Acórdão nº 50017071820188210036 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Quarta Câmara Cível, 24-03-2022

Data de Julgamento24 Março 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50017071820188210036
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoQuarta Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001500820
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

4ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5001707-18.2018.8.21.0036/RS

TIPO DE AÇÃO: Fornecimento de Energia Elétrica

RELATOR: Desembargador ALEXANDRE MUSSOI MOREIRA

APELANTE: JOAO BATISTA GRISA (AUTOR)

APELADO: RIO GRANDE ENERGIA SA (RÉU)

RELATÓRIO

Trata-se de apelação cível interposta por JOÃO BATISTA GRISA, nos autos da ação ordinária movida contra a RIO GRANDE ENERGIA SA, da sentença que julgou improcedentes os pedidos de declaração de inexigibilidade do débito e de indenização por danos morais.

Em suas razões, o autor, discorre a respeito da aplicação do CDC. No mérito, aduz que a responsabilidade pela manutenção do aparelho de medição é da ré. Aponta que não há como afirmar que houve modificação no padrão de consumo de energia elétrica no período apontado pela concessionária. Assevera que faz jus a indenização por danos morais, alegando se tratar de modalidade in re ipsa. Pugna pelo provimento do apelo.

Apresentadas as contrarrazões, o feito foi remetido à Superior Instância.

O Ministério Público deixou de intervir no feito (Evento 13).

Vieram os autos, conclusos, para julgamento.

É o relatório.

VOTO

Consoante a Resolução ANEEL nº 414/2010, o cliente é o responsável pela conservação do medidor e, com isso, desnecessário aferir de quem foi a culpa pela fraude que ensejou o consumo de energia não medida, devendo a responsabilidade ser suportado por aquele que desta se beneficiou.

A legislação atribui ao consumidor a responsabilidade pela manutenção e zelo do equipamento de medição instalado junto à sua unidade consumidora, como se depreende da leitura do art. 167, da Resolução 414/10, da ANEEL.

Art. 167. O consumidor é responsável:

(...)

III – pelos danos causados aos equipamentos de medição ou ao sistema elétrico da distribuidora, decorrentes de qualquer procedimento irregular ou deficiência técnica da unidade consumidora;

O serviço de fornecimento de energia elétrica é de caráter público, tanto que prestado por concessão, o que não significa que seja gratuito. Assim, devidamente posto à disposição do consumidor, deve ser pago, sob pena de locupletamento do usuário às custas da concessionária (ensejando a restituição, conforme art. 884 do Código Civil), que também compra a energia.

Na relação de fornecimento de serviços públicos, incide, em tese, o princípio da presunção de legitimidade e de veracidade do ato administrativo. E em que pese à presunção de legalidade de que se reveste a atuação da empresa prestadora desses serviços, mostra-se relevante e prudente a análise das peculiaridades de cada uma das situações in concreto, pois a demonstração de que foram seguidos os trâmites legais no procedimento administrativo de recuperação de consumo é matéria a ser provada pela concessionária, que detém o alcance técnico para demonstrar a legalidade da motivação do ato por ela praticado, pois esta diz com o critério utilizado para a recuperação de consumo e a fraude dita praticada.

Deve, assim, a concessionária demonstrar não só que cumpriu os procedimentos legais ou regulamentares, mas, também, que houve efetivamente o desvio de energia que deu ensejo à recuperação do consumo, assim como a correção dos valores apresentados, pois, quanto a estes pontos, resta evidenciada a hipossuficiência técnica da parte autora, no caso.

No caso concreto, verifica-se que o autor ingressou com a presente demanda com o fito de desconstituir débito que lhe fora imputado pela concessionária, bem como visando reparação por danos morais decorrentes da cobrança sub judice. Alega que, contrariamente ao constatado na inspeção realizada pela concessionária, não se beneficiou de qualquer desvio de energia.

Da leitura dos autos, depreende-se que, em inspeção realizada em 14/08/2017, na unidade consumidora de titularidade do autor (UC n. 3081766497), tendo sido verificada a seguinte irregulidade, conforme leitura do TOI n. 733186478:

Foi identificado que o medidor de energia elétrico está avariado (bobina de corrente avariada) sendo substituído. A partir desta data o consumo mensal desra instalação consumidora passará a ser registrado corretamente.

Em razão disso, a concessionária efetuou cobrança de R$518,61, a título de recuperação de consumo, apontando como período de irregularidade os meses de 06/2017 a 08/2017 e aplicando o cálculo previsto no art. 115, III, da Resolução n. 414/2010 da ANEEL, ora colacionada:

Art. 115. Comprovada deficiência no medidor ou em demais equipamentos de medição, a distribuidora deve proceder à compensação do faturamento de consumo de energia elétrica e de demanda de potência ativa e reativa excedentes com base nos seguintes critérios:
I – aplicar o fator de correção, determinado por meio de avaliação técnica em laboratório, do erro de medição;
II – na impossibilidade de determinar os montantes faturáveis pelo critério anterior, utilizar as respectivas médias aritméticas dos valores faturados nos 12 (doze) últimos ciclos de faturamento de medição normal, proporcionalizados em 30 (trinta) dias, observado o disposto no § 1o do art. 89; ou
III – no caso de inviabilidade de ambos os critérios, utilizar o faturamento imediatamente posterior à regularização da medição, observada a aplicação do custo de disponibilidade, conforme disposto no art. 98.
(Grifou-se)

Conforme leitura do dispositivo legal, a aplicação dos critérios previstos no inciso se dá de forma de sucessiva, inexistindo, nos autos, qualquer justificativa, por parte da ré, que ampare a aplicação do critério entabulado no inciso III do art. 115. Ademais, do histórico de consumo, depreende-se que, nos meses de 06/2017 e 07/2017, não houve discrepância, no que tange à quantidade de energia registrada, quando em comparação com os períodos em que o medidor não estava avariado.

Assim, tem-se que a recuperação de consumo, na forma em que apresentada pela concessionária, não encontra respaldo nas normas que disciplinam o setor. À míngua de demonstração da impossibilidade de utilização dos critérios previstos nos demais incisos do art. 115 da Resolução 414/2010 da ANEEL e não tendo sido verificado degrau de consumo no período apontado, não há como imputar enriquecimento sem causa ao consumidor. Destarte, a desconstituição do débito é a medida que se impõe.

No mesmo sentido:

DIREITO PÚBLICO NÃO-ESPECIFICADO. FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO CUMULADA COM REPETIÇÃO DE INDÉBITO. DEFEITO NO MEDIDOR DE ENERGIA. AUSÊNCIA DE PROVA CABAL DA ALTERAÇÃO OU REDUÇÃO NO CONSUMO DE ENERGIA ELÉTRICA. RECUPERAÇÃO DE CONSUMO. IMPOSSIBILIDADE. REPETIÇÃO DE VALORES EM DOBRO. INDEVIDA. 1. Não é de se conhecida a apelação da concessionária relativamente à inversão do ônus da prova. Isto porque, a matéria desafiava recurso ao tempo e modo oportuno, nos termos do art. 1.015, XI, do CPC. E o § 1º do art. 1.009 do CPC é claro ao prever que "As questões resolvidas na fase de conhecimento, se a decisão a seu respeito não comportar agravo de instrumento, não são cobertas pela preclusão e devem ser suscitadas em preliminar de apelação, eventualmente interposta contra a decisão final, ou nas contrarrazões". A par disso, a discussão acerca do tema está acobertada pelo manto da preclusão, não podendo novamente ser agitada na apelação. 2. A simples alegação de defeito no medidor de consumo de energia não justifica a recuperação de consumo nos termos do art. 115 da Resolução-ANEEL nº 414/10. É necessária a demonstração efetiva de que houve redução ou alteração significativa na medição da energia que passou pelo medidor da unidade consumidora, na medida em que a própria legislação de regência garante à concessionária o direito ao ressarcimento das despesas para a verificação e cobrança dos débitos extrafaturados, nos termos própria Resolução-ANEEL nº 414/10, desde...

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