Acórdão nº 50017676420228210031 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Oitava Câmara Cível, 01-12-2022

Data de Julgamento01 Dezembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50017676420228210031
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoOitava Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002991744
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

8ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5001767-64.2022.8.21.0031/RS

TIPO DE AÇÃO: Ato Infracional

RELATOR: Desembargador LUIZ FELIPE BRASIL SANTOS

RELATÓRIO

PYETRO, BRUNO e GUILHERME interpõem recurso de apelação em face da sentença proferida nos autos do processo de apuração de ato infracional, que julgou procedente o pedido contido na representação oferecida pelo MINISTÉRIO PÚBLICO, atribuindo-lhes a prática do ato infracional análogo ao crime de homicídio qualificado, na modalidade tentada, tipificado no art. 121, § 2º, inciso IV, c/c o art. 14, inciso II, ambos do Código Penal, aplicando-lhes, em consequência, a medida socioeducativa de internação sem possibilidade de atividades externas (evento 133 do processo originário).

Em suas razões, sustentam que: (1) em preliminar, deve ser reconhecida a existência de um sistema penal juvenil, sendo necessária a aplicação subsidiária das regras do CPP por força do art. 152 do ECA; (2) em preliminar, deve ser reconhecida a nulidade do feito em razão da ausência de confecção de laudo de avaliação social e reaberta a fase de instrução; (3) no mérito, inexistem provas a ensejar a condenação, sendo que as câmeras de segurança próximas ao local não são capazes de captar com clareza a imagem dos rostos dos autores do delito e nenhuma das testemunhas arroladas presenciaram os fatos; (4) os policias militares chegaram à conclusão da autoria de maneira informal, isto é, através de comentários dos moradores da localidade, os quais não foram nominados nos autos. Requerem o recebimento do recurso no duplo efeito e, ao final, o seu provimento, com o acolhimentos das preliminares arguidas e a absolvição. Subsidiariamente, requerem a desclassificação do ato infracional para o crime análogo de lesão corporal, o afastamento das qualificadoras e a aplicação de medida socioeducativa mais branda (evento 148, idem).

Em juízo de retratação, foi mantida a decisão por seus próprios fundamentos (evento 162, idem).

Foram ofertadas contrarrazões (evento 165, idem).

Indeferi o pedido de concessão de duplo efeito ao recurso (evento 4).

Nesta instância, o Ministério Público opinou pelo conhecimento, pela rejeição das preliminares e, no mérito, pelo não provimento da apelação (evento 20).

É o relatório.

VOTO

Aos adolescentes é imputada a prática do ato infracional equiparado ao crime de homicídio qualificado, na modalidade tentada, tipificado no art. 121, § 2º, inciso IV, na forma do art. 14, inciso II, todos do Código Penal.

Preliminarmente, a defesa requer seja (a) reconhecida a existência de um sistema penal juvenil e aplicação subsidiária das regras do Código de Processo Penal por força do art. 152 do ECA, com observância das regras do devido processo legal, do direito à ampla defesa, da presunção de inocência e demais garantias do direito penal; e (b) reconhecida a nulidade do feito por ausência de confecção do laudo de avaliação social.

No entanto, nestes pontos, tenho que não assiste razão à defesa.

Quanto à primeira preliminar, é sabido que efetivamente em todo e qualquer processo judicial é inafastável a observância do devido processo legal, com reverência à ampla defesa, o que não foi ferido no caso, diga-se.

Aliás, a defesa não aponta objetivamente nenhuma infração às garantias legais/constitucionais, o que evidencia que essa impropriamente denominada "preliminar" tem cunho meramente retórico, razão pela qual merece ser afastada.

No que tange à segunda preliminar, consoante jurisprudência deste Tribunal de Justiça, a produção de laudo multidisciplinar constitui faculdade do Juízo, que é destinatário das provas, jamais uma obrigatoriedade. Registro que tal entendimento se encontra pacificado, tendo resultado na edição da conclusão n.º 43 do Centro de Estudos deste Tribunal, com o seguinte teor:

43ª - Em processo de apuração de ato infracional, a realização de laudo pela equipe interdisciplinar não é imprescindível à higidez do feito, constituindo faculdade do juiz a sua oportunização.

Em sua Justificativa, lê-se: "Trata-se de mera faculdade, devendo, assim, o juiz solicitá-lo apenas quando considerar pertinente, isto é, se restar em dúvida quanto ao comportamento, sanidade do adolescente, ou desejar obter algum outro dado importante. Outrossim, o art. 151 do ECA deixa claro que a equipe interprofissional tem a finalidade de fornecer subsídios ao Juiz, nos casos em que este assim entender, ou for requerido pelos interessados. Tais profissionais apenas assessoram a Justiça da Infância e da Juventude – art. 150 do ECA –, pelo que não se pode ter como obrigatória a apresentação de seus laudos."

Superadas as prefaciais, passo à análise do mérito, adiantando que não assiste razão aos recorrentes.

Narra a representação que, no dia 05 de abril de 2022, os representados PYETRO, BRUNO e GUILHERME, com animus necandi, mediante recurso que dificultou a defesa da vítima, deram início ao ato de matar Roberto, por meio de chutes, socos, pontapés, tijoladas e pedradas em seu corpo, inclusive na cabeça, causando-lhe lesões. O ato somente não se consumou por circunstâncias alheias à vontade dos adolescentes, já que a vítima foi socorrida pelo SAMU e recebeu pronto atendimento médico.

Segundo consta, na ocasião, os representados, sem motivo aparente, após encontrarem a vítima na rua, avançaram em sua direção, a cercaram e começaram a agredi-la, inclusive quando ela já estava caída no chão.

Ato contínuo, os representados cessaram as agressões e deixaram a vítima desfalecida em via pública. Após, retornaram ao local e a agrediram novamente, mesmo ela estando caída, mediante chute na cabeça realizado por Bruno e arremesso de um tijolo realizado por Pyetro.

A infração foi praticada mediante recurso que dificultou a defesa da vítima, tendo em vista que ela foi surpreendida pelo ataque dos adolescentes e, em superioridade numérica, sendo que foi derrubada ao chão e espancada sem condições de reagir ou se defender (evento 7, REPRESENT1, do processo originário).

A materialidade do ato infracional foi comprovada pelos documentos constantes do evento 1 (termo de declaração do policial Paulo, ocorrência policial, ficha de atendimento ambulatorial da vítima Roberto, relatório de investigações com fotografias das câmeras de segurança no momento do ocorrido e da vítima, termo de informações dos três representados, termo de informações da vítima Roberto e vídeos das câmeras de segurança do local) e do evento 8 (laudo pericial realizado na vítima Roberto).

A autoria, da mesma forma, está demonstrada pelo conjunto probatório, especialmente pela prova oral colhida. No ponto, transcrevo parte da sentença, a fim de evitar desnecessária tautologia (evento 133, idem):

Primeiramente, a vítima do fato ROBERTO C. N. Em seu testemunho informou que estava fazendo uma caminhada, como faz pelas manhãs, em razão de uma lesão que possui na perna, bem como que no dia do ocorrido estava caminhando na avenida Pelotas e cruzou com os adolescentes. Que quando dobrou a esquina indo em direção à sua casa, escutou os adolescentes lhe chamarem, mas já estavam próximos e começaram a agredi-lo com pedras e socos, sem dizer nada. Alegou nunca ter visto ou conhecer os agressores. Pontuou que quando cessaram as agressões, ele estava desacordado e alguns minutos depois recobrou os sentidos, tentou levantar e ir embora, porém os adolescentes retornaram e continuaram a agredi-lo. Afirmou que após as agressões, levantou e foi para sua residência, que ao chegar deitou-se e depois de um tempo ouviu batidas na porta de sua residência, sendo a polícia civil que se encontrava no local. Sublinhou que os policiais já estavam em posse das imagens das câmeras e queriam confirmar o ocorrido, bem como fizeram fotos de seu estado, visto que encontrava-se ainda com sangue em suas roupas e com graves ferimentos. Após acionaram a SAMU, que o levou para a Santa Casa desta cidade, o mesmo ficou em observação até às 15 horas, quando recebeu alta e seu irmão lhe levou até sua residência. Afirmou que ao cruzar com o grupo, antes das agressões, não trocaram palavras e que os adolescentes riam, mas entre eles. Sublinhou que não portava nenhum tipo de arma ou faca, bem como não havia inimizade ou desavença com qualquer um dos adolescentes. Asseverou que entre o cruzar e as agressões não se passou muito tempo, visto que os adolescentes já estavam vindo em sua direção com pedras. Relatou que o adolescente mais alto lhe deu um pontapé que derrubou-o, após começaram as agressões com pedras, chutes e pisadas. Apresentou laudos que comprovam a impossibilidade de reação, visto que possui lesão degenerativa no ombro, na cervical, na lombar, além de coxartrose. Aduziu que em razão das agressões, teve lesão de mais ou menos 6 cm na região da cabeça, bem como lesão no olho direito, onde houve fratura, havendo a necessidade de implantar placa para correção, e que atualmente dói e apresenta a vista embaçada. Afirmou que a alegação dos menores, quanto a uma desavença há cerca de 07 anos, não procede, e ainda reafirmou que anteriormente às agressões, encontrava-se em sua casa e não no bar, bem como que não consumiu bebidas alcoólicas na data da agressão. Sublinhou que as agressões ocorreram sobretudo do abdômen para cima, sendo a maioria dos golpes efetuados na cabeça.

A...

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