Acórdão nº 50018218620208210132 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Vigésima Quarta Câmara Cível, 23-02-2022

Data de Julgamento23 Fevereiro 2022
ÓrgãoVigésima Quarta Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50018218620208210132
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001690928
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

24ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5001821-86.2020.8.21.0132/RS

TIPO DE AÇÃO: Contratos Bancários

RELATOR: Desembargador FERNANDO FLORES CABRAL JUNIOR

APELANTE: GILBERTO CELESTE DE SOUZA (Curador) (AUTOR)

APELANTE: PAULO ROBERTO DE SOUZA (Absolutamente Incapaz (Art. 3º CC)) (AUTOR)

APELANTE: CREFISA SA CREDITO FINANCIAMENTO E INVESTIMENTOS (RÉU)

APELADO: OS MESMOS

RELATÓRIO

Trata-se de examinar apelações interpostas por CREFISA SA CREDITO FINANCIAMENTO E INVESTIMENTOS e por PAULO ROBERTO DE SOUZA, representado pelo seu curador GILBERTO CELESTE DE SOUZA, em face da sentença que julgou parcialmente procedente a pretensão deduzida na ação declaratória de nulidade contratual com pedido de indenização por danos morais ajuizada por este contra aquele, cujo dispositivo foi redigido nos seguintes termos (Evento 43):

Ante o exposto, JULGO PROCEDENTES, EM PARTE, OS PEDIDOS, para (i.) anular o contrato de empréstimo pessoal nº 033160022164, por vício de vontade do Requerente, nos termos do art. 171, I, do Código Civil, (ii.) determinar à Ré que suspenda os débitos em conta em razão desta operação, confirmando, no ponto, a decisão que concedeu a tutela antecipada (evento 03), (iii.) condenar a Ré a restituir ao Autor o valor que foi debitado na conta-corrente do consumidor, de forma simples, devendo tais valores ser corrigidos monetariamente pelo IGP-M e acrescidos de juros de mora de 1% ao mês, a contar de cada consignação indevida, autorizada a compensação com o crédito que foi concedido ao Requerente (R$ 2.291,91 – Evento 11, OUT12), e (iv.) determinar ao Autor que restitua o valor excedente resultante da operação de subtração entre o crédito que lhe foi concedido e o montante que deve ser restituído, o qual deve ser corrigido monetariamente pelo IGP-M e acrescido de juros de mora de 1% ao mês desde a data da interpelação judicial da pretensão (que ocorreu, no caso, com a réplica – 06.08.2020 – evento 15).

Diante da sucumbência recíproca, condeno (i.) o Autor ao pagamento de 50% das custas processuais e de honorários advocatícios que fixo em R$ 1.200,00 (um mil e duzentos reais) e (ii.) a Ré ao pagamento de 50% das custas processuais e de honorários advocatícios que fixo em R$ 1.200,00 (um mil e duzentos reais), forte no art. 85, § 8º, do Código de Processo Civil, considerando a complexidade da causa, o tempo decorrido desde o ajuizamento da ação e o trabalho dos procuradores, suspendendo a exigibilidade em face da gratuidade de justiça (evento 03) e vedada a compensação (art. 85, § 14, do Código de Processo Civil).

Publique-se.

Registre-se.

Intimem-se.

Em razões recursais, a parte ré defende a inexistência de qualquer nulidade na contratação. Preconiza que, no ato da celebração do contrato, o autor foi devidamente informado acerca de todas as condições contratuais, como valor das parcelas, taxas de juros e data de vencimento. Destaca que, em momento algum, poderia presumir que a parte autora era incapaz para os atos da vida civil. Salienta que o documento de identidade do demandante não possui qualquer averbação sobre a sua interdição. Ressalta que, se o autor é incapaz, deveriam os seus familiares ter se cercado de garantias de que ele não pudesse celebrar negócios jurídicos. Enfatiza que o contrato em apreço não pode acarretar ônus indenizatórios à instituição financeira. Defende ter tomado todas as cautelas possíveis com o intuito de ter certeza de que havia contratado efetivamente com o autor. Argumenta que, na própria sentença, constou que o banco réu não tinha ciência da interdição do consumidor. Discorre sobre a disciplina presente no art. 9º, III, do Código Civil, bem como no art. 100, §1º, da Lei de Registros Públicos. Menciona inexistir qualquer registro público da interdição. Alude que as relações civis devem ser fundadas e interpretadas tendo por norte a boa-fé objetiva. Reitera a legalidade do contrato nº 033160022164, sob o argumento de que o valor contratado foi utilizado pelo demandante ou por quem possui gerência de sua conta bancária. Aduz que, inobstante o curador do autor se surpreenda com os descontos impugnados nos autos, não estranhou o valor que foi depositado na conta bancária da parte autora. Assevera que a irresignação começou somente após os descontos terem sido iniciados. Explana sobre a soberania e a autonomia de vontade dos contratantes. Postula o afastamento da condenação à restituição do indébito. Pleiteia seja dado provimento ao presente recurso, com a finalidade de ser julgada totalmente improcedente a presente demanda.

A parte autora, nas razões de apelo, requer, preliminarmente, a manutenção do benefício da gratuidade judiciária. No mérito, pugna seja determinada a repetição em dobro do indébito, alegando que se trata de hipótese de contrato nulo, sem a concordância do curador da parte contratante. Pleiteia a condenação da parte ré ao pagamento de indenização por danos morais no montante de 15 salários mínimos. Colaciona julgados em abono a sua pretensão. Destaca a necessidade de readequação do valor da condenação em honorários. Postula o redimensionamento dos ônus sucumbenciais, com a fixação de honorários em 20% do valor da condenação. Pede provimento.

Foram apresentadas contrarrazões pela parte autora (Evento 64), enquanto a parte ré deixou o prazo para tanto transcorrer in albis (Evento 63).

O Ministério Público apresentou parecer neste grau recursal (Evento 11), manifestando-se pelo desprovimento das apelações.

É o relatório.

VOTO

As presentes apelações dos Eventos 53 e 55 são tempestivas, dado que o prazo para a parte ré recorrer iniciou em 26/05/2021 e findou em 16/06/2021 (Evento 44), sendo que essa interpôs apelação em 14/06/2021 (Evento 53); da mesma forma, prazo para a parte autora recorrer iniciou em 07/06/2021 e findou em 25/06/2021 (Eventos 45 e 46), tendo sido seu recurso interposto em 25/06/2021 (Evento 55). Ademais, a parte autora é beneficiária da gratuidade de justiça, sendo dispensada do recolhimento (Evento 3), enquanto a parte ré comprovou o recolhimento do preparo (Evento 52). Assim, considerando que os recursos são próprios e tempestivos, recebo as apelações e passo ao exame da insurgência recursal.

1. GRATUIDADE JUDICIÁRIA.

Requer a parte autora a manutenção da gratuidade judiciária.

Pois bem.

Quando o benefício da gratuidade judiciária for deferido, a eficácia da sua concessão prevalecerá, independentemente de renovação de seu pedido, em todas as instâncias e para todos os atos do processo, alcançando, inclusive, as ações incidentais ao processo de conhecimento, os recursos, as rescisórias, assim como o subsequente processo de execução e eventuais embargos à execução.

Assim, depois de a justiça gratuita ter sido concedida, ela irá perdurar automaticamente até o final do processo, e só perderá sua eficácia se o juiz ou o Tribunal expressamente revogarem caso haja comprovada alteração da situação econômico-financeira do beneficiário.

Assim, tendo em vista a concessão do referido benefício na decisão do Evento 3 e não havendo a revogação deste, carece a parte recorrente de interesse recursal com relação ao pedido de concessão da gratuidade judiciária, de modo que não merece ser conhecido o recurso do autor neste particular.

2. RESPONSABILIDADE CIVIL DAS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS NAS RELAÇÕES DE CONSUMO. FALHA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. OCORRÊNCIA.

O Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 3º, § 2º, incluiu expressamente a atividade de natureza bancária, financeira e de crédito no conceito de serviço.

Note-se:

Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.

§ 1° Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial.

§ 2° Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista – grifei.

Nesse contexto, o entendimento atual, tanto na doutrina como na jurisprudência dos Tribunais pátrios, é tranquilo acerca da aplicação do CDC nas operações bancárias, o que restou sumulado pelo Superior Tribunal de Justiça, inclusive:

Súmula nº 297: O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras.

Portanto, a responsabilidade contratual do banco é objetiva, nos termos do art. 14 do CDC, de modo que responde, independentemente de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços.

Reza o art. 14 do CDC:

O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

Trata-se de responsabilidade objetiva fundada na teoria do risco do empreendimento ou da atividade empresarial, segundo a qual, consoante doutrina de Sergio Cavalieri Filho:

(...) todo aquele que se disponha a exercer alguma atividade no mercado de consumo tem o dever de responder pelos eventuais vícios ou defeitos dos bens e serviços fornecidos, independentemente de culpa. Este dever é imanente ao dever de obediência às normas técnicas e de segurança, bem como aos critérios de lealdade, quer perante os bens e serviços ofertados, quer perante os destinatários dessas ofertas. A responsabilidade decorre do simples fato de dispor-se alguém a realizar atividade de produzir, estocar,...

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