Acórdão nº 50017947520208210109 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Vigésima Quarta Câmara Cível, 31-08-2022

Data de Julgamento31 Agosto 2022
ÓrgãoVigésima Quarta Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50017947520208210109
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002505215
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

24ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5001794-75.2020.8.21.0109/RS

TIPO DE AÇÃO: Bancários

RELATOR: Desembargador FERNANDO FLORES CABRAL JUNIOR

APELANTE: MARINO CAMPAGNOLO (AUTOR)

APELADO: BANCO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL S/A - BANRISUL (RÉU)

RELATÓRIO

Trata-se de apelação cível interposta por MARINO CAMPAGNOLO da sentença que julgou improcedente os pedidos formulados na ação declaratória de inexistência de débito com pedido de indenização por danos morais ajuizada contra BANCO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL S/A - BANRISUL(Evento 44), cujo dispositivo foi redigido nos seguintes termos:

Diante do exposto, JULGO IMPROCEDENTES os pedidos formulados por MARINO CAMPAGNOLO contra o BANCO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL S/A, com fundamento no artigo 487, inciso I do CPC.

Custas processuais e honorários advocatícios da parte adversa pelo autor, os quais fixo em 10% sobre o valor atualizado da causa, nos termos do art. 85, §2° do CPC. Suspensa a exigibilidade, pois o autor goza de gratuidade judiciária.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Considerando o disposto no artigo 1.010, § § 1º, 2º e 3º do CPC, interposto recurso de apelação, intime-se o apelado para contrarrazões e em seguida remeta-se ao Tribunal de Justiça. Observar, hipótese do (§ 2º do dispositivo citado).

Transitada em julgado, arquive-se.

Em razões recursais, destaca o apelante que jamais entregou o seu cartão para terceiros. Defende que o plástico não saiu de sua posse. Pondera que os saques por ele impugnados foram efetuados mediante a clonagem de sua tarjeta e que estes evidenciariam a fragilidade do sistema fornecido pela instituição financeira ré. Salienta a resistência do banco réu em fornecer documentação que comprovem as diligências realizadas para a averiguação da clonagem de seu plástico, como vídeos das câmeras de segurança. Preconiza que a responsabilidade pelo fornecimento das provas da origem dos saques competia ao demandado. Colaciona julgados em abono a sua pretensão. Pugna pela condenação da parte ré ao pagamento de indenização por danos morais. Requer o redimensionamento dos ônus sucumbenciais. Pede provimento (Evento 36).

Foram apresentadas contrarrazões pela parte ré no Evento 40.

É o relatório.

VOTO

A apelação interposta no Evento 36 é tempestiva, pois o prazo para recorrer da sentença iniciou em 28/01/2022 (Evento 33) e o recurso foi interposto em 17/02/2022 (Evento 36). Além disso, a parte apelante é beneficiária da gratuidade judiciária, sendo dispensada do pagamento do preparo (Evento 8). Dessa forma, considerando que o recurso é próprio, tempestivo e dispensa o preparo, recebo a apelação interposta e passo ao exame do recurso.

RESPONSABILIDADE CIVIL DAS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS. FALHA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. INOCORRÊNCIA.

Verifico que a petição inicial traz hipótese de saques realizados com o cartão de débito de titularidade da parte autora, ao que tudo indica, de maneira fraudulenta, pois negada, na inicial, a realização das operações.

Importa destacar que a instituição financeira administradora do cartão de crédito deve responder por eventuais danos causados ao cliente em decorrência de fraudes praticadas por terceiros - risco do empreendimento -, salvo se provar a ocorrência de uma das causas que excluem o próprio nexo causal, enunciadas no § 3º do art. 14 do CDC, quais sejam, a inexistência do defeito (falha na prestação do serviço) e a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.

Esta é, aliás, a orientação do Superior Tribunal de Justiça decorrente do julgamento do Recurso Especial n. 1.199.782/PR, conforme incidente de processo repetitivo, in verbis:

RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. JULGAMENTO PELA SISTEMÁTICA DO ART. 543-C DO CPC. RESPONSABILIDADE CIVIL. INSTITUIÇÕES BANCÁRIAS. DANOS CAUSADOS POR FRAUDES E DELITOS PRATICADOS POR TERCEIROS

RESPONSABILIDADE OBJETIVA. FORTUITO INTERNO. RISCO DO EMPREENDIMENTO. 1. Para efeitos do art. 543-C do CPC: As instituições bancárias respondem objetivamente pelos danos causados por fraudes ou delitos praticados por terceiros - como, por exemplo, abertura de conta corrente ou recebimento de empréstimos mediante fraude ou utilização de documentos falsos -, porquanto tal responsabilidade decorre do risco do empreendimento, caracterizando-se como fortuito interno. 2. Recurso especial provido. (REsp 1199782/PR, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 24/08/2011, DJe 12/09/2011). – grifei.

Acerca do tema, o Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula nº. 479, cujo enunciado, por oportuno, ora transcrevo, in verbis:

As instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias.

Especificamente sobre o caso ora analisado, destaca Sergio Cavalieri Filho que:

Se os riscos do negócio correm por conta do empreendedor, forçoso será então concluir que, à luz do Código do Consumidor, o furto, o roubo ou o extravio do cartão de crédito é risco do empreendimento, e, como tal, corre por conta do emissor. O titular do cartão só poderá ser responsabilizado se ficar provada a sua culpa exclusiva pelo evento, consoante § 3º, II, do art. 14 do Código de Defesa do Consumidor1.

Pois bem.

No caso dos autos, tenho que a pretensão deduzida na petição inicial não merece acolhida, conforme passo a demonstrar.

No caso em tela, denota-se que o autor afirma na exordial que, em novembro de 2019, ao pretender adquirir notebook com o seu cartão de débito, foi surpreendido com a informação de que seu saldo em conta era insuficiente. Salienta que, confuso com a situação, notadamente porque alega que seu salário havia sido depositado alguns dias antes em tal conta, solicitou que foi repetida a operação, a qual foi novamente negada. Pondera ter se deslocado até uma agência do banco réu a fim de obter extrato de sua conta bancária, oportunidade na qual refere ter se surpreendido com a existência de diversos saques que desconhece. Ressalta que, ao contatar a parte ré, foi informado de que tais saques seriam decorrentes de clonagem de seu cartão de débito. Preconiza não ter entregue seu plástico a terceiros.

Neste cenário, sustenta a parte autora a ocorrência de falha na prestação de serviços da instituição financeira ré, ao argumento de que esta deixou de adotar as cautelas necessárias a impedir a utilização fraudulenta de sua tarjeta.

Entretanto, da análise da documentação colacionada aos autos, entendo que, a despeito da disciplina prevista no art. 373, I, do CPC, inexiste prova mínima a amparar a tese defendida pelo autor, de que seu cartão fora clonado e utilizado indevidamente por terceiro para a realização de saques que não reconhece.

Nota-se que os saques controvertidos pelo autor afastam a conclusão de que fora vítima de golpe, porquanto não só foram realizados durante considerável período de tempo (02/09/2019 a 21/09/2019), mas também em conta bancária por ele regularmente movimentada, sobretudo por ser nela creditado seu salário (Evento 1 - Extr5/Extr7).

Vale dizer, não se mostra crível que o demandante, ao longo de dois meses, a existência de inúmeros saques em sua conta bancária, sem percebê-los, notadamente porque, como já referido, seu salário era creditado em tal conta, o que, ao fim e ao cabo, permite a conclusão de que os valores alegadamente sacados teriam comprometido substancialmente sua renda mensal.

A corroborar tal compreensão, depreende-se que, no boletim de ocorrência policial lavrado pelo autor (Evento 1 - Out4), em 08/11/2019, isto é, há mais de dois meses do alegado primeiro indevido (02/09/2019), ele nada menciona quanto aos supostos saques indevidos em sua conta bancária, conforme se verifica:

Com efeito, ainda que se trate de relação de consumo, a parte autora não está isenta de provar, mesmo que minimamente, a existência do fato constitutivo sobre o qual fundamenta sua pretensão, a teor do artigo 373, inciso I, do Código de Processo Civil.

Nesse cenário, de fato, um dos princípios cardeais do Código de Defesa do Consumidor é o da inversão do ônus da prova, conforme artigo 6º, inciso VIII, quando for verossímil a alegação do requerente, segundo as regras ordinárias de experiência.

No entanto, para se inverter o ônus da prova, é imprescindível que a parte autora traga aos autos prova mínima, apta a comprovar a verossimilhança de suas alegações.

Nesse sentido, cito precedentes desta Câmara, inclusive, de minha relatoria:

APELAÇÃO CÍVEL. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. AÇÃO REVISIONAL. CARTÃO DE CRÉDITO. AUSÊNCIA DE PROVA MÍNIMA. A inversão do ônus da prova, tratando-se de relação de consumo, é viável, desde que realizada a prova mínima da existência do direito alegado pelo autor (art. 373, I,...

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