Acórdão nº 50017241520088210033 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Nona Câmara Cível, 09-06-2023

Data de Julgamento09 Junho 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50017241520088210033
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoDécima Nona Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003798120
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

19ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5001724-15.2008.8.21.0033/RS

TIPO DE AÇÃO: Esbulho / Turbação / Ameaça

RELATORA: Juiza de Direito KETLIN CARLA PASA CASAGRANDE

APELANTE: MUNICÍPIO DE SÃO LEOPOLDO (AUTOR)

APELADO: ELTON DE AZEVEDO MORAES (RÉU)

APELADO: PATRICIA DA COSTA (RÉU)

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de apelação interposto pelo MUNICÍPIO DE SÃO LEOPOLDO contra sentença que, nos autos da reintegração de posse movida em face de ELTON DE AZEVEDO MORAES e PATRICIA DA COSTA, julgou improcedente a demanda com o seguinte dispositivo:

Ante o exposto, com fulcro no art. 487, I, do CPC/15, JULGO IMPROCEDENTES os pedidos do MUNICÍPIO DE SÃO LEOPOLDO em face de ELTON AZEVEDO MORAES, PAULA DANIELA FERNANDES MORAES, RENATA FERNANDES MORAES, ELTON DE AZEVEDO MORAES JUNIOR, PATRÍCIA DA COSTA, JÚLIA DA COSTA, GABRIEL DA COSTA, MEL DA COSTA e VINÍCIUS DA COSTA SILVA. Condeno a parte autora ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios aos procuradores dos demandados, os quais fixo em R$ 5.000,00 (cinco mil reais) para o procurador de cada parte/PRAJUR, vedada a cumulação, tendo em vista o período de tramitação do feito e complexidade da demanda e o trabalho desenvolvido. Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Sobrevindo recurso de apelação, intime-se o recorrido para contrarrazões e, após, independentemente de conclusão, remeta-se o feito ao Egrégio Tribunal de Justiça, conforme o art. 1.010, §3º, do CPC/15. Oportunamente, baixe-se e arquive-se.

Em suas razões, aduz, em suma, discorrendo acerca do caso em tela, equívoco na sentença atacada. Assevera restar evidenciado dos autos que se trata de imóvel público, sobre o qual o ente público exerce a posse jurídica. Defende inexistir anuência tácita aos demandantes residirem no local. Sustenta que em sendo leito viário, o imóvel está afetado como "bem de uso comum do povo", o que impede sua destinação para moradia. Aponta inexistência de decreto municipal que abranja a área objeto da ação. Destaca que, da prova testemunhal, se extrai que houve constante mudança de ocupação nos imóveis, já tendo sido alienado para ao menos outras duas pessoas depois do ajuizamento da demanda. Diz que os ônus sucumbenciais devem recair sobre os demandados. Pugna pelo provimento do recurso.

Houve contrarrazões.

Subiram os autos e, nesta instância, sobreveio parecer do Ministério Público opinando pelo provimento do recurso.

Vieram-me conclusos para julgamento.

VOTO

Eminentes Colegas.

A controvérsia presente cinge-se na reintegração da área ocupada pelos recorridos na Rua Rodrigues de Macedo, no trecho que compreende as quadras 897 e 898, na cidade de São Leopoldo.

É caso de provimento do recurso do ente público.

À luz do artigo 561 do Código de Processo Civil e, em consonância com o ensinamento da doutrina1, para que a reintegração de posse seja deferida, aquele que se diz esbulhado deve, obrigatoriamente, comprovar os seguintes requisitos: a posse, a ocorrência do esbulho, sua data e a efetiva perda da posse em razão do ato ilícito.

Complementa Humberto Theodoro Júnior2:

A lei confere ao possuidor o direito à proteção liminar de sua posse, mas o faz subordinando-o a fatos precisos, como a existência da posse, a moléstia sofrida na posse e a data em que tal tenha ocorrido. Logo, reunidos os pressupostos da medida, não fica ao alvedrio do juiz deferi-la ou não, o mesmo ocorrendo quando não haja a necessária comprovação.

In casu, restam preenchidos os pressupostos da ação reintegratória de posse, uma vez que em se tratando de bem público, a posse é inerente ao domínio, não havendo necessidade de sua demonstração pelo ente público que, além disso, trouxe aos autos os documentos e fotografias juntados à petição inicial, com a comprovação da efetiva notificação para desocupação da área e da permanência dos recorridos no local.

Colaciono excerto sentencial que aborda a prova testemunhal coligida nos autos. Vejamos:

Islandia Michels Bianchi, fiscal do Município, referiu que o local é “um leito viário” e que “essas casas estão no leito”. Foi a responsável pela notificação dos réus, sendo que residem em casas “de bom aspecto”. O Município ofereceu aos réus a inclusão/inscrição em programas habitacionais, os quais os demandados não aderiram, eis que “estiveram na secretária, mas não retornaram”. Não tem conhecimento acerca de outro acesso para chegar aos loteamentos.

O funcionário público, Rodrigo Fraga Zacher, conhece os demandados em virtude da notificação realizada em 2007. Explicou que havia casas em leito de rua, sendo que moravam no local famílias. Tratavam-se de residências boas sob seu ponto de vista. Após a notificação, voltou ao local e observou que haviam sido realizadas melhorias nos imóveis. Foi oportunizada a inscrição em programas habitacionais, do que “não houve retorno”. As famílias estavam identificadas quando da notificação.

Catia Simone Vieira, testemunha dos demandados, afirmou que vendeu uma casa para o réu Elton na Rua João Frederico dos Santos, local em que reside o demandado. A prima residiu no local indicado na inicial, sendo que não construiu o imóvel. Não sabe se os moradores do local tem ciência de que se trata de uma rua. A prima não reside mais no local, tendo comprado a residência de Elton.

A testemunha Janete Vieira de Almeida reside próximo dos demandados. Asseverou que reside no local há, aproximadamente, sessenta anos e “ali sempre teve casa”. Não sabe de notificações anteriores do Município em relação a reintegração de posse. No local há crianças. Há outras ruas que permitem acessos a vizinhança. Acredita que Isanina seja antiga moradora. Não sabe de rondas frequentes pelo Município na região. Inquirida, disse que as casas do local demoraram mais de um mês para serem construídas, eis que “os primeiros que moraram lá eram umas casas pequenas”, tendo aumentado as residências com o passar do tempo.

Outrossim, considerando a acurada análise da questão realizada pelo douto Procurador de Justiça, Dr. André Cipele, transcrevo excerto de seu parecer, utilizando-o como razões de decidir ao presente:

A prova oral produzida apenas corrobora que os demandados estavam na área sem autorização, permissão ou concessão do Ente Público Municipal e que a ocupação ocorre há muitos anos.

Portanto, o acervo probatório demonstra que o imóvel é público, não havendo necessidade de comprovação da posse anterior, pois ela é inerente ao domínio.

As imagens colacionadas ao caderno processual eletrônico, de resto, bem revelam que a ocupação irregular bloqueia a rua e está a impedir que a via pública possa ser utilizada ao fim a que se destina (Evento 3, PROCJUDIC5, Páginas 22-23), não havendo como sustentar tal prejuízo ao interesse da coletividade.

Ainda que tenha havido demora do Poder Público em tomar as medidas necessárias à desocupação do local, sendo, inclusive, concedido atestado de residência para permitir acesso ao serviço público de água e energia elétrica, o que naturalmente gerou uma expectativa de permanência no local, isto não significa que se deva seguir tolerando a ocupação irregular. Eventuais equívocos da Administração por conta de uma pretérita condescendência com dita ocupação não conduzem ao reconhecimento do direito à proteção possessória.

Não se desconhece que a procedência da demanda acarreta sério gravame à parte demandada, mas é forçoso sublinhar que os requeridos sempre tiveram conhecimento de que se trata de área pública e, como dito antes, o interesse público deve prevalecer sobre o individual.

Com efeito, a proteção possessória pleiteada tem respaldo na denominada “posse jurídica”. Como é sabido, uma vez demonstrado o domínio do ente público, não se realizam maiores indagações acerca da sua existência e anterioridade.

(...)

Não há dúvida, também, de que houve o esbulho, já que, notificada a parte...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT