Acórdão nº 50018315120188216001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Sétima Câmara Cível, 27-01-2022

Data de Julgamento27 Janeiro 2022
ÓrgãoDécima Sétima Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50018315120188216001
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001505665
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

17ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5001831-51.2018.8.21.6001/RS

TIPO DE AÇÃO: Responsabilidade civil

RELATOR: Desembargador GIOVANNI CONTI

APELANTE: ALPHAVILLE PORTO ALEGRE EMPREENDIMENTOS IMOBILIARIOS LTDA (RÉU)

APELANTE: VILLA NOVA DESENVOLVIMENTO URBANO LTDA. (RÉU)

APELADO: ANA MARIA SANFUSS LOPES (AUTOR)

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de apelação interposto por ALPHAVILLE PORTO ALEGRE EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS LTDA e VILLA NOVA DESENVOLVIMENTO URBANO LTDA, contrário à sentença que julgou procedente em parte a ação ordinária movida por ANA MARIA SANFUSS LOPES.

A fim de evitar tautologia, colaciono o relatório da sentença:

ANA MARIA SANFUSS ajuizou ação indenizatória em desfavor de VILLA NOVA DESENVOLVIMENTO URBANO LTDA e ALPHAVILLE PORTO ALEGRE EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS LTDA. Narrou que, na data de 24/10/2009, adquiriu o lote nº 195 do Condomínio Alphaville Porto Alegre Sul, ao preço de R$ 236.169,58. Aduziu que o prazo de entrega do imóvel era de 24 meses, a contar do lançamento do empreendimento, ocorrido na mesma data da aquisição em 24/10/2009, com previsão de prorrogação por 180 dias. Aduziu que, não obstante a obra devesse ter sido entregue em 04/2012, somente em 10/2014 os terrenos foram efetivamente entregues aos compradores. Discorreu sobre a impropriedade do contrato prever penalidades apenas para as hipóteses de inadimplemento do adquirente (cláusula 5.1) e não do vendedor/incorporadora. Revelou a total ausência de informações aos compradores sobre o empreendimento ter sido edificado em território destinado ao aterro sanitário ou depósito de resíduos urbanos pelo Departamento Municipal de Limpeza Urbana – DMLU, o que deu origem à discussões ambientais de grandes proporções, inclusive com a existência de TAC firmado pelas rés com o Ministério Público sobre a situação, a qual representará desvalorização do imóvel. Discorreu sobre os prejuízos material e moral suportados. Requereu declaração de nulidade da cláusula contratual que estabelece o prazo de prorrogação de 180 dias para a entrega do imóvel; e, ainda, a condenação solidária das rés ao pagamento de indenização por danos morais; danos materiais representados pela reversão da multa contratual de 2% e juros de mora correspondentes a 1,0% para cada mês de atraso da obra, e lucros cessantes. Pediu AJG. Juntou procuração (fl.20) e documentos. Deferida AJG (fl.133). Citada, a ré VILLA NOVA contestou (fl.137). Em preliminar, arguiu incorreção do valor da causa e prescrição. No mérito, defendeu a validade da cláusula de tolerância e discorreu sobre as características do empreendimento Alphaville. Apontou os eventos extraordinários que ocasionaram o atraso na entrega definitiva dos lotes e defendeu ausência de mora imputável ao empreendedor. Destacou inexistir qualquer risco ambiental e que o lote adquirido pela autora se encontra fora da área alvo de recuperação. Referiu a impossibilidade de inversão de cláusulas penais. Refutou os pedidos indenizatórios ante a ausência de danos comprovados, aduzindo que a valorização ou desvalorização dos lotes não se relacionam com qualquer conduta do empreendedor. Requereu a improcedência da ação. Juntou procuração (fl.171) e documentos. À fl. 236, a ré ALPHAVILLE contestou. Em preliminar, requereu a suspensão do feito em razão do Tema 971 do STJ e invocou prescrição trienal ao caso, além de impugnar a AJG concedida à demandante. No mérito, defendeu ausência de omissão quanto a regularidade ambiental da área do condomínio. Destacou que a área em que existiu os resíduos sólidos é de menos de 10% da área do empreendimento implantado e que os depósitos foram totalmente removidos, não havendo que se falar na existência de lixo no subsolo do lote da autora, ou, ainda, que a área estaria contaminada. Discorreu sobre o processo de recuperação ambiental da área, da validade da cláusula de prorrogação para entrega do lote e da ocorrência de caso fortuito que prejudicou a entrega do lote da autora, bem como a ausência de sua responsabilidade pelo atraso. Rechaçou a pretensão indenizatória por danos materiais e a ocorrência de danos morais. Requereu a extinção ou a improcedência da ação. Juntou procuração (fl. 274). Réplica (fl. 397). Ausente interesse na produção de outras provas (fls.418v,419).

E o dispositivo sentencial assim decidiu o feito:

Isso posto, julgo PARCIALMENTE PROCEDENTE a ação ajuizada por ANA MARIA SANFUSS LOPES em desfavor de VILLA NOVA DESENVOLVIMENTO URBANO LTDA e ALPHAVILLE PORTO ALEGRE EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS LTDA para CONDENAR, solidariamente, as requeridas: a)ao pagamento de multa de 2% incidente sobre o valor da obrigação principal ainda não vencida na data em que deveria ter ocorrido a efetiva entrega do imóvel. O valor será atualizado monetariamente pelo IGP-M, desde aquela data, e acrescido de juros de mora de 1% ao mês, contados da citação; e b)ao pagamento de indenização por danos morais, no valor de R$ 30.000,00, com incidência de correção monetária pelo IGP-M, desde o arbitramento, e de juros de mora de 1% ao mês, desde a citação. Em face a sucumbência recíproca, condeno as partes ao pagamento das custas processuais, na forma 'pro rata'. Condeno as rés, solidariamente, ao pagamento dos honorários advocatícios ao advogado da parte autora, no percentual de 15% do valor da condenação, e o autor ao pagamento de honorários advocatícios aos procuradores das rés, no valor de R$ 500,00, para cada. Não incidindo nenhuma das hipóteses previstas no §7º do art. 485 do CPC e havendo interposição de apelação, proceda-se na forma ora determinada, sem nova conclusão: 1. Dê-se vista ao apelado, por quinze dias, para que, querendo, apresente contrarrazões. 2. Decorrido o prazo acima fixado, com ou sem contrarrazões, remetam-se os autos ao Tribunal de Justiça, na forma do art. 1.010, §3º, do CPC. Transitada em julgado sem modificações e nada sendo requerido, arquive-se com baixa, independente de nova conclusão.

Irresignada, as rés interpuseram recurso de apelação. Em suas razões (Evento 5, PROCJUDIC10) narraram brevemente os fatos. Afirmaram que inexiste descumprimento contratual, eis que o atraso na entrega do empreendimento ocorreu em virtude de caso fortuito e de força maior, consubstanciado na tramitação de dois procedimentos administrativos instaurados após a venda dos lotes, bem como pela demora em aproximadamente 01 ano e meio até a Municipalidade expedir as cartas de habite-se. Referiram que no caso não cabe a inversão da cláusula penal ante a ausência de responsabilidade das apelantes quanto ao atraso na entrega do imóvel ou, alternativamente, requereram a redução da multa imposta. Explanaram não ser caso de condenação a indenização por danos morais. Alternativamente, requereram a redução do valor imposto pela sentença. Colacionaram jurisprudência. Ao final, requereram provimento do recurso.

Ausente contrarrazões.

Vieram os autos conclusos para julgamento.

É o relatório.

VOTO

Eminentes colegas.

Conheço do recurso, porquanto preenchidos os pressupostos de admissibilidade.

Trata-se de ação de indenização em decorrência de atraso de entrega de imóvel objeto de contrato de promessa de compra e venda entre as partes.

Destaco que ao caso em tela deve ser apreciado com base nas normas previstas no Código de Defesa do Consumidor.

Cumpre salientar, inicialmente, que o ponto de partida para aplicação da Lei 8078/90, é imprescindível que se afirme a aplicação da Constituição Federal de 1988, do Código de Proteção e Defesa do Consumidor (Lei 8078/90) e subsidiariamente dos instrumentos do Código de Processo Civil. Todos estes diplomas legais, aplicados em conjunto traçam o mapeamento jurídico pelo qual se deve vislumbrar a questão jurídica trazida para análise.

Restam caracterizados os conceitos de consumidor e fornecedor, nos exatos termos dos arts. e da Lei 8078/90, hipótese em que todo o seu sistema principiológico e todas as questões que permeiam a demanda, sob sua ótica devem ser tratados.

A Constituição Federal traçou o alicerce do sistema protetivo ao consumidor, considerado tanto em sua forma individual como coletiva. Por isso, em seu art. 170, inciso V, considerou a relação jurídica de consumo protegida com um dos princípios básicos da ordem econômica, elemento estrutural fundante de todas as normas e de toda a relação de consumo.

Em razão disso este dispositivo também deve ser lido em consonância com o que dispõe o art. 1º, inciso III, da CRFB/88, quando afirmar que a dignidade da pessoa humana é elemento informador de toda base constitucional, para um Estado que se diz Democrático de Direito. Há uma sintonia entre as normas da Constituição, devendo o intérprete buscar a força normativa destes Princípios que se espelham e intercalam para todo o sistema de proteção do consumidor, devendo ser concretizados através do Princípio da Proporcionalidade e da Máxima Efetividade.

Ora, tomando apenas por base a Lei 8078/90, é imprescindível que se reconheça a vulnerabilidade do consumidor. Não se trata de afastar este Princípio somente com a alegação de que a demandante não é consumidor considerado em sua feição individual. A vulnerabilidade está sempre presente na relação de consumo, como elemento básico e não se confunde com a Hipossuficiência (outra questão jurídica).

Cumpre, então, destacar e enfocar Princípio da Vulnerabilidade1, nesse sentido, é um conceito que expressa relação, somente podendo existir tal qualidade se ocorrer a atuação de alguma coisa sobre algo ou sobre alguém. Também evidencia a qualidade daquele que foi ferido, ofendido, melindrado por causa de alguma atuação de quem possui potência suficiente para tanto. Vulnerabilidade é, então, “o princípio pelo...

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