Justiça lançou parecer, opinando pelo improvimento do recurso.

É o relatório.

VOTO

I. Admissibilidade

O recurso preencheu os requisitos para a admissibilidade, pelo que vai conhecido.

II. Mérito

O réu foi condenado nas sanções do crime previsto no artigo 16, §1º, inciso IV, da Lei n.º 10.826/03, à pena de 03 anos de reclusão, em regime inicial semiaberto, e ao pagamento de 10 dias-multa, à razão unitária mínima.

Delitos dessa natureza prescindem da demonstração do risco de dano. As Cortes Superiores, sobretudo o STF, guardião da Constituição Federal, afirmam não haver inconstitucionalidade na definição de crimes de perigo abstrato, tendo sido reconhecida, inclusive, a adequação da Lei nº 10.826/03 ao ordenamento pátrio por meio da ADI 3112/DF1. Nesse sentido, paradigmático precedente daquele Tribunal (HC 104410/RS – Min. Gilmar Mendes – Segunda Turma – Julgamento 06/03/2012). É prescindível, na hipótese, a demonstração de perigo de dano2. Também é o entendimento do STJ3. Por conta disso, inclusive, levando-se em conta o bem jurídico tutelado (incolumidade pública4), inexiste violação ao princípio da lesividade, matéria pacificada junto à 3ª Seção do STJ5, pouco importando, também para o STF6, se a arma estava desmuniciada ou desmontada.

Conforme a jurisprudência das Cortes Superiores também é desnecessária a perícia da arma7 ou a comprovação da sua lesividade no crime em tela8.

Não obstante, a eficácia do revólver foi atestada pelo laudo pericial nº 165248/2018, consignando que testando a arma com cartuchos de calibre compatível, incluindo os questionados, obtivemos a produção de tiros, concluindo que a mesma se encontra em condições de uso e funcionamento.

Não há falar, assim, em atipicidade por ausência de ofensividade na conduta.

Quanto ao mais, o recurso não devolveu a esta Câmara a rediscussão dos fatos apontados na denúncia, razão por que, de acordo com entendimento jurisprudencial corrente, não se revela necessário dito enfrentamento. É o que vem defendendo, por exemplo, o Superior Tribunal de Justiça, ao destacar que O efeito devolutivo do recurso de apelação criminal encontra limites nas razões expostas pelo recorrente, em respeito ao princípio da dialeticidade que rege os recursos no âmbito processual penal pátrio, por meio do qual se permite o exercício do contraditório pela parte que defende os interesses adversos, garantindo-se, assim, o respeito à cláusula constitucional do devido processo legal. (HC 490.237/SC, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 21/03/2019, DJe 28/03/2019).

De qualquer modo, destaco que a materialidade está comprovada pela comunicação de ocorrência (fls. 10/12), pelo auto de apreensão (fl. 13), pelo auto de exame de eficiência de arma de fogo (fl. 16), pelos laudos periciais nº 165248/2018 (fls. 13/14) e nº 178911/2018 (fls. 17/18), bem como pela prova oral colhida nos autos, que também dá conta da autoria e foi devidamente sintetizada na sentença, conforme se transcreve:

PAULO HENRIQUE ARAÚJO, policial militar lotado na Brigada Militar de Marau/RS, informou que estavam em operação, fazendo barreira policial na cidade, quando abordaram o réu e, em revista ao veículo por ele conduzido, encontraram um revólver dento do porta-luvas. Não conhecia o acusado. Não recorda o modelo do automóvel, em virtude do lapso temporal transcorrido entre a data do fato e a da audiência. Esclareceu que a fiscalização policial ocorreu na saída para a Comunidade de Laranjeira, no final da Avenida Júlio Borella. Confirmou que houve apreensão da arma e que o acusado, o qual estava sozinho no veículo, foi encaminhado à Delegacia de Polícia. Reiterou que a arma de fogo foi encontrada durante a revista. Não recorda se o réu apresentou justificativa para o porte do armamento. Quanto ao trajeto efetuado pelo denunciado, referiu que se dirigia do interior à cidade. Relatou, ainda, que a estrada de saída à Comunidade de Laranjeira é, geralmente, utilizada por indivíduos que cometem crimes para sair ou chegar ao Município. Não conhecia o réu, nem sabe informar onde reside.

OSMAR ANDRE QUEIROS TEIXEIRA, policial militar, confirmou ter participado da ocorrência. Relatou que, na data do fato, estavam efetuando barreira policial na entrada da cidade e, por isso, foi abordado o veículo do acusado. Não soube identificar o automóvel. Ressaltou que foi o responsável pela busca no interior do veículo, momento em que localizou o revólver, guardado no porta-luvas. Ao que lembra, foi lavrado flagrante. Acredita que, em outra oportunidade, já havia realizado apreensão de arma com o denunciado. Disse que, de acordo com o réu, o porte do armamento se dava com a finalidade de defesa pessoal. Quanto à procedência do objeto, disse que nada foi comentado. O denunciado estava sozinho no automóvel. Esclareceu que, no que atine à primeira ocorrência envolvendo o réu, a abordagem deu-se próximo à propriedade rural onde ele trabalhava. Naquele dia, a guarnição efetuava diligências referentes a roubo de veículo ocorrido na cidade, bem móvel que foi localizado perto do lugar onde estava o denunciado, o qual efetuou, inclusive, um disparo. Acredita que o lugar da primeira abordagem é distante, aproximadamente, 2 quilômetros do local da segunda apreensão.

FABRÍCIO PERIN DAL AGNOL informou que é empregador do réu, há 15 anos, e que o trabalho é desempenhado em uma propriedade rural, localizada entre as Localidades de Arroio Sesteada (via Laranjeira) e São José dos Ricci. Entre o imóvel e local da abordagem policial (CTG/saída da Avenida Júlio Borella) tem-se uma distância aproximada de 2 quilômetros. Não sabia que o denunciado portava arma de fogo, nem visualizou ele armado dentro da propriedade rural. Confirmou que o acusado já foi abordado pela Polícia Militar portando armamento, fato que ocorreu nos fundos do imóvel. Naquela ocasião, também desconhecia a existência da arma de fogo. Informou que tentou comprar arma de fogo registrada para o réu, pois é ele quem cuida do imóvel, sem êxito. Desconhece outro fato que desabone a conduta do acusado. Esclareceu que o denunciado sempre laborou na propriedade rural, possui vínculo empregatício e reside no local, com a família. Referiu ter sido surpreendido pela prisão do réu. Acredita, ainda, que não foi comunicado acerca da existência da arma de fogo, porque sempre falou que não queria, na propriedade, armamento sem o devido registro. Por último, confirmou que a estrada onde...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT