Acórdão nº 50018331520208210031 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Quinta Câmara Criminal, 24-02-2023

Data de Julgamento25 Novembro 2022,24 Fevereiro 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50018331520208210031
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoQuinta Câmara Criminal

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003204237
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

5ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Criminal Nº 5001833-15.2020.8.21.0031/RS

TIPO DE AÇÃO: Estupro de vulnerável CP art. 217-A

RELATORA: Desembargadora MARIA DE LOURDES GALVAO BRACCINI DE GONZALEZ

RELATÓRIO

Trata-se de embargos de declaração opostos por FÁBIO J. B. em face de acórdão proferido por este Órgão Fracionário, que negou provimento ao apelo interposto pela Defesa Constituída, assim ementado:

[...]

APELAÇÃO CRIMINAL. ESTUPRO DE VULNERÁVEL. ART. 217-A C/C ART. 226, INCISO II E ART. 71, DO CP. SUFICIÊNCIA PROBATÓRIA. CONDENAÇÃO MANTIDA. DESCLASSIFICAÇÃO DESACOLHIDA. PRECEDENTES DO STJ E TJRS.

Autoria e materialidade do crime de estupro de vulnerável sobejamente demonstradas nos autos, através da ocorrência policial, termos de declarações e prova oral colhida.

Contexto probatório em que inexistente elemento capaz de evidenciar interesse da ofendida ou dos demais familiares em incriminar gratuitamente o acusado. De acordo com o pacífico entendimento do Superior Tribunal de Justiça e desta Câmara, em crimes contra a liberdade sexual a palavra da vítima possui especial relevância, uma vez que, em sua maioria, são praticados de modo clandestino, devendo ser considerada, notadamente quando corroborada por outros elementos probatórios.

Desclassificação do crime de estupro para o delito de importunação sexual previsto no art. 215-A do CP, descabida. É presumida a violência na conduta de prática de ato libidinoso contra pessoa vulnerável, com o que inviável a desclassificação para o delito de importunação sexual, o qual pressupõe a ausência de violência. "Presente o dolo específico de satisfazer à lascívia, própria ou de terceiro, a prática de ato libidinoso com menor de 14 anos configura o crime de estupro de vulnerável (art. 217-A do CP), independentemente da ligeireza ou da superficialidade da conduta, não sendo possível a desclassificação para o delito de importunação sexual (art. 215-A do CP)”, conforme tese firmada no Tema 1121/STJ.

DOSIMETRIA. Pena-base fixada acima de mínimo legal, ante o tisne conferido à culpabilidade, que deve ser mantida pois devidamente fundamentada, considerando que o acusado cometia os delitos no interior da residência, lugar onde a ofendida, com tenra idade, deveria estar protegida e das circunstâncias do crime, devidamente negativadas, sob a justificativa de que o acusado, para garantir a impunidade dos crimes e continuar com o desiderato criminoso, prometia vantagens financeiras à ofendida, ludibriando-a com as promessas, fato que extrapola o ordinário. Na terceira fase, incide a causa de aumento prevista no artigo 226, inciso II, do Código Penal, pois o réu exercia título de autoridade sobre a ofendida, já que pai de seu padrasto à época (equivalente a seu avô), acarretando o aumento da pena em 1/2 (metade).

Tratando-se de continuidade delitiva, incide o disposto no art. 71 do Código Penal. Considerando que abusos perduraram desde os cinco anos de idade da infante e, se repetiram por dez vezes, é de ser mantido o aumento da pena em 2/3 (dois terços). Pena total inalterada.

APELAÇÃO CRIMINAL DEFENSIVA IMPROVIDA.

[...]".

Aduziu o embargante, em síntese, que o Colegiado, no julgamento da apelação, foi omisso no que tange ao reconhecimento da majorante previsto no artigo 226, inciso II do Código Penal, visto que à época dos fatos a vitima e o acusado não residiam mais juntos. Sustentou que não houve apreciação quanto ao pedido de afastamento da continuidade delitiva, prevista no artigo 71 do CP. Alegou, ainda, que o acordão indeferiu a assistência judiciária gratuita. Requer o recebimento e acolhimento dos embargos com efeitos infringentes, a fim de que seja reformada a decisão, com consequente novo apenamento.

Vieram os autos conclusos para julgamento.

É o relatório.

VOTO

Não merecem acolhimento os embargos de declaração opostos pela defesa, porquanto não configurada quaisquer das hipóteses do art. 619 do Código de Processo Penal.

Tal recurso tem por objetivo sanar obscuridade, omissão, dúvida ou contradição do julgamento.

No caso presente, no entanto, inocorrente quaisquer das precitadas hipóteses, conforme se verifica de sua transcrição:

"[...]

A materialidade delitiva restou comprovada pelo registro de ocorrência, pela certidão de nascimento, pelo laudo pericial, através dos áudios encartados no feito (1.1; 1.2; 1.4; 1.5), bem como pela prova colhida durante a instrução.

Visando evitar tautologia, adoto, inicialmente, a transcrição dos depoimentos judiciais procedida pelo juízo a quo:

"[...]

O réu Fabio, quando ouvido, negou a autoria dos fatos, dizendo que passava mais tempo trabalhando do que em casa, e que a acusação foi fruto de desavenças mantidas com a avó paterna da ofendida que, inclusive, lhe agrediu em uma oportunidade, porque queria que Tauane, mãe da vítima, voltasse a conviver com seu filho.

Não praticou nenhum dos fatos do que lhe foi imputado, alegando que jamais cometeria nenhum tipo de abuso e aliciamento com Isadora, e o seu relacionamento com ela sempre foi de amor e carinho, e na época, ela não era a única criança em casa. Argumentou que o único horário que estava presente em casa era de manhã, pois estava sempre trabalhando em seu táxi, que chegava em casa às cinco, seis horas, dias de semana, e no final de semana ainda chegava mais tarde, oito horas da manhã, trabalhava no Star, ficava em casa até meio dia, uma hora, e saia para trabalhar de novo, levava a esposa junto, pois ela trabalhava de tarde, então de tarde nunca ficava em casa, negando novamente os fatos. Questionado pelo Magistrada, disse não ter parentesco algum com Isadora, sendo ela, apenas enteada do seu filho. Relatou que Fabiano, seu filho e Tauane, mãe de Isadora, tinha um relacionamento bastante conturbado, tinha épocas que a Tauane brigava e saía de casa, e época que residia junto, e que nunca faltou nada dentro de casa, que trabalhava e que sempre que possível ajudava eles. Indagado pela Magistrada sobre o motivo das acusações, disse que trabalha no clube da sua família, onde ajudava a administrar, e houve uma desavença com o pai da vítima com Tauane por ciúmes de Fabiano (seu filho), dentro do clube e a avó de Isadora estava junto, onde a avó paterna lhe agrediu, lhe dando um tapa e lhe cuspindo na cara, pois queriam que Tauane voltasse para o pai legítimo da vítima. Negou que Isadora tenha visto o fato do acusado ter sido agredido pela sua avó. Indagado, disse que a vítima morou algum tempo na sua residência. Asseverou que em um determinado dia o seu filho Fabiano, pediu para ir ver Isadora, pois já não estavam mais morando juntos, então, Fabiano visualizou a garota sentada no colo de outro menino, e seu filho então questionou que aquilo não eram modos de uma guriazinha ficar sentada junto com os guris, alegou que ficou no lado de fora esperando. Questionado pela defesa, quanto a um celular, o interrogado confirmou que daria um telefone de aniversário a pedido de Tauane. Relatou que Isadora nunca dormiu na sua cama, com sua esposa, e que a menina tinha até um quarto separado para ela, e que o acusado arrumaria mais ainda.

A vítima Isadora, por sua vez, relatou:

Tem oito anos de idade, mora com a sua mãe, com a sua tia, mais duas guriazinhas Eduarda e Maria Luiza e outro “guri”, que briga consigo por deixar a porta do banheiro aberta, mas não é bagaceiro. Disse que ser bagaceiro é fazer “as coisas que o Fabio fazia em mim”. O que falou para sua mãe era que Fábio mostrava o “piu piu” dele e o resto da história contou para sua avó. Contou para a avó que sempre que o Fabio ia tomar banho, ele queria que a vítima fosse junto. Alegou que tinha dois pais, que é o de sangue, que não ajuda e o pai de coração, que é Fabiano, filho do Fábio, e que sempre que ia dormir na casa de Fábio este queria que deitasse no meio, entre ele e sua tia, para ele ficar em cima dela fazendo movimentos (para frente e para trás), porém, a vítima não ia. Relatou que Fábio a ameaçou dizendo que ele daria um telefone para ela e alegou também que o mesmo “tentou enfiar o piu piu dele em mim”, porém, não deixou. Arguiu que quando o réu ia para o banho, ele queria que lambesse o piu piu dele, mas nunca fez. O réu queria que sentasse no colo dele, e sentou uma vez no colo, estava de roupa e não lembra como foi. Nenhuma vez ficou sem roupa. Indagada, ela informou que ele pedia para ela sentar no colo porque era gostoso. Quando o pai Fabiano saia, ela ficava com a tia Lidiane, aí o réu queria que dormisse no meio para fazer essas coisas. Um dia em que iria sair com Lidiane e o réu, e o Fábio ficou lhe beijando, mas ela não retribui, mas ele lhe forçou e acabou o beijando. Disse também que o réu “queria chupar o que eu tenho aqui no meio” apontando para a sua própria genitália, mas que não deixou. Questionada, respondeu que em, pelo menos, três vezes o acusado tentou que a vítima o lambesse o piu piu dele. Indagada se já viu o piu piu do ré disse que sim e que ele “tirava as pelezinhas do piupiu dele” e que isso também aconteceu por três vezes. Perguntada se o réu lhe tocou, Isadora confirmou, respondendo que “tocou aqui no meio”, apontando para a genitária, dizendo que estava de roupa nessa ocasião e que isso aconteceu duas vezes, e que estavam a sua tia e o Fabiano em casa. Fabiano dormia e a tia Lidiane ficava fazendo as atividades de casa. O acusado lhe dizia que com ela era mais gostoso que com a Lidiane, e que em um determinado dia quase contou para a mulher dele (a Lidiane), mas ele a interrompeu. Rememorou que um dia foi olhar desenho e o réu colocou na televisão mulheres e homens pelados, e estes colocavam “os coisinhas deles” nas mulheres. O réu somente dizia que era gostoso. Relatou que o réu...

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