Acórdão nº 50016889620198210029 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Nona Câmara Cível, 08-04-2022

Data de Julgamento08 Abril 2022
ÓrgãoDécima Nona Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50016889620198210029
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002013004
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

19ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5001688-96.2019.8.21.0029/RS

TIPO DE AÇÃO: Servidão

RELATORA: Desembargadora MYLENE MARIA MICHEL

APELANTE: ANGELA MARIA KRUEL (AUTOR)

APELADO: ROSANE DEKEPPER (RÉU)

APELADO: VILMAR CAMPOS DA SILVA (RÉU)

RELATÓRIO

Trata-se de Apelação Cível interposta por ANGELA MARIA KRUEL contra sentença de improcedência proferida nos autos da Ação de Obrigação de Fazer que propôs em face de ROSANE DEKEPPER e VILMAR CAMPOS DA SILVA.

Eis o dispositivo da sentença (evento 38 da origem):

"PELO EXPOSTO, julgo improcedente o pedido (art. 487, I, do CPC).

Arcará a autora com as custas processuais e com honorários advocatícios às procuradoras dos réus, que fixo em 10% sobre o valor atualizado da causa, em atenção às diretrizes do § 2º do art. 85 do CPC, ressalvada a suspensão quinquenal decorrente da justiça gratuita.

Publicada e registrada eletronicamente, intimem-se.

Oportunamente, arquive-se."

Em suas razões recursais (evento 53 da origem), a parte apelante sustenta, em síntese, que os apelados obstruíram servidão de passagem que utiliza há 27 anos para acessar o imóvel de sua propriedade com a colocação de um portão que permanece trancado/chaveado. Afirma que utiliza a referida servidão de passagem para ter acesso à garagem do seu imóvel, de modo que os apelados devem ser instados judicialmente a retirarem o referido portão. Argumenta que o pedido formulado na petição inicial é claro, não havendo questionamento sobre a existência da servidão de passagem. Refere que, de acordo com o art. 336 do CPC, cabia aos apelados impugnarem especificamente os fatos suscitados na petição inicial, mas que se limitaram a sustentar a inexistência de prova cabal que corroborasse a suposta utilização da servidão pela apelante. Afirma exercer posse sobre a referida servidão há mais de 27 anos, sendo de rigor a reforma da sentença de improcedência visando à manutenção da ordem social. Cita precedentes jurisprudenciais desta relatora. Por fim, aponta a necessidade de prequestionamento da súmula 415 do STF, do art. 5º, XV, da CF/88 e do art. 927, V, do CPC. Requer o provimento do recurso.

Regularmente intimados, os apelados apresentaram contrarrazões (evento 57) afirmando que o recurso ofende o princípio da dialeticidade recursal, na medida em que não impugna aos fundamento da sentença, mas se limita a reeditar os fatos e argumentos constantes da petição inicial. Quanto ao mérito, sustentam que o proprietário do prédio dominante pode fazer as obras necessárias à sua conservação e uso, razão pela qual não há ilegalidade na colocação de portão sobre a servidão de passagem. Esclarecem que o referido portão não obstaculiza o acesso pela apelante, tratando-se de mecanismo visando à segurança de todos aqueles que se utilizam da servidão, inclusive a apelante. Argumentam que "a servidão restou instituída para servir de acesso aos lotes 73 e 72 que pertencem aos recorridos, tratando-se de servidão titulada e não de servidão aparente. Portanto, compete aos recorridos a gerência e conservação do uso da servidão sendo que a colocação de um portão para auferir segurança na passagem é um direito que compete aos recorridos". Nesse contexto, defendem que a presente demanda constitui mero capricho da apelada, na medida em que o portão foi instalado na servidão de passagem para conferir segurança ao local, não havendo provas de que o acesso à mesma tenha sido obstaculizado pelos apelados. Além disso, pondera que "o Lote pertencente à recorrente possui acesso à via pública principal ou seja, possui frente para a Rua Jocundo Suliman sendo que mesmo na eventualidade do alegado portão restar fechado, o que o faz por argumentar, em nenhum momento estaria sendo obstaculizado acesso da Recorrente ao uso e disposição de seu imóvel". Requerem o desprovimento do recurso.

Remetidos os autos a esta Egrégia Corte, o recurso foi distribuído.

Vieram conclusos para julgamento.

É o relatório.

VOTO

Eminentes Colegas.

Conheço do recurso, porquanto preenchidos os requisitos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade aplicáveis à espécie.

Cuida-se de Ação de Obrigação de Fazer proposta pela apelante em face dos apelados.

Em linhas gerias, a apelante narrou que há mais de 25 anos reside no lote 32 e os apelados nos lotes 72 e 73. Relatou que entre os imóveis há uma servidão de passagem instituída há mais de 25 anos que garante acesso à rua Jocundo Sulimann.

No entanto, asseverou que os apelados instalaram um portão na referida servidão de passagem. Argumentou que "não haveria problema algum se o portão fosse colocado no limite dos lotes 73 e 72, mas como acaba modificando sua entrada, a requerente não concorda, não quer o portão limitando a sua passagem".

Por essa razão, requereu a condenação dos apelados a retirarem o indigitado portão da servidão de passagem.

Citados, os apelados apresentaram contestação (evento 14 da origem) defendendo a legalidade da colocação do portão e que o imóvel da apelante possui frente para a Rua Jocundo Suliman, não se tratando de imóvel encravado. Ainda, referiram ter ofertado a chave do portão à apelada para que a mesma pudesse abri-lo.

Intimadas para manifestarem interesse na produção de provas, as partes requereram a oitiva de testemunhas, o que restou indeferido pelo juízo a quo em audiência de conciliação (eventos 19, 24, 25 e 36 da origem).

Conforme relatório supra, a ação foi julgada improcedente.

Cinge-se a controvérsia recursal em verificar a possibilidade de os apelantes instalarem portão sobre a servidão de passagem.

Inicio o exame do recurso pela preliminar contrarrecursal.

1. Da Preliminar Contrarrecursal:

A preliminar de não conhecimento do recurso não prospera.

Conquanto a apelante tenha reiterado os mesmos argumentos declinados na petição inicial, constata-se que o recurso atende ao disposto no art. 1.010, II e III, do CPC:

"Art. 1.010. A apelação, interposta por petição dirigida ao juízo de primeiro grau, conterá:

I - os nomes e a qualificação das partes;

II - a exposição do fato e do direito;

III - as razões do pedido de reforma ou de decretação de nulidade;

IV - o pedido de nova decisão.(...)."

Rejeito a preliminar contrarrecursal, portanto.

2. Da Servidão de Passagem:

O recurso não comporta provimento.

Reza o art. 1.378 do CC que "A servidão proporciona utilidade para o prédio dominante, e grava o prédio serviente, que pertence a diverso dono, e constitui-se mediante declaração expressa dos proprietários, ou por testamento, e subseqüente registro no Cartório de Registro de Imóveis".

Sobre as servidões, ensina Flávio Tartuce1:

"Por meio desse instituto real, um prédio proporciona utilidade a outro, gravando o último, que é do domínio de outra pessoa. O direito real de gozo ou fruição constitui-se mediante declaração expressa dos proprietários do prédio, ou por testamento, e subsequente registro no Cartório de Registro de Imóveis (art. 1.38 do CC). Os prédios envolvidos na servidão são assim denominados:

a) prédio dominante - aquele que tem a servidão a seu favor;

b) prédio serviente - aquele que serve o outro, em detrimento do seu domínio.

Como se pode observar, nas servidões os qualificativos se referem aos prédios e não às partes, como ocorre nos demais direitos reais de gozo. De forma didática, é possível afirmar que na servidão a concessão real diz respeito a uma espécie de tapete sobre a propriedade, o que é notado, principalmente, na servidão de passagem."

Como se observa, a servidão de passagem é constituída pelo registro do título no álbum imobiliário.

Possível, no entanto, a constituição de servidão em razão do uso incontestado e contínuo por prazo não inferior a dez anos, conforme previsão do art. 1.379 do CC:

"Art. 1.379. O exercício incontestado e contínuo de uma servidão aparente, por dez anos, nos termos do art. 1.242, autoriza o interessado a registrá-la em seu nome no Registro de Imóveis, valendo-lhe como título a sentença que julgar consumado a usucapião.

Parágrafo único. Se o possuidor não tiver título, o prazo da usucapião será de vinte anos."

A respeito dos modos de constituição da servidão, oportuna a lição de Nelson Nery Júnior2:

"4. Modos de constituição de servidão. A servidão se constitui, em regra, através de livre manifestação de vontade; em decorrência de decisão judicial em juízo divisório; e pela usucapião. São atos constitutivos de servidão: a) os negócios jurídicos bilaterais (contratos) ou unilaterais (v.g. testamento - L 167 I 6); b) a sentença proferida pelo Juízo divisório (L 167 I 6 e 23); c) a vontade livre do instituidor de bem de família (L 167 I 1); d) o pacto antenupcial (CC 1639; CC/16 256 e L 167 I 6); e) a usucapião (CC 1379; CC/16 1916 698). O ato constitutivo de servidão tem ingresso no CRI do local do imóvel onerado, nos termos do L 167 I 6 (CC 1245 e 1227; CC/16 530 E 676)."

Trata-se da chamada servidão aparente, cuja existência inclusive confere ao utente direito à proteção possessória, como deflui da interpretação da súmula nº 415 do STF:

"Súmula nº 415: Servidão de trânsito não titulada, mas tornada permanente, sobretudo pela natureza das obras realizadas, considera-se aparente, conferindo direito à proteção possessória."

Uma vez instituída, seja pelo registro do título, seja pelo decurso do prazo prescricional, o exercício da servidão deve observar ao disposto nos arts. 1.380 e seguintes do CC.

Neste particular, confere o art. 1.380 do CC ao dono da servidão, o direito de realizar as obras necessárias à sua conservação e uso, ad litteram:

"Art. 1.380. O dono de uma servidão pode fazer todas as obras necessárias à sua conservação e uso, e, se a servidão pertencer a mais de um prédio, serão as despesas...

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