Acórdão nº 50018708220178216001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Vigésima Quarta Câmara Cível, 29-06-2022

Data de Julgamento29 Junho 2022
ÓrgãoVigésima Quarta Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50018708220178216001
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002280648
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

24ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5001870-82.2017.8.21.6001/RS

TIPO DE AÇÃO: Cartão de Crédito

RELATOR: Desembargador FERNANDO FLORES CABRAL JUNIOR

APELANTE: CRISTINA MOREIRA CARVALHO (AUTOR)

APELADO: BANCO BRADESCO S.A. (RÉU)

RELATÓRIO

Trata-se de apelação cível interposta por CRISTINA MOREIRA CARVALHO em face da sentença prolatada nos autos da ação de revisão de cláusulas contratuais proposta em face do BANCO BRADESCO S.A.. Constou na sentença apelada (fls. 114/116):

“Pelo exposto, JULGO IMPROCEDENTE o pedido revisional para manter as estipulações pactuadas no contrato ora analisado. Condeno a autora, como sucumbente, a arcar com as custas processuais e honorários do advogado da parte adversa. Fixo honorários em R$1000,00 (um mil reais) para o procurador da requerida. Entretanto, suspendo a exigibilidade dos encargos de sucumbência em virtude da concessão da AJG”

Em suas razões recursais (fls. 118/121), ressalta a parte autora que, em razão da não apresentação dos documentos bancários pela parte ré, deve ser aplicado o artigo 400 do CPC ao caso. Invoca a aplicação da Súmula 530 do STJ. Refere que a sentença merece reforma. Requer a limitação dos juros remuneratórios à taxa média do Bacen prevista para as operações da espécie, à época da contratação. Pugna, ainda, pela descaracterização da mora, assim como pela compensação de valores e pela repetição do indébito. Postula, ao final, pelo provimento do apelo, com a inversão dos ônus sucumbenciais.

Foram apresentadas contrarrazões (fls. 123/136).

É o relatório.

VOTO

A presente apelação, interposta nas fls. 118/121, é tempestiva, pois a sua intimação se deu por intermédio da NE nº 316/2020 (fl. 117), disponibilizada em 20/11/2020, sendo o recurso interposto em 27/11/2020 (fl. 118). Além, disso, a parte recorrente litiga sob o amparo da gratuidade judiciária (fl. 12), razão pela qual resta dispensada do preparo.

Dessa forma, considerando que é própria e tempestiva, recebo a apelação.

Adianto que deve ser declarada a nulidade da sentença, de ofício.

Com efeito, conforme se depreende do art. 330, §2º, do CPC, cumpre à parte autora indicar de forma precisa, na inicial, quais contratos/operações pretende revisar, indicando as cláusulas que entende abusivas, bem como quantificando o valor incontroverso, sob pena de inépcia da inicial. Vejamos.

Art. 330. A petição inicial será indeferida quanto:

I – for inepta;

[...]

§ 2º Nas ações que tenham por objeto a revisão de obrigação decorrente de empréstimo, de financiamento ou de alienação de bens, o autor terá de, sob pena de inépcia, discriminar na petição inicial, dentre as obrigações contratuais, aquelas que pretende controverter, além de quantificar o valor incontroverso do débito.

§ 3º Na hipótese do § 2º, o valor incontroverso deverá continuar a ser pago no tempo e modo contratados. (grifei)

As determinações do diploma têm por intuito evitar o ajuizamento de ações genéricas, razão pela qual, o pedido deve ser certo e determinado, sendo atribuição da parte autora apontar com clareza e objetividade sua insurgência.

Acerca do tema, esclarecem Teresa Arruda Alvim Wambier, Maria Lúcia Lins Conceição, Leonardo Ferres da Silva Ribeiro e Rogério Licastro Torres de Mello1:

“[...] Entretanto, houve um equívoco cometido nos primeiros tempos de aplicação do Código de Defesa do Consumidor: o de se pressupor estar diante de um contrato com cláusulas necessariamente abusivas, tão somente pela desigualdade das posições das partes, na formação do contrato de adesão. Talvez, por essa razão, em muitas dessas ações em que o autor se dizia hipossuficiente, obtinha liminarmente a suspensão de certas cláusulas contratuais. Essas liminares foram concedidas, não raras vezes, em razão do simples ingresso em juízo para discussão do contrato de adesão celebrado, como decorrência de uma espécie de presunção de que o contrato, por ser de adesão, conteria cláusulas abusivas. 4.5. Muitas dessas ações foram ajuizadas sem um mínimo de fundamento fático ou jurídico, no intuito exclusivo de protelar o cumprimento de obrigações contratuais, sendo evidente a má-fé (processual e contratual) por parte desses autores. Não é difícil prever o impacto negativo dessa prática, em todo o sistema de captação de recursos e, em última análise, para próprio tomador de crédito, diante da elevação do custo da intermediação financeira e consequente redução da oferta do crédito. 4.6. O histórico de leis e decisões para combater esta situação começou em 2004 (Lei 10.931/2004, tendo havido inúmeras decisões relevantes e acabou por desembocar na inclusão de dispositivo de igual conteúdo no CPC/73). 4.7. A decretação da inépcia da petição inicial dessas ações destituídas de fundamento jurídico, com pedido genérico,17 já era a solução prevista pelo sistema jurídico, nos termos dos arts. 286 e 295, parágrafo único, ambos do CPC/73, ou seja, mesmo antes da inclusão do art. 285-B do CPC/73. Assim, ao invés de, indevidamente, se relegar a análise da fundamentação mínima do pedido do autor para a instrução processual, as ações devem ser extintas ab initio, por inépcia da inicial, desde que, tendo-se dado ao autor a oportunidade de emendar a petição inicial (art. 321 do NCPC), não fosse atendido o comando judicial.18 4.8. Além dessas regras processuais, a conduta dos autores de má-fé já poderia, e pode, ser devidamente afastada, pela aplicação do princípio da boa-fé, que orienta todas essas normas processuais e rege os contratos.”

Ressalto que o valor incontroverso não pode ser aleatório, devendo ser demonstrado mediante memória de cálculo, discriminando os contratos e os valores efetivamente recebidos em cada operação na qual se busca a revisão, com a incidência dos encargos legais embasados nas súmulas e jurisprudência do STJ.

Cito precedentes desta Câmara, em casos análogos:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO REVISIONAL. CONTRATOS DE CARTÃO DE CRÉDITO. Em se tratando de ação revisional cabe à parte autora, além de indicar as cláusulas que pretende revisar, obrigatoriamente, quantificar o valor incontroverso, a teor do art. 330, § 2º, do CPC. Tal procedimento deve ser feito na inicial de modo contábil, para cada operação, indicando o valor recebido pelo empréstimo ou operação de crédito e sobre ele devem ser aplicadas as taxas e valores que a parte autora defende na ação revisional, e de acordo com o entendimento...

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