Acórdão nº 50018180620218210033 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Vigésima Terceira Câmara Cível, 13-12-2022

Data de Julgamento13 Dezembro 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50018180620218210033
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoVigésima Terceira Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002924508
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

23ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5001818-06.2021.8.21.0033/RS

TIPO DE AÇÃO: Cláusulas Abusivas

RELATORA: Desembargadora ANA PAULA DALBOSCO

APELANTE: EDIR TEIXEIRA (AUTOR)

APELANTE: BANCO BMG S.A (RÉU)

APELADO: OS MESMOS

RELATÓRIO

EDIR TEIXEIRA e BANCO BMG S.A interpõe recurso de apelação em face da sentença que julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados por OS MESMOS, nos seguintes termos:

Pelo exposto, mantenho os provimentos liminares anteriormente deferidos e JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos formulados pela parte autora para o fim de limitar os juros remuneratórios do contrato de empréstimo nº 1753124, à taxa média de mercado à época da contratação (6,10% a.m.), condenando o réu à devolução dos valores cobrados em excesso, subtraindo-os, se for o caso, das parcelas vincendas, com a repetição simples do indébito caso exista crédito em favor da parte autora após a compensação dos valores, rejeitando os demais pedidos. O valor deverá ser corrigido monetariamente pelo IGP-M a partir de cada desembolso e acrescido de juros de mora de 1% ao mês a contar da data da citação.

Sucumbência parcial e recíproca, autoriza a divisão, metade para cada parte, das custas processuais. Honorários de cada patrono, fixados em R$1000,00 (um mil reais) custeados pela parte adversa. Suspensa a exigibilidade à parte autora, em razão da gratuidade judiciária.

Em suas razões, o banco apelante sustenta a impossibilidade de limitação dos juros remuneratórios, devendo prevalecer aqueles livremente pactuados. Pugna pelo afastamento da compensação do indébito e pela minoração dos honorários advocatícios.

Por sua vez, a parte autora apela para que seja aplicada a série de crédito pessoal total no cotejo de abusividade dos juros. Requer a majoração dos honorários advocatícios. Pede provimento.

Apresentadas contrarrazões, vieram os autos conclusos para julgamento.

É o relatório.

VOTO

ADMISSIBILIDADE DO RECURSO

Eminentes colegas.

Os recursos interpostos atendem aos pressupostos de admissibilidade, sendo próprios e tempestivos, havendo interesse e legitimidade das partes para recorrerem, merecendo conhecimento.

Assim, conheço dos recursos, os quais passo a analisar.

CONTEXTUALIZAÇÃO

Trata-se a presente demanda de ação revisional do contrato de cartão de crédito nº 1753124, na qual a sentença limitou os juros remuneratórios à taxa média de mercado e condenou o réu à devolução dos valores pagos a maior.

A instituição financeira ré, em recurso de apelação, insurge-se, defendendo a cobrança do encargo nos moldes pactuados e a minoração dos honorários advocatícios.

A parte autora, por sua vez, pugna pela troca da série utilizada para averiguação de abusividade dos juros. Requer a majoração dos honorários advocatícios.

Dito isso, passo ao exame da insurgência recursal.

DESCABIMENTO DA PRETENSÃO REVISIONAL. NÃO OBSERVÂNCIA AO PRINCÍPIO DO PACTA SUNT SERVANDA.

Sustenta a instituição financeira apelante o descabimento da pretensão revisional, ante a inobservância ao Princípio do Pacta Sunt Servanda.

O Código de Defesa do Consumidor, através do seu art. 6º, inciso V, consagrou o princípio da função social dos contratos, relativizando o rigor do “Pacta Sunt Servanda” e permitindo ao consumidor a revisão do contrato em duas hipóteses: por abuso presente à contratação ou por onerosidade excessiva derivada de fato superveniente.

Dessa forma, a proteção conferida ao consumidor é a mais ampla possível, envolvendo tanto o direito à modificação contratual por abuso presente à contratação, quanto à revisão nos casos de obrigação de trato sucessivo, em que a modificação das condições subjacentes ao pacto tornem a prestação de uma das partes excessiva e desproporcional em relação àquela que cabe à outra parte.

No presente caso, a alegação é de abusividade na contratação.

Os contratos sub judice são pactos de adesão, uma vez que se tratam de formulários impressos onde as condições gerais são pré-estabelecidas pela instituição financeira e impostas ao consumidor sem qualquer possibilidade de discussão das suas cláusulas. A única possibilidade que o consumidor tem, no caso, é a de escolher entre contratar ou não. Uma vez decidindo pela realização do contrato, não tem mais qualquer ingerência sobre o tipo de contrato a ser firmado bem como sobre as cláusulas a serem pactuadas.

Na espécie, o desequilíbrio contratual já existia à época da contratação, hipótese da primeira parte do inciso V do art. 6º do CDC.

Nesse sentido:

APELAÇÃO CÍVEL. CONTRATOS DE CARTÃO DE CRÉDITO. AÇÃO REVISIONAL. ERRO MATERIAL. CORREÇÃO DE OFÍCIO. Cumpre corrigir, de ofício, erro material constante da sentença. APELAÇÃO DA PARTE RÉ. JUROS DE MORA. AUSÊNCIA DE INTERESSE RECURSAL. Tópico não conhecido. PACTA SUNT SERVANDA E REVISÃO JUDICIAL DOS CONTRATOS. Diante da aplicação do art. 6º, inciso V, do CDC que consagra o princípio da função social dos contratos, o Princípio do Pacta Sunt Servanda restou relativizado. Outrossim, amparada em preceitos constitucionais e nas regras de direito comum, a revisão judicial dos contratos bancários é juridicamente possível. APELAÇÃO DA PARTE AUTORA DESPROVIDA. (Apelação Cível Nº 70070750286, Vigésima Quarta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Altair de Lemos Junior, julgado em 26/10/2016).

Assim, afastada a alegação de inobservância ao princípio do Pacta Sunt Servanda.

LIMITAÇÃO DOS JUROS. TAXA DO BACEN.

A apelante, faz longa explanação acerca da impossibilidade de limitação dos juros remuneratórios à taxa média divulgada pelo BACEN. Requer, em suma, a não aplicação, na aferição da abusividade contratual (taxa do BACEN), porquanto os juros foram livremente pactuados.

Em que pesem as bem elaboradas razões de defesa e sua consistência, não vejo como acolhê-las.

O argumento de que as taxas foram livremente pactuadas, no qual obriga a recorrente a enfrentar riscos maximizados na realização de seus créditos, não elide nem neutraliza a evidência de que está cobrando taxas superiores à média mensal aferida pelo BACEN. E isso a enquadra nos precedentes do STJ que consideram a ultrapassagem daquela média como indicativa da abusividade na cobrança dos encargos do empréstimo.

Importante referir que o paradigma do STJ, não faz distinção para casos específicos, mas ao contrário, estabelece um critério único e objetivo a ser observado no exame da abusividade da cláusula de pactuação dos juros remuneratórios em todos os contratos de empréstimo.

Por esse prisma, não se pode criticar a eleição dessa taxa média como referencial pelo STJ, eis que, a priori, não se vislumbra, por ora, outra mais adequada do que esta para operar como padrão médio.

Diante disto, passo ao exame da existência ou não da abusividade dos juros, sob o enfoque do Recurso Repetitivo nº 1.061.530/RS.

JUROS REMUNERATÓRIOS

Sabe-se que os juros remuneratórios cobrados pelas instituições financeiras não mais sofrem as limitações da Lei da Usura, consoante determinando na Súmula nº 596 do STF:

Súmula nº 596: As disposições do Decreto 22.626/1933 não se aplicam às taxas de juros e aos outros encargos cobrados nas operações realizadas por instituições públicas ou privadas, que integram o sistema financeiro nacional.

No mais, a limitação dos juros remuneratórios a partir da aplicação do Código de Defesa do Consumidor depende da comprovação da abusividade, verificada caso a caso, a partir da taxa média de mercado registrada pelo BACEN à época da contratação e conforme a natureza do crédito alcançado (crédito pessoal, cheque especial, capital de giro), ou seja, que não se caracteriza somente pelo fato da pactuação ser em percentual superior a 12% ao ano. Esse, ademais, é o sentido da Súmula n.º 382 do STJ: A estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, por si só, não indica abusividade.

Consequentemente, quando restar demonstrada a exorbitância do encargo, admite-se o afastamento do percentual de juros avençado pelas partes contratantes.

Nesse contexto, o Julgamento efetuado pela 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça no REsp nº 1.061.530/RS, julgado pela sistemática dos recursos repetitivos:

ORIENTAÇÃO 1 - JUROS REMUNERATÓRIOS

a) As instituições financeiras não se sujeitam à limitação dos juros remuneratórios estipulada na Lei de Usura (Decreto 22.626/33), Súmula 596/STF;

b) A estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, por si só, não indica abusividade;

c) São inaplicáveis aos juros remuneratórios dos contratos de mútuo bancário as disposições do art. 591 c/c o art. 406 do CC/02;

d) É admitida a revisão das taxas de juros remuneratórios em situações excepcionais, desde que caracterizada a relação de consumo e que a abusividade (capaz de colocar o consumidor em desvantagem exagerada – art. 51, §1º, do CDC) fique cabalmente demonstrada, ante às peculiaridades do julgamento em concreto.

Assim, no norte trilhado pelo eg. STJ, para verificação da configuração, ou não, de abusividade, deve-se fazer o confronto entre as taxas de juros cobradas pela instituição financeira e as constantes da tabela divulgada pelo BACEN para as mesmas operações de crédito1.

Quanto ao pedido do autor para aplicar a série de crédito pessoal total, resta desprovido. Visto que a série requisitada abrange todos tipos de contrato de crédito pessoal, sua taxa difere da realidade contratual em tela (crédito pessoal não consignado - série 25464).

Dito isso é que, no presente caso, verificado que os encargos praticados no contrato revisando excedem à taxa média de mercado divulgada pelo Banco Central (6,10% versus 18,00%), conforme assentado pela sentença recorrida, resta caracterizada a abusividade, que deverá ser revista.

O REsp nº 1.061.530/RS, foi...

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