Acórdão nº 50017214120218210086 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Oitava Câmara Cível, 26-05-2022

Data de Julgamento26 Maio 2022
ÓrgãoDécima Oitava Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50017214120218210086
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002119377
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

18ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5001721-41.2021.8.21.0086/RS

TIPO DE AÇÃO: Cláusulas Abusivas

RELATOR: Desembargador JOAO MORENO POMAR

APELANTE: LOURENA SOUZA VOLTZ (AUTOR)

APELADO: BANCO BRADESCO S.A. (RÉU)

RELATÓRIO

LOURENA SOUZA VOLTZ apela da sentença que julgou a ação de obrigação de fazer que move em face de BANCO BRADESCO S/A, assim lavrada:

Vistos.

Lourena Souza Voltz ajuizou ação declaratória de inexigibilidade de débito contra o Banco Bradesco S.A., narrando, em síntese, que acreditava ter firmado contrato de empréstimo consignado com o réu, mas verificou, em verdade, que contratou cartão de crédito consignado com reserva de margem consignável. Referiu que jamais contratou serviço com o réu nesta modalidade. Indicou o direito que entende aplicável. Em tutela provisória de urgência, postulou determinação para que o réu se abstenha de reservar a margem consignável e empréstimo sobre a RMC de seu benefício, com o seu respectivo cancelamento/suspensão. Ao fundo, pugnou pela procedência dos pedidos formulados na ação, confirmando os efeitos da tutela provisória de urgência, bem como seja realizada a readequação/conversão do “empréstimo” via cartão de crédito consignado (RMC) para empréstimo consignado e, em sendo o caso, determinada a repetição em dobro dos valores pagos a maior. E por fim, pugnou seja determinado que o réu exiba integralmente todos os documentos que originaram a suposta legalidade dos descontos diretamente do seu benefício previdenciário. Requereu a AJG e a tramitação preferencial do processo. Juntou documentos (Evento 1).

Concedida a gratuidade judiciária à parte autora e indeferida a tutela provisória de urgência (Evento 3).

Citado, o banco demandado apresentou contestação (Evento 16, PET21), arguindo, em preliminar, a inépcia da inicial. Como questão prejudicial de mérito, invocou a prescrição. No mérito propriamente dito, discorreu sobre o produto contratado entre as partes. Defendeu a legitimidade da contratação e da cobrança. Referiu sobre a validade do negócio jurídico. Afirmou que o autor firmou contrato de cartão de crédito consignado, com autorização para realização de descontos em folha de pagamento. Pugnou pelo acolhimento da preliminar e a improcedência da demanda. Juntou documentos.

Houve réplica (Evento 22).

Oportunizada a produção de provas, as partes nada postularam.

Vieram os autos conclusos para sentença.

É o relatório.

Fundamento e decido.

Do julgamento antecipado. A demanda comporta o julgamento antecipado, nos termos do art. 355, inciso I, do CPC.

Da inépcia da inicial. Não há o que falar em inépcia da inicial. A pretensão do autor restou bem traduzida em pedidos suficientemente claros e precisos, não se vislumbrando ofensa às diretrizes do art. 282 do CPC.

Da prescrição. Não assiste razão à demandada quanto ao implemento da prescrição.

Diferentemente do que fora alegado, o prazo aplicável à espécie não é o trienal, mas sim o quinquenal, previsto no art. 27 do Código de Defesa do Consumidor, por se tratar de prazo específico incidente para hipótese de danos oriundo de defeito relativo à prestação de serviço no âmbito das relações de consumo. Neste sentido:

APELAÇÕES CÍVEIS. CARTÃO DE CRÉDITO. DESCONTO EM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL (RMC). PRELIMINAR. AUSÊNCIA INTERESSE DE AGIR. ESGOTAMENTO VIA ADMINISTRATIVA. DESNECESSIDADE. PRELIMINAR. INAPLICABILIDADE PRESCRIÇÃO TRIENAL. ACOLHIDA. (...) PRESCRIÇÃO. NO CASO, INCIDENTE O PRAZO QUINQUENAL CONTIDO NO ART. 27 DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR, POR TRAZER PRAZO PRESCRICIONAL ESPECÍFICO INCIDENTE PARA A HIPÓTESE DE DANOS ORIUNDOS DE DEFEITO RELATIVO À PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS NO ÂMBITO DAS RELAÇÕES DE CONSUMO – FALHA NA PRESTAÇÃO DE TODAS AS INFORMAÇÕES AO CONSUMIDOR NO ATO DA CONTRATAÇÃO –, JUSTAMENTE O OBJETO DA PRESENTE DEMANDA. (...) REJEITADA A PRELIMINAR E, NO MÉRITO, APELAÇÃO DO RÉU PARCIALMENTE PROVIDA. ACOLHIDA A PRELIMINAR E, NO MÉRITO, APELAÇÃO DA AUTORA PARCIALMENTE PROVIDA.(Apelação Cível, Nº 50000239020218210153, Vigésima Terceira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Alberto Delgado Neto, Julgado em: 31-08-2021)

A parte firmou o contrato em novembro de 2016 (evento 1, EXTR9), sendo que ajuizou a ação em março de 2021, não tendo transcorrido o prazo quinquenal a afastar a pretensão de repetição de indébito com relação a nenhuma parcela.

Rechaço, portanto, a arguição de prescrição.

Do mérito. Trata-se de ação declaratória por meio da qual busca a parte autora a declaração de inexistência do contrato de cartão de crédito consignado, bem como a devolução dos valores indevidamente descontados.

Não obstante a irresignação da parte autora, não há motivo para ser declarada a inexistência da relação contratual.

A prova documental anexada demonstra que a parte autora contratou empréstimo pela modalidade "cartão de crédito consignado". Nesta modalidade é permitido que o usuário utilize o cartão na forma convencional e também realize "saques", os quais vão lançados na fatura e incidem encargos contratuais em caso de não pagamento do valor total no prazo de vencimento. A peculiaridade desta contratação é que o valor referente ao pagamento mínimo é consignado em folha de pagamento.

Na hipótese, verifica-se que a fatura acostada aos autos pela parte demandada demonstra que o cartão de crédito foi utilizado pela parte autora para compras ordinárias (Evento 16, OUT4).

Deste modo, não existe nenhuma irregularidade ou abusividade na relação contratual entretida entre os litigantes.

A documentação relacionada à contratação cumpriu o papel de informar o consumidor acerca das condições do contrato pactuado, bem como atendeu ao dever de transparência. Igualmente, não há prova nos autos de que tenha ocorrido algum vício de consentimento por ocasião da assinatura da avença e contratação da modalidade de crédito.

Registre-se que o autor demonstrou ter ciência acerca da modalidade de contratação, pois utilizou normal e regularmente o cartão de crédito para compras comuns no mercado de consumo, bem como valendo-se da opção de "saque", não sendo possível afirmar o desconhecimento da modalidade contratada ou a existência de vício de consentimento.

Deste modo, trazida pelo consumidor a prova mínima, que comprove a verossimilhança de suas alegações, milita a seu favor a presunção de veracidade, e incumbe ao fornecedor desfazê-la, produzindo inequívoca prova liberatória. Todavia, não foi o que ocorreu no caso dos autos, tendo em vista que a prova produzida não conforta as alegações da autora, ao passo que os elementos trazidos pelo réu descredibilizam a versão apresentada na inicial.

Havendo prova da contratação e da utilização do serviço pelo consumidor, inarredável a improcedência dos pedidos declaratório e de repetição de indébito.

Diante do exposto, JULGO IMPROCEDENTES os pedidos formulados por Lourena Souza Voltz contra Banco Bradesco S.A., com fulcro no art. 487, inciso I, do CPC.

Em razão da sucumbência, CONDENO a parte autora ao pagamento das custas processuais, bem como de honorários advocatícios em favor do patrono da parte ré, que fixo em 10% sobre o valor atualizado da causa, considerando a natureza da demanda, o tempo de tramitação do feito e o trabalho realizado pelo causídico, com base no art. 85, §2º, do CPC. Suspendo, no entanto, a exigibilidade do pagamento de tais verbas pela parte autora, considerando que litigou sob o amparo do benefício da gratuidade da justiça, concedido no evento 3, nos termos do art. 98, §2º e §3º, do CPC.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
Com o trânsito em julgado, baixe-se de forma definitiva.

Nas razões sustenta que a contratação ora discutida é abusiva; que o cartão de crédito jamais fora utilizado, sendo que o banco disponibilizou o valor através de TED, o que corrobora a tese de se tratar de empréstimo consignado comum; que não há prazo final para pagamento das faturas, ocasionando prejuízo excessivo ao consumidor, visto que a dívida se torna impagável; que o cartão não foi desbloqueado e tampouco utilizado, o que reforça não ser conhecedor da modalidade escolhida; requer a reforma da sentença aos efeitos de que seja realizada a readequação/conversão do “empréstimo” via cartão de crédito consignado (RMC) para empréstimo consignado, sendo os valores já pagos a título de RMC utilizados para amortizar o saldo devedor. Postula o provimento do recurso.

Contrarrazões no evento nº 42.

Vieram-me conclusos para julgamento.

É o relatório.

VOTO

Eminentes Colegas!

O recurso atende aos pressupostos de admissibilidade e merece conhecimento. Assim, analiso-o.

CÉDULA DE CRÉDITO BANCÁRIO. RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL. NULIDADE. PROVA.

O Código Civil, ao tratar da nulidade dos negócios jurídicos, assim dispõe:

Art. 166. É nulo o negócio jurídico quando:
I - celebrado por pessoa absolutamente incapaz;
II - for ilícito, impossível ou indeterminável o seu objeto;
III - o motivo determinante, comum a ambas as partes, for ilícito;
IV - não revestir a forma prescrita em lei;
V - for preterida alguma solenidade que a lei considere essencial para a sua validade;
VI - tiver por objetivo fraudar lei imperativa;
VII - a lei taxativamente o declarar nulo, ou proibir-lhe a prática, sem cominar sanção.

Art. 167. É nulo o negócio jurídico simulado, mas subsistirá o que se dissimulou, se válido for na substância e na forma.
§ 1º Haverá simulação nos negócios jurídicos quando:
I - aparentarem conferir ou transmitir direitos a pessoas diversas daquelas às quais realmente se conferem, ou transmitem;
II - contiverem declaração, confissão, condição ou cláusula não verdadeira;
III - os instrumentos particulares forem antedatados, ou pós-datados.

§ 2º Ressalvam-se os
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