Acórdão nº 50017957020198210020 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Terceira Câmara Cível, 31-03-2022

Data de Julgamento31 Março 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50017957020198210020
ÓrgãoDécima Terceira Câmara Cível
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001770098
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

18ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5001795-70.2019.8.21.0020/RS

TIPO DE AÇÃO: Contratos Bancários

RELATOR(A): Des. JOAO MORENO POMAR

APELANTE: MARIBEL SILVA DE VARGAS (AUTOR)

APELADO: BANCO DIGIMAIS S.A. (RÉU)

EMENTA

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO REVISIONAL. - COMPETÊNCIA INTERNA. ALIENAÇÃO fiduciária. discussão da cláusula de garantia. Os recursos nas ações que tenham como causa contrato de financiamento ou empréstimo sob alienação fiduciária, revisionais, execuções, indenizatórias ou de busca e apreensão, quando tem em lide discussão sobre a cláusula de garantia e posse do bem são de competência das Câmaras que integram o 7º Grupo Cível. Aplicação do Regimento Interno. Precedentes.

COMPETÊNCIA DECLINADA.

DECISÃO MONOCRÁTICA

MARIBEL SILVA DE VARGAS apela da sentença proferida nos autos da ação revisional ajuizada contra BANCO DIGIMAIS S.A., assim lavrada:

Vistos.

MARIBEL SILVA DE VARGAS, qualificada na inicial, ajuizou ação de revisão de contrato em face do BANCO A. J. RENNER S.A., igualmente qualificado. Alegou que aderiu a contrato de financiamento para a aquisição do veículo Fiat Uno Vivace 1.0 5P/075CV, ano/modelo 2010/2011, placa IRF-2486, pactuando o pagamento de 48 parcelas de R$ 620,96 (seiscentos e vinte reais e noventa e seis centavos). Aduziu que o demandado realizou a cobrança de cláusulas abusivas, o que justificou o ajuizamento da demanda. Discorreu sobre as matérias que entendeu aplicáveis à espécie. Por fim, requereu em antecipação de tutela, a proibição de inscrição de seu nome junto aos órgãos de proteção de crédito, a manutenção do veículo em sua posse e a autorização para depósito das parcelas que entende devidas. Ao final, pugnou pela aplicação do CDC, e a procedência do feito para: fixar os juros remuneratórios na taxa média de mercado, afastar a capitalização mensal de juros, limitar a multa em 2%, afastar as tarifas (IOF, tarifa de abertura de crédito, tarifa de emissão de carnê, serviço de terceiro, registro de contrato, seguro, despesa de avaliação e título de capitalização) e a devolução dos valores cobrados a maior. Pugnou pela concessão do benefício da Assistência Judiciária Gratuita. Juntou documentos (fls. 15-26).

Recebida a inicial, restou deferida a concessão do benefício da Assistência Judiciária Gratuita à parte autora e denegada a tutela provisória (fls. 27-29).

Citado (fl. 35, verso), o banco demandado apresentou contestação (fls. 41-52). Discorreu sobre o contrato firmado entre as partes. No mérito, em síntese, teceu comentários acerca da legalidade dos encargos pactuados, alegando a ausência de abusividade e a expressa previsão legal. Sustentou a impossibilidade de reconhecimento de ofício de abusividade contratual. Discorreu sobre a revisão das taxas de juros, do método de capitalização e dos encargos moratórios. Afirmou ser incabível a devolução em dobro de valores, sob o fundamento de não haver abusividade no contrato. Teceu comentários sobre os pedidos liminares. Requereu o julgamento de improcedência dos pedidos. Acostou procuração e documentos (fls. 54-60).

Não houve réplica (fl. 61, verso).

Os autos vieram conclusos para sentença.

É o relatório.

Passo a fundamentar.

Cabível à espécie o julgamento antecipado da lide, nos termos do artigo 355, inciso I, do Código de Processo Civil, considerando que a matéria posta em causa é apenas de direito, passível de resolução pela prova documental acostada aos autos.

Delimitação da matéria.

Pelo que se extrai dos autos, verifica-se que o autor pretende a revisão do contrato para fixar os juros remuneratórios na taxa média de mercado, afastar a capitalização mensal de juros, limitar a multa em 2%, afastar as tarifas (IOF, tarifa de abertura de crédito, tarifa de emissão de carnê, serviço de terceiro, registro de contrato, seguro, despesa de avaliação e título de capitalização) e a devolução dos valores cobrados a maior. Pugnou pela concessão do benefício da Assistência Judiciária Gratuita. Juntou documentos (fls. 15-28).

Como se sabe, o processo civil brasileiro é contemplado pelos princípios dispositivo e inquisitivo, sendo que o primeiro se refere à limitação dos poderes de atuação do juiz, limitados à alegação das partes; o segundo autoriza a atuação de ofício do juiz nas causas em que haja interesse público envolvido. A modificação ex officio das cláusulas contratuais representaria flagrante violação ao princípio dispositivo, porquanto, não obstante o Código de Defesa do Consumidor seja considerado norma de ordem pública, a sua aplicação ao caso concreto é que pode ocorrer de ofício, contudo, a abusividade de determinada relação/cláusula contratual deve ser alegada e demonstrada pela parte. Esse entendimento está pacificado no Superior Tribunal de Justiça, que editou a Súmula 381, com a seguinte redação: Nos contratos bancários, é vedado ao julgador conhecer, de ofício, da abusividade das cláusulas.

Pois bem, devidamente delimitada a lide, passo à análise das questões trazidas pelas partes.

Da aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor.

Não há dúvidas de que aos contratos bancários aplicam-se as disposições do Código de Defesa do Consumidor, nos termos do § 2° do seu artigo 3°, não obstante a natureza da parte ou do contrato a revisar.

Isso porque o que deve ser levado em consideração é a própria relação de consumo, que caracterize o consumidor como destinatário final do serviço prestado pela instituição financeira, a impor a incidência das normas protetivas daquele diploma legal.

Ora, o requerido é fornecedor, e os autores, consumidores de dinheiro. Portanto, há relação de consumo. Até porque o parágrafo 2º do artigo do Código de Defesa do Consumidor inclui na definição de serviços as atividades de natureza bancária.

Nessa linha, posição consagrada pelo Egrégio Superior Tribunal de Justiça através da edição da Súmula 297, que preconiza: “O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras”.

Assim, sempre que se verificar a abusividade de cláusulas, com a consequente onerosidade excessiva para uma das partes da relação de consumo, independente da natureza da parte ou do negócio jurídico objeto de revisão, aplicam-se as normas do Código de Defesa do Consumidor. Em consequência, autorizada está a revisão judicial do contrato, a fim de adequá-lo à realidade social, ainda que não preenchido o suporte fático para a incidência da Teoria da Imprevisão.

De qualquer forma, registre-se que é incontroversa a validade dos contratos como um todo, discutindo-se apenas a validade de algumas cláusulas nele contidas, nos limites traçados pelos autores, consideradas injustas e abusivas, o que não importa em nulidade de todo o pacto, que permanece intacto.

Consigno, outrossim, que a simples adesividade do contrato firmado, por si só não nulifica o ajuste, pois é necessária à abrangência das relações negociais atuais, sendo imprescindível a demonstração pela parte autora da abusividade das cláusulas. Hodiernamente, tornou-se uma praxe a alegação de que contrato, simplesmente por ser de adesão, é abusivo, o que não é verdade, haja vista que dita técnica de formação contratual é reconhecida pelo próprio Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 54.

Ademais, consoante jurisprudência majoritária do Eg. Tribunal Gaúcho, é possível a revisão de contrato em sede de embargos à execução:

APELAÇÃO CÍVEL. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. EMBARGOS À EXECUÇÃO. REVISÃO CONTRATUAL. RENEGOCIAÇÃO/CONFISSÃO DE DÍVIDA. REVISÃO DOS CONTRATOS ORIGINÁRIOS. POSSIBILIDADE. 1. Conforme entendimento desta Corte, revela-se admissível, em sede de embargos à execução, a revisão dos contratos que originaram o instrumento de renegociação ou de confissão de dívida que embasou a ação de execução. Ademais, o Superior Tribunal de Justiça já se manifestou sobre o tema, aprovando a Súmula nº 286, que estabeleceu que "a renegociação de contrato bancário ou a confissão da dívida não impede a possibilidade de discussão sobre eventuais ilegalidades dos contratos anteriores". (...) (Apelação Cível Nº 70065372849, Décima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Umberto Guaspari Sudbrack, Julgado em 09/03/2016) – grifei.

Mérito.

Dos juros remuneratórios.

No que se refere aos juros remuneratórios, tenho que se fazem necessárias algumas considerações acerca da matéria.

Qualquer discussão a respeito da eficácia do artigo 192, § 3º, da Constituição Federal é descabida, na medida em que a referida norma constitucional restou expressamente revogada pelo advento da Emenda Constitucional nº 40/03. Ademais, a limitação dos juros em 12% ao ano, contida na norma revogada, estava condicionada à edição de lei complementar, consoante assentado na Súmula Vinculante nº 7 do Supremo Tribunal Federal: A norma do §3º do artigo 192 da Constituição Federal, revogada pela Emenda Constitucional nº 40/2003, que limitava a taxa de juros reais a 12% ao ano, tinha sua aplicação condicionada à edição de lei complementar.

Outrossim, a jurisprudência é pacífica no sentido de que não incide a Lei de Usura, quanto à taxa de juros, nas operações realizadas com instituições bancárias, posto que a Súmula 596 do Supremo Tribunal Federal, aliada às normas contidas na Lei nº 4.595/64, afirmam não estarem as entidades componentes do Sistema Financeiro Nacional vinculadas ao teto pretendido pelo demandante no que diz respeito às taxas de juros.

Tem-se admitido, no entanto, a possibilidade de limitação dos juros com base no Código de Defesa do Consumidor quando demonstrada – a partir da prova produzida a cargo do devedor – a abusividade ou excessiva onerosidade à parte hipossuficiente da relação.

Ou seja, só mediante demonstração de que a taxa de juros se afastou, sem qualquer razão, do percentual médio praticado,...

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