Acórdão nº 50016892820218214001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Sexta Câmara Cível, 05-05-2022

Data de Julgamento05 Maio 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50016892820218214001
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoDécima Sexta Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002011467
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

16ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5001689-28.2021.8.21.4001/RS

TIPO DE AÇÃO: Empréstimo consignado

RELATORA: Desembargadora VIVIAN CRISTINA ANGONESE SPENGLER

APELANTE: MARIA VERA SILVA GOULART (AUTOR)

APELADO: BANCO BMG S.A (RÉU)

RELATÓRIO

Trata-se de apelação cível interposta por MARIA VERA SILVA GOULART em face de sentença (evento 19, SENT1) que julgou improcedentes os pedidos formulados na ação de obrigação de fazer c/c antecipação de tutela ajuizada em desfavor do BANCO BMG S/A, nos seguintes termos:

Ante o exposto, fulcro no art. 487, I, do CPC, REJEITO AS PRELIMINARES E JULGO IMPROCEDENTES os pedidos formulados por MARIA VERA SILVA GOULART em face de BANCO BMG S.A.

Condeno a parte autora ao pagamento das custas e dos honorários advocatícios em favor da parte contrária, os quais fixo em R$ 400,00 em respeito ao disposto no art. 85 do Código Processual Civil, suspensa sua exigibilidade, em virtude da concessão da gratuidade judiciária.

Em seu arrazoado recursal (evento 25, APELAÇÃO1), a autora alega que a relação contratual é abusiva, visto que o pagamento mínimo debitado de seu benefício não possui condão de amortizar a dívida. Junto a isso, a falta de um prazo final para que cessem os pagamentos faz com que a dívida se torne "impagável". Cita diversos precedentes. Ressalta que o cartão de crédito não foi utilizado. Pugna pela conversão de empréstimo consignado via cartão de crédito para empréstimo consignado "normal", assim como pela repetição em dobro dos indébitos. Além, postula a inversão dos ônus sucumbenciais, com a majoração dos honorários fixados na origem.

Foram apresentadas contrarrazões (evento 28, CONTRAZAP2).

Subiram os autos a esta corte para julgamento.

É o relatório.

VOTO

Recebo o recurso porque presente os pressupostos de admissibilidade.

Consta, na inicial (evento 1, INIC1), que a autora celebrou contrato de empréstimo pessoal com a parte ré, sendo informada que o pagamento seria realizado mediante débitos mensais em seu benefício. Contudo, após a realização do mútuo, percebeu em seu extrato de pagamento descontos sob a nominata de "Empréstimo Sobre a RMC". Entrou em contato com o Banco réu, ocasião a qual foi comunicada que o empréstimo consignado contratado era na modalidade via cartão de crédito com reserva de margem consignável (RMC). Informou que em momento algum requereu ou solicitou tal modalidade de empréstimo, visto que é demasiadamente onerosa, principalmente quando comparada ao empréstimo consignado normal. Alega que os descontos mensais não abatem a dívida, uma vez que o pagamento mínimo apenas cobre os juros e encargos mensais do cartão. Pugnou pela conversão do contrato de empréstimo consignado via cartão de crédito para empréstimo consignado, bem como pela repetição em dobro dos indébitos. Argumentou que os valores pagos a título de RMC devem ser utilizados para amortizar o saldo devedor.

O julgador singular julgou improcedentes os pedidos formulados na inicial.

Irresignada com o resultado desfavorável, a autora apelou, pugnando pela reforma do ato sentencial, sob o argumento, em suma, de que a contratação é abusiva em virtude dos pagamentos mensais debitados de seu benefício não amortizarem a dívida, tal como pela falta de prazo final de pagamento.

Pois bem.

A cláusula que prevê a reserva de margem consignável para operações com cartão de crédito é regulada pelo art. 1º da Resolução n° 1.305/2009 do Conselho Nacional de Previdência Social, in verbis:

“RESOLUÇÃO Nº 1.305, DE 10 DE MARÇO DE 2009.

O PRESIDENTE DO CONSELHO NACIONAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL, no uso da atribuição que lhe confere o inciso V do art. 21 do Regimento Interno, aprovado pela Resolução nº 1.212, de 10 de abril de 2002, torna público que o Plenário, em sua 151ª Reunião Ordinária, realizada em 10 de março de 2009, resolveu:

Art. 1º Recomendar ao Instituto Nacional do Seguro Social – INSS que, relativamente aos empréstimos consignados, e respeitado o limite de margem consignável de 30% (trinta por cento) do valor do benefício, torne facultativo aos titulares dos benefícios previdenciários a constituição de Reserva de Margem Consignável – RMC de 10% (dez por cento) do valor mensal do benefício para ser utilizada exclusivamente para operações realizadas por meio de cartão de crédito”.

Porém, a constituição da RMC (Reserva de Margem Consignável) demanda expressa autorização do aposentado, por escrito ou por meio eletrônico, de acordo com o disposto no art. 3°, inc. III, da Instrução Normativa INSS n° 28/2008, alterada pela Instrução Normativa INSS n° 39/2009, in verbis:

“Artigo 3º Os titulares de benefícios de aposentadoria e pensão por morte, pagos pela Previdência Social, poderão autorizar o desconto no respectivo benefício dos valores referentes ao pagamento de empréstimo pessoal e cartão de crédito concedidos por instituições financeiras, desde que:

(...)

III - a autorização seja dada de forma expressa, por escrito ou por meio eletrônico e em caráter irrevogável e irretratável, não sendo aceita autorização dada por telefone e nem a gravação de voz reconhecida como meio de prova de ocorrência”.

No caso dos autos, o banco recorrido trouxe prova de que a autora autorizou expressamente os descontos em seu benefício da reserva de margem consignável. Inclusive, juntou "TERMO DE ADESÃO DE CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO EMITIDO PELO BANCO BMG S.A E AUTORIZAÇÃO PARA DESCONTO EM FOLHA DE PAGAMENTO" (evento 14, CONTR2) assinado pela autora. Além disso, anexou "CÉDULA DE CRÉDITO BANCÁRIO - CONTRATAÇÃO DE SAQUE MEDIANTE A UTILIZAÇÃO DO CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO EMITIDO PELO BMG", também com a respectiva rubrica da Recorrente, efetivamente comprovando a realização do crédito de R$ 1.572,25 (evento 14, CONTR2, pág. 03).

É certo que, formalmente, a contratação adequou-se à moldura legal.

Contudo, forçoso reconhecer que a cláusula a permitir descontos na folha de pagamento da autora, sem conter data-limite para que cessem, gerou excessiva oneração à consumidora e ensejou flagrante desequilíbrio entre as partes, configurando tal fato prática abusiva, vedada pelo ordenamento jurídico, consoante previsão do art. 39, inc. V, do Código de Defesa do Consumidor (“exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva”). Por sua vez, o art. 51, inc. IV, do Código Consumerista rotula como nulas de pleno direito as cláusulas contratuais que “coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade”.

No caso em tela, em razão de "Saque Autorizado" realizado em 05/02/2020, o réu transferiu para a conta corrente da autora a quantia de R$ 1.572,25 (evento 14, OUT3, pág. 01) e, a partir de então, passaram a ser debitados na folha de pagamento os valores a título de Reserva de Margem Consignável (RMC). Como se verifica, a fatura com vencimento em 10/06/2021 (evento 14, OUT3, pág. 17) havia uma dívida de R$ 1.426,22. Nesse contexto, percebe-se que mais de dois anos se passaram da celebração do contrato e a autora deve quase o mesmo valor que recebeu a título de empréstimo. Logo, as parcelas que vêm sido descontadas não se prestam a reduzir o valor da dívida, que parece estar se perpetuando.

Aliás, considerando que o instrumento contratual não contém qualquer disposição informando ao consumidor que os descontos a título de Reserva de Margem Consignável (RMC) não são aptos a diminuir o valor efetivamente devido,...

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