Acórdão nº 50018368420188210048 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Quarta Câmara Criminal, 09-06-2022

Data de Julgamento09 Junho 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50018368420188210048
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoQuarta Câmara Criminal

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001733278
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

4ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Criminal Nº 5001836-84.2018.8.21.0048/RS

TIPO DE AÇÃO: Desacato (art. 331)

RELATOR: Desembargador NEWTON BRASIL DE LEAO

APELANTE: MARCOS PAULO COLLET DA COSTA (ACUSADO)

APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (AUTOR)

RELATÓRIO

1. Trata-se de apelação, interposta por MARCOS PAULO COLLET DA COSTA, contra decidir que, julgando parcialmente procedente a denúncia, o condenou como incurso nas sanções do artigo 331 c/c artigo 61 inciso I, ambos do Código Penal, às penas de 09 meses de detenção, no regime semiaberto, por fatos assim descritos na inicial acusatória:

“1º FATO:

No dia 06 de julho de 2018, por volta das 23h05min, na Rua Caetano Grendene, n.º 75, Bairro Centenário, nesta Cidade, o denunciado, MARCOS PAULO COLLET DA COSTA, opôs-se à execução de ato legal, mediante ameaça exercida contra policial militar, funcionário competente para executá-lo.

2° FATO:

Nas mesmas circunstâncias de data e local acima descritas, o denunciado, MARCOS PAULO COLLET DA COSTA, desacatou funcionário público no exercício da função.

CIRCUNSTÂNCIAS COMUNS AOS FATOS DELITUOSOS:

Na ocasião, policiais militares em patrulhamento de rotina abordaram o denunciado. Em revista pessoal, foi localizado com o agente um cigarro de maconha. Ato contínuo, ao ser conduzido para o Hospital Beneficente São Carlos, o denunciado resistiu à ação, inclusive fingindo desmaios, ocasião em que ameaçou o Policial Militar Dirceu Junior Garcia Quadros, dizendo que o “pegaria na rua”, com o intuito de evitar a execução de sua própria prisão. Em seguida, chamou os agentes de segurança pública de “pau no cu”.

O denunciado é reincidente"

Nas razões, sustentando insuficiência probatória e atipicidade da conduta, pugna por absolvição. Subsidiariamente, requer o redimensionamento da pena e a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos.

O recurso foi contra-arrazoado.

Em parecer, o Dr. Procurador de Justiça opina pelo improvimento do apelo defensivo.

Esta Câmara adotou o sistema informatizado, tendo sido atendido o disposto no artigo 613, inciso I, do Código de Processo Penal.

É o relatório.

VOTO

2. O apelo não comporta provimento.

Compulsando os autos, verifico que andou bem a sentença recorrida, eis efetivamente comprovadas a materialidade e a autoria delitivas em relação ao crime de desacato pelo qual Marcos Paulo foi denunciado.

A materialidade restou comprovada pela comunicação de ocorrência policial (fls. 08/09, doc PROCJUDIC 1, evento 3) e na prova oral colhida ao longo da instrução.

A autoria é certa, recaindo na pessoa do acusado, conforme identificado na prova testemunhal colhida durante a instrução processual, uma vez que os relatos dos policiais são claros e seguros, no sentido de apontar a prática do ilícito.

Vejamos a prova oral colhida.

O réu preferiu ficar em silêncio, quando do interrogatório.

Em juízo, o Policial Militar Dirceu Junior Garcia Quadros informou que estavam em operação no dia do fato e que foi efetuado policiamento no Bairro Centenário, em local já conhecido como ponto de tráfico de drogas. Declarou que localizaram o acusado, dando voz de abordagem, sendo que o mesmo desobedeceu às ordens dos policiais. Quando solicitaram revista, o denunciado se negou, mas colocou as mãos na cabeça, no entanto, ao se aproximarem, tentou empurrar os policiais. Por conta disso, foi necessário o uso moderado da força para imobilizá-lo, a fim de efetivar a revista pessoal. Mesmo algemado, o denunciado continuou resistindo com chutes e desacatos à guarnição. Já no Hospital, o denunciado insultou a médica que realizou atendimento e os policiais que o acompanharam, usando palavras de baixo calão. Na Delegacia, continuou ofendendo e ameaçando os policiais, chamando-lhes de “pau no cu” e dizendo que “iria lhes pegar quando estivessem sem farda”. Acrescentou que se sentiu intimidado pelas ameaças proferidas, justamente porque conhece os antecedentes do denunciado.

A seu turno, o Policial Militar Almeri Antônio Sobek de Souza declarou que estavam patrulhando quando avistaram o denunciado. Ao efetuarem a abordagem, o denunciado, visivelmente alterado, começou a desacatar os policiais, resistindo e impedindo sua revista, tendo, inclusive, se jogado no chão. Por conta disso, foi necessário o uso da força para algemá-lo. O denunciado usou expressões como “filhos da puta”. Já na delegacia, ele falava que iria “pegar” e matar os policiais. Acrescentou, ainda, que perderam bastante tempo com o encaminhamento, mas que não se sentiu intimidado, pois está acostumado com esse tipo de ameaça.

Nessa toada, ainda que escassa a prova produzida, forçoso reconhecer que, consoante depoimento coerente e seguro dos policiais envolvidos na abordagem do acusado, a prova se apresenta apta para a comprovação do ilícito de desacato. Não é crível que um policial que sequer conhecia o réu e sem qualquer animosidade contra ele, vá a Juízo mentir, a fim de prejudicá-lo.

No caso, as declarações foram colhidas sob o crivo do contraditório, e merecem total crédito, eis que seguras e uniformes, bem como por inexistentes indícios de seu interesse em prejudicar, sem motivos, o acusado. Assim, na esteira de remansoso entendimento do Superior Tribunal de Justiça, a prova acusatória ostenta credibilidade (AgRg no AREsp 482.641/RJ, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 02/10/2014, DJe 08/10/2014).

Outrossim, o dolo de desacatar as autoridades presentes na abordagem emerge cristalino. Vale destacar, no ponto, o seguinte precedente do Superior Tribunal de Justiça:

“O delito de desacato pressupõe o dolo de ultrajar, faltar com o respeito ou menosprezar funcionário público, sendo fundamental a demonstração da vontade livre do agente. Entrementes, a teor do art. 28, II, do CP, a emoção e a paixão não excluem a imputabilidade penal. Decerto, a perda momentânea do autocontrole, ainda que motivada por sentimento de indignação ou cólera impelidas por injusta provação da vítima, não elidem a culpabilidade, podendo, ao máximo, justificar a redução da pena com fulcro no art. 65, III, "c", do mesmo diploma legal. [...] (RHC 81.292/DF, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 05/10/2017, DJe 11/10/2017)”.

Ainda, afasto a tese de atipicidade da conduta em relação ao delito de desacato.

Conforme entendimento já assentado nesta Câmara, não há que se falar na atipicidade da conduta, ou ainda, em inconstitucionalidade do delito de desacato por afronta à Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), da qual o Brasil é signatário. Cediço que as garantias constitucionais visam assegurar o direito de liberdade de pensamento e de expressão do cidadão até o limite da liberdade de outrem. Ou seja, não é possível considerar ofensas a funcionários públicos, no exercício de suas funções, como fatos atípicos, supostamente albergados pelo direito à liberdade de expressão.

Nesse norte, o direito à liberdade de expressão, tutelado no art. 5º, inc. IV, da CF, não possui caráter absoluto, sendo que apenas uma crítica ou discordância desprovida de qualquer intenção de desprestigiar a função pública é que se encaixa nesse conceito, não sendo este o caso dos autos.

Desse modo, não há como reconhecer a proporcionalidade do agir do réu, não tendo ele atuado no exercício de liberdade do direito de expressão, conforme recomenda a jurisprudência desta Câmara:

APELAÇÃO-CRIME. AMEAÇA. ABSOLVIÇÃO MANTIDA. DESACATO. PRELIMINAR DE INCONSTITUCIONALIDADE AFASTADA. AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS. PENA REDUZIDA. I - Com relação ao delito de desacato, as garantias constitucionais visam assegurar o direito de liberdade de pensamento e de expressão do cidadão até o limite da liberdade de outrem. Em razão disso, apenas uma crítica ou discordância desprovida de intenção de desprestigiar a função pública é que se encaixa no conceito de atipicidade (STJ, REsp 1640084/SP, Rel. Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado 15/12/16, DJe 01/02/17). A figura típica do desacato não foi extirpada do ordenamento jurídico, continuando em vigência. II - Materialidade e autoria delitiva do delito de desacato devidamente comprovadas. A confissão do acusado perante ao juízo restou devidamente corroborada pelo relato dos policiais militares, também colhidos sob o crivo do contraditório, não havendo que se falar em violação ao art. 155, do CPP. III - Mantida a absolvição quanto ao crime de ameaça. Tal circunstância ocorreu em mesmo contexto fático em que os policiais foram desacatos. Além disso, não consta nos autos documento que comprove a representação das vítimas, elementos este indispensável para a persecução penal, nos termos do art. 147, parágrafo único, do CP. IV - A negativação personalidade importa na presença de laudo técnico, demonstrando essa condição do agente. V - O agente não preenche os requisitos do art. 77, inciso II, do CP, na medida em que seus antecedentes criminais não autorizam a concessão da suspensão condicional da pena. PRELIMINAR AFASTADA. APELO MINISTERIAL DESPROVIDO. APELO DEFENSIVO PARCIALMENTE PROVIDO. (Apelação Crime Nº 70077395192, Quarta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Rogerio Gesta Leal, Julgado em 14/06/2018)

APELAÇÃO CRIME. DESACATO. ART. 331, DO CP. PRELIMINAR. INCONSTITUCIONALIDADE DO DELITO FACE AOS TERMOS DO PACTO DE SAN JOSÉ DA COSTA RICA. REJEIÇÃO. MÉRITO. SUFICIÊNCIA PROBATÓRIA. AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS. CONDENAÇÃO MANTIDA. APELO DEFENSIVO IMPROVIDO. (Apelação Crime Nº 70078198215, Quarta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Newton Brasil de Leão, Julgado em 18/10/2018)

Não se desconhece a decisão proferida pelo...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT