Acórdão nº 50018146620208210012 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Sexta Câmara Criminal, 03-08-2022

Data de Julgamento03 Agosto 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50018146620208210012
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002267626
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

6ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Criminal Nº 5001814-66.2020.8.21.0012/RS

TIPO DE AÇÃO: Furto (art. 155)

RELATOR: Desembargador JOSE RICARDO COUTINHO SILVA

APELANTE: BRUNA DUARTE VARGAS (RÉU)

APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (AUTOR)

RELATÓRIO

O Ministério Público ofereceu denúncia contra BRUNA DUARTE VARGAS, com 26 anos de idade à época do fato, dando-a como incursa nas sanções do art. 157, caput, c/c o art. 14, inc. II, ambos do Código Penal, pela prática do seguinte fato delituoso:

“No dia 11 de setembro de 2020, por volta das 14h45min, em via pública, em frente à “Lenheira dos Anastácios”, localizada na Rua Julio de Castilhos, 2233, Centro, nesta Cidade, a denunciada BRUNA DUARTE VARGAS, deu início ao ato de subtrair, para si, mediante violência, coisa alheia móvel, dinheiro pertencente à vítima GUIMARÃES BORGES DA SILVA, não se consumando por circunstâncias alheias à vontade do agente.

Na ocasião, a denunciada tentou subtrair a carteira que estava no bolso da calça da vítima, quando esta percebeu e segurou o braço de BRUNA que reagiu, agarrando e puxando a vítima. Ato contínuo, ao perceber que havia sido visualizada cometendo o ato ilícito, empreendeu fuga do local.”.

Autuada em flagrante delito, foi o auto homologado e a prisão convertida em preventiva (evento 3, PROCJUDIC1, fls. 39/40).

A denúncia foi recebida em 27.11.2020 (Evento 3, doc. PROCJUDIC4, fl. 06, dos autos originários).

Citada (evento 3, PROCJUDIC4, fls. 10/12), a acusada apresentou resposta à acusação através de defensor constituído (evento 3, PROCJUDIC4, fls. 13/17).

Durante a instrução, foi ouvida a vítima, as testemunhas e interrogada a ré (evento 3, PROCJUDIC4, fl. 48, e evento 3, PROCJUDIC5, fls. 22/24).

Convertido o debate oral em memoriais, foram esses apresentados no evento 3, PROCJUDIC5, fls. 25/28 e 29/31.

Sobreveio sentença, considerada publicada em 27.09.2021 (evento 3, PROCJUDIC5, fl. 44), julgando procedente a ação penal para condenar a ré como incursa nas sanções do artigo 157, caput, c/c art. 14, inciso II, ambos do Código Penal, às penas de 03 anos, 05 meses e 10 dias de reclusão, em regime inicial semiaberto, e 10 dias-multa, à razão mínima. Foi mantida a prisão preventiva da condenada (evento 3, PROCJUDIC5, fls. 32/42).

Irresignada, a defesa interpôs apelação, pugnando, em suma, pela desclassificação do crime de roubo para o delito de exercício arbitrário das próprias razões (art. 345 do CP), eis que a ré agiu no intuito de saldar dívida que a vítima tinha consigo, em decorrência de "programa sexual" realizado em data anterior. Subsidiariamente, postulou seja considerada a dívida em alusão para o reconhecimento da atenuante genérica (art. 66 do CP), além do reconhecimento da atenuante da confissão espontânea (evento 3, PROCJUDIC6, fls. 16/20).

O Ministério Público apresentou contrarrazões (evento 3, PROCJUDIC6, fls. 24/28).

Em parecer, a Procuradoria de Justiça opinou pelo desprovimento do apelo (evento 8, PARECER1).

Esta Câmara adotou o procedimento informatizado e foi observado o artigo 613, inciso I, do Código de Processo Penal.

É o relatório.

VOTO

Preenchidos os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso, exceto quanto ao pedido de reconhecimento da atenuante da confissão espontânea, eis que já reconhecida na sentença e considerada para a redução da reprimenda.

Logo, ausente interesse recursal no ponto, não conheço do recurso nessa parte.

A materialidade e a autoria delitivas foram bem analisadas pelo ilustre Juiz de Direito, Dr. Diego Carvalho Locatelli, ao proferir a sentença, não sendo verificada qualquer inovação em sede de apelação em relação aos pontos analisados em primeiro grau, pelo que adoto seus fundamentos para evitar inútil tautologia (evento 3, PROCJUDIC5, fls. 32/42):

"(...)

Em análise detida do acervo probatório, denota-se que a materialidade do fato encontra-se consubstanciada pelo boletim de ocorrência das fls. 38v/39, pelo auto de restituição da fl. 40v., bem como pela prova oral coligida.

A prova oral alinha-se aos elementos informativos e probatórios supramencionados, corroborando a materialidade, e atestando a autoria do delito.

Vejamos.

Em seu interrogatório, a ré Bruna Duarte Vargas confessou ter tomado os valores do ofendido. Relatou que é garota de programa e prestou serviços à vítima no período da manhã, contudo, esta não quis lhe pagar. Referiu que encontrou a vítima na parada de ônibus e tentou pegar seu dinheiro. Confirmou ter colocado a mão no bolso da calça da vítima, oportunidade em que o motorista do ônibus agarrou-a, impedindo com que a ré consumasse o roubo. Consignou que, posteriormente, foi encontrada pela polícia em sua residência. Por fim, disse que já se envolveu com o consumo de crack e que pegaria o dinheiro para comprar mais entorpecentes (CD de fl. 135).

A vítima Guimarães Borges da Silva disse que, no dia dos fatos, estava sentado na parada de ônibus, aguardando para embarcar, quando uma moça sentou-se ao seu lado e lhe pediu que pegasse seu moletom. Em seguida, diante da negativa do depoente, este se levantou para embarcar, ocasião em que a ré colocou o pé no degrau do veículo e o agarrou das pernas, vindo a colocar a mão no bolso de sua calça. Ato contínuo, o depoente a pegou pela mão, oportunidade em caíram duas notas de R$ 100,00 e uma de R$ 10,00 no chão. Ao ser questionado, referiu que o motorista do ônibus o ajudou e impediu que a ré levasse o dinheiro (CD da fl. 135).

O policial militar Miguel Paz declarou que, no dia dos fatos, fazia patrulhamento de rotina quando foi avisado por Norton Silva acerca de uma ocorrência de furto em uma parada de ônibus, localizada em frente a “Lenheira dos Anastácios”. Na sequência, deslocou-se e obteve contato com a vítima, a qual contou o ocorrido. Asseverou que, de posse das informações fornecidas pela vítima, realizou buscas e deteve a suspeita em seguida, mais precisamente, na Rua Barão do Upacaraí nº 2581. Realizada a abordagem e revista pessoal da ré, esta admitiu ter tentado roubar a carteira da vítima em uma parada de ônibus, somente não logrando êxito porque a vítima reagiu. Ao final, frisou que a ré Bruna é conhecida pela Brigada Militar local (CD da fl. 135).

No mesmo sentido foi o depoimento do miliciano Airton Sérgio dos Santos Silva. Relatou que, no dia dos fatos, foi chamado para atender uma ocorrência de tentativa de roubo. Ao chegar no local, foi informado que o delito somente não se consumou porque a vítima reagiu. Consignou, ainda, que a ré confessou a autoria do crime (CD da fl. 135).

A testemunha Giovane dos Santos Silva, motorista do ônibus, narrou que, no dia dos fatos, estava chegando na parada de ônibus, ocasião em que avistou a ré agarrando a vítima. Declarou que, na oportunidade, a ré utilizava de bastante força para retirar o dinheiro do senhor. Ato contínuo, referiu que desceu do ônibus, a fim de prestar socorro à vítima e separar ambas as partes, sendo que, em seguida, a ré empreendeu em fuga, deixando o dinheiro cair no chão.

Ao final, confirmou que visualizou notas de cem reais no chão (CD da fl. 135).

Pois bem.

Percebe-se que os relatos feitos em juízo pela vítima são coerentes e convictos, estão despidos de ilações fantasiosas ou contradições, assim como mantiveram-se lineares ao que reportou na Delegacia de Polícia.

Pelo que se extrai do depoimento da vítima, a ré investiu contra ela para que pudesse pegar os valores que estavam no bolso de sua calça somente não se concretizando porque o próprio ofendido e o motorista do ônibus (a testemunha Giovane) a impediram.

Frisa-se que, na chegada dos milicianos ao local dos fatos, o ofendido soube descrever a ré, a qual, posteriormente, foi localizada já em sua residência e confessou a autoria do fato ora em comento.

Não há razão para desacreditar a narrativa do ofendido, não havendo razões, ainda que mínimas, para a vítima ter imputado à ré um fato criminoso. Por sinal, se esta fosse a intenção, muito possivelmente o ofendido teria atribuído fato mais grave à acusada.

Impende destacar que o crime de roubo ocorre em circunstâncias sorrateiras e clandestinas, quando não raramente os únicos presentes são a vítima e o autor do delito, razão pela qual a palavra do ofendido assume papel relevante. Nesse sentido, já deliberou o egrégio Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:

APELAÇÃO. ROUBO MAJORADO PELO EMPREGO DE ARMA E CONCURSO DE AGENTES. INSURGÊNCIA DEFENSIVA. PRELIMINAR. INDEFERIMENTO DE PERÍCIA. Injustificada a realização de perícia procrastinatória e de resultados certamente infrutíferos, que nada esclareceria, sendo que o caderno processual conta com outros meios de prova válidos. MATERIALIDADE E AUTORIA DELITIVAS. Devidamente demonstradas pela prova oral, notadamente em razão da palavra das vítimas, em consonância com os reconhecimentos operados, apontando sem sombra de dúvidas o réu como o autor do crime. MAJORANTE DO CONCURSO DE AGENTES. O intersubjetivo de vontades e a unidade de desígnios foram demonstrados pela conduta perpetrada pelos autores do crime, sendo prescindível a prova do acordo prévio de vontades. Majorante mantida. MAJORANTE DO EMPREGO DE ARMAS. A presença da arma vem demonstrada nos depoimentos judiciais colhidos. Caso em que o réu concorreu igualmente para a consumação do crime, respondendo igualmente pela prática do emprego de arma de fogo, em concurso de agentes, nos termos do art. 29, caput, do Código Penal. CONCURSO FORMAL DE CRIMES. A prova oral colhida dá conta que, além do automóvel, foram subtraídos dois telefones celulares e objetos pessoais de duas vítimas que ali se encontravam, não havendo que falar em crime único. PENA. Pena-base mantida no mínimo. Reincidência...

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