Acórdão nº 50018131120168210016 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Nona Câmara Cível, 07-12-2022

Data de Julgamento07 Dezembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50018131120168210016
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoNona Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003088450
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

9ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5001813-11.2016.8.21.0016/RS

TIPO DE AÇÃO: Indenização por dano moral

RELATOR: Desembargador CARLOS EDUARDO RICHINITTI

APELANTE: Joana Lima Ferreira (AUTOR)

APELANTE: ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RÉU)

APELADO: OS MESMOS

RELATÓRIO

Trata-se de apelações cíveis interpostas por JOANA LIMA FERREIRA e ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL em face da sentença das fls. 40/49 de Processo Judicial 9 que, nos autos da ação indenizatória por danos morais e materiais que a primeira move contra o segundo, julgou parcialmente procedente o pedido nos seguintes termos:

Ante o exposto, rejeito a impugnação ao valor da causa, afasto a preliminar de ilegitimidade ativa, e no mérito, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido formulado por JOANA LIMA FERREIRA contra o ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, para condenar o requerido ao pagamento do equivalente a 20 (vinte) salários mínimos nacional, nesta data, a ser atualizado pelo IPC-A a contar da data desta data e acrescido de juros de mora de acordo com a Lei 11.960/09 a contar do evento danoso, a título de indenização por danos morais, julgando improcedentes os demais pedidos.

Ante a sucumbência recíproca, arcará a parte autora com o pagamento de 30 % das custas, e o réu, com o restante.
Cada parte arcará com honorários ao procurador da parte adversa, sendo de 15% do valor da condenação, atualizado, ao patrono da autora, e de 05 % do valor da causa ao do demandado, considerando o disposto no art. 85 do NCPC, a instrução realizada e o tempo de tramitação do feito. A exigibilidade fica suspensa em relação à autora, em razão da AJG deferida.

Alega a autora, em síntese, que a sentença merece reforma quanto ao valor fixado a título de indenização por danos morais, defendendo que a condenação deve ser majorada para R$ 200.000,00. Diz que também devidos os danos materiais pleiteados, no valor de R$ 232.320,00 em razão da estimativa de vida de Paulo. Finalmente, reitera que faz jus à pensão mensal vitalícia de um salário mínimo. Pede o provimento do recurso com a majoração da indenização por danos morais, bem como a condenação do Estado ao pagamento de danos materiais de R$ 232.320,00 e de pensionamento vitalício no valor de um salário mínimo (fls. 3/7 de Processo Judicial 10).

O Estado do Rio Grande do Sul, a seu turno, defende a total improcedência do pedido, aduzindo que o regime de responsabilidade a ser aplicado é o subjetivo, pois lhe é atribuída responsabilidade por omissão. Aduz que o Instituto Penal de Ijuí (IPI) tem apenados no regime aberto e semiaberto, motivo porque não possui infraestrutura de segurança como a das penitenciárias. Refere que não tinha informações a respeito da desavença entre os apenados envolvidos, o que justifica a não-adoção de medidas extraordinárias de segurança. Informa que, no dia dos fatos, o aparato estatal estava presente e era suficiente, não havendo cogitar de omissão. Além disso, argumenta não haver nexo causal a justificar a sua responsabilização, pois caracterizada a excludente de culpa exclusiva de terceiro. Sucessivamente, caso mantida a sua responsabilização, defende a necessidade de redução da indenização por danos morais para cinco salários mínimos, bem como que os juros de mora devem incidir a partir da fixação da indenização. Colaciona jurisprudência. Pede o provimento da apelação com o julgamento de improcedência do pedido e, sucessivamente, com a redução da indenização por danos morais e incidência de juros moratórios a contar do arbitramento da indenização (fls. 13/24 de Processo Judicial 10).

Houve contrarrazões (fls. 8/12 de Processo Judicial 10 e Evento nº 25).

Nesta instância, o Ministério Público exarou parecer pelo parcial conhecimento e desprovimento do recurso da autora e pelo desprovimento da apelação do Estado do Rio Grande do Sul (Evento nº 8).

Vieram-me os autos conclusos para julgamento.

É o relatório.

VOTO

Caros Colegas, inicialmente, consigno que tem razão o Ministério Público ao afirmar inepta a apelação da autora quanto ao pedido de reforma relativo aos danos materiais. Isso pelo fato de que o recurso limitou-se a pedir a condenação do Estado ao pagamento dessas rubricas sem dedicar uma única linha a contrapor os fundamentos da sentença que as afastaram. Veja-se que a magistrada asseverou que não restou demonstrado que o apenado falecido trabalhava, possuía alguma fonte de renda e que a dedicava, ao menos em parte, à autora, tampouco a dependência econômico financeira da autora com relação ao seu companheiro.

Assim, porque violado o princípio da dialeticidade, não conheço da apelação da autora com relação ao pedido de reforma quanto aos danos materiais.

Quanto ao mais, recebo os recursos interpostos, porquanto atendidos os requisitos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade.

Narra a autora, na inicial, que possuía união estável com Paulo Rogério Fernandes, o qual cumpria pena no regime semiaberto no Instituto Penal de Ijuí (IPI). Ocorre que, no dia 07/04/2016, pela manhã, no pátio do IPI, foi alvejado por três disparos de arma de fogo efetuados por outro apenado, vindo a falecer. Afirma que sofreu imenso abalo moral com o fato. Diz que está cumprindo pena em regime fechado, portanto, impedida de trabalhar e prover o seu sustento próprio e o de sua família, razão por que faz jus a pensionamento vitalício no valor equivalente a um salário mínimo. Também defende ter direito a perceber indenização por danos materiais no valor de R$ 232.320,00, valor relativo a um salário mínimo mensal até que Paulo completasse 77,2 anos, expectativa média de vida do brasileiro, uma vez que dependia financeiramente dele. Colaciona doutrina e jurisprudência. Pede a concessão de tutela de urgência com a determinação de imediato pagamento de pensão no valor de um salário mínimo mensal e, ao fim, a confirmação da liminar e a condenação do Estado do Rio Grande do Sul ao pagamento de indenização por danos morais de R$ 200.000,00 e por danos materiais de R$ 232.320,00.

A sentença foi de parcial procedência, dela recorrendo ambas as partes que devolvem a este Órgão Julgador a questão relativa à (ir)responsabilidade do Estado; ao valor da indenização por danos morais e ao marco inicial de incidência dos juros de mora.

A regra geral da responsabilidade civil do Estado está esculpida no § 6º do artigo 37 da CF1, o qual determina que as pessoas jurídicas de direito público respondam objetivamente pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros.

Assim - fundado na teoria do risco administrativo - para a configuração da responsabilidade civil do Estado bastaria a demonstração do nexo de causalidade entre os danos causados e a conduta tanto das pessoas jurídicas de direito público quanto das de direito privado prestadoras de serviço público, sendo desnecessária a prova da culpa, ou seja, o ato não precisa ser ilícito, basta a comprovação do dano e o nexo causal entre a atividade estatal e o resultado danoso. Ademais, justamente por nosso ordenamento abarcar a teoria do risco mitigado, e não do integral – ressalvadas exceções legais –, que se admitem causas excludentes de responsabilidade como, em regra, a força maior, o caso fortuito e o fato exclusivo da vítima.

No que se refere a atos omissivos do poder público, consigno que, até certo tempo atrás, vinha entendendo que o regime de responsabilidade era o subjetivo, com base na teoria da falta do serviço e em precedentes do STF e do STJ. Ocorre que o STF, no julgamento do RE nº 841.526/RS2, Tema nº 592, ocorrido em 30/03/2016, estabeleceu que a responsabilidade civil do estado é sempre objetiva, havendo o Relator Min. Luiz Fux destacado duas premissas para a responsabilização estatal: 1) não se aplica a teoria do risco integral no âmbito da responsabilidade civil do Estado; 2) o Estado responde de forma objetiva pelas suas omissões, desde que presente a obrigação legal específica de agir para impedir a ocorrência do resultado danoso, em sendo possível essa atuação.

Dessa forma, porque assentado o entendimento pelo Guardião da Constituição, fundamento a responsabilidade civil do estado com relação à omissão também no regime da responsabilidade objetiva, sendo necessário aferir se o poder público tinha o dever legal de agir para evitar o dano e se era possível este agir. Se a resposta for negativa a qualquer dessas duas proposições, a responsabilidade não se evidenciará por ausência de nexo de causalidade.

Pois bem. No caso dos autos, a autora assevera que a morte de seu companheiro, recolhido ao IPI, decorreu da omissão estatal em garantir a sua incolumidade física.

Consigno que é incontroverso que Paulo Rogério Fernandes estava recolhido ao Instituto Penal de Ijuí onde faleceu na manhã do dia 07/04/2016 em decorrência de disparos de arma de fogo perpetrados por outro apenado enquanto estavam no banho de sol. A controvérsia reside no fato de a autora atribuir a morte de seu companheiro à falta de adequada segurança no estabelecimento prisional ao passo que o ente estatal afirma que havia pessoal suficiente naquela manhã prestando serviços no IPI e que o fato decorreu de culpa exclusiva de terceiro.

Em que pesem os argumentos do Estado do Rio Grande do Sul, tenho que o contexto probatório denota a sua responsabilidade pelo ocorrido, porquanto os agentes penitenciários que trabalhavam no Instituto Penal de Ijuí naquele dia 07/04/2016 foram uníssonos ao dizer que o estabelecimento não possui muro e que as janelas dão para a rua, sendo fácil inserir drogas, armas, celulares, bebidas etc. no local; e que não havia nenhum agente no pátio em que ocorrido o homicídio de Paulo Rogério, o qual apenas podia ser visualizado nos monitores do circuito interno...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT