Acórdão nº 50018764220208210001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Nona Câmara Cível, 04-02-2021

Data de Julgamento04 Fevereiro 2021
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
ÓrgãoDécima Nona Câmara Cível
Número do processo50018764220208210001
Tipo de documentoAcórdão
Classe processualApelação

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20000521712
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

19ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5001876-42.2020.8.21.0001/RS

TIPO DE AÇÃO: Prestação de serviços

RELATORA: Desembargadora MYLENE MARIA MICHEL

APELANTE: JG HECK MOVEIS (AUTOR)

APELANTE: MG HOME DECOR EIRELI (AUTOR)

APELANTE: UNICASA INDÚSTRIA DE MÓVEIS S/A (RÉU)

APELADO: OS MESMOS

RELATÓRIO

JG HECK MOVEIS e MG HOME DECOR EIRELI apelam da sentença que julgou extinta a ação de rescisão de contrato c/c pedido de restituição de valores e reparação de danos movida contra UNICASA INDÚSTRIA DE MÓVEIS S/A. Transcrevo o dispositivo sentencial:

Diante do exposto, JULGO EXTINTA a ação formulada por JG HECK MÓVEIS contra UNICASA INDÚSTRIA DE MÓVEIS S.A., sem resolução de mérito, nos termos do art. 485, VII, do CPC, pela existência de compromisso arbitral vigente entre as partes.

E, JULGO EXTINTA a ação formulada por MG Home Decor Eireli contra UNICASA INDÚSTRIA DE MÓVEIS S.A., sem resolução de mérito, com fulcro no art. 485, VI, do CPC, pela ilegitimidade ativa.

Condeno a parte autora ao pagamento das custas e honorários de advogado à ré, fixados em 10% sobre o valor da causa, considerando o trabalho desenvolvido e a natureza da causa, de acordo com art. 85, § 2º do CPC.

Suspendo, todavia, a exigibilidade das verbas, em favor do autor, em face da gratuidade de justiça.

Em razões sustentam a ilegitimidade ativa da MG HOME tanto por ser a contratante originária, quanto por estar supostamente sendo cobrada pela ré, embora tenha cedido seus direitos de revendedora à segunda autora JG Heck. Alega, ainda, que é em seu nome que se encontra o título de capitalização anexo ao contrato. Em caso de manutenção do entendimento acerca da ilegitimidade da MG, postulam o afastamento da cláusula de arbitragem, pois a JG nunca teria aderido à mesma, não havendo tal previsão no contrato de sessão. Argumenta que as autoras são hipossuficientes frente à ré e que não houve manifestação de vontade com relação à referida cláusula. Argumentam não terem condições de se submeter ao juízo arbitral na cidade de São Paulo. Postulam a reforma da sentença de extinção, prosseguindo-se o feito no juízo de origem.

A parte ré apresentou contrarrazões no Evento 48, postulando a manutenção integral da sentença.

VOTO

Eminentes Colegas.

Conheço do apelo, porquanto tempestivo e dispensado de preparo, embora beire à inépcia, porquanto praticamente repisa os argumentos tecidos em réplica, não se debruçando sobre os fundamentos que justificaram a extinção do feito, em sentença extremamente técnica e adequada, da lavra da ilustre Drª Gladis de Fatima Canelles Piccini.

1. Ilegitimidade Ativa da Cedente.

Decidiu, referida magistrada, acerca da ilegitimidade da autora MG HOME DECOR EIRELI:

A empresa MG HOME DECOR EIRELI firmou com a ré contrato para revenda de produtos da marca "Favorita", autorizando-se também a utilização do sistema operacional específico para o desenvolvimento das atividades, denominado PROMOB.

Em 25/05/2018, a coautora MG Home Decor Eireli, por meio de "Cessão de Posição Contratual" (Evento 1, CONTR9), cedeu os direitos e obrigações oriundos da avença à empresa JG HECK MOVEIS, a qual assumira integralmente a posição contratual, nas mesmas condições antes estabelecidas.

No instrumento suprarreferido constou a seguinte disposição:

"As partes acima nomeadas resolvem, de comum acordo e na melhor forma de direito, ceder a posição de revendedora no contrato de revenda firmado entre FABRICANTE e CEDENTE integralmente para a CEDIDA, que assumirá direitos e obrigações da CEDENTE no mesmo contrato, assumindo integralmente a sua posição da CEDENTE na relação estabelecida para tanto as seguintes cláusulas (...)".

A redação da cláusula não deixa dúvidas sobre a transferência da posição contratual e da assunção de todos os direitos e obrigações advindos do contrato originário pactuado.

Por tais razões, é caso de acolhimento da preliminar suscitada de ilegitimidade ativa da MG HOME DECOR EIRELI.

Com efeito, a ação objetiva a rescisão do contrato com a condenação da ré ao pagamento de indenização por danos morais e materiais, alicerçando seus requerimentos no impedimento, supostamente imotivado, de utilização do sistema operacional da ré.

Ainda, há reclamação de elemento condicionante, estipulado pela ré, para liberação dos acessos ao sistema, consistente no pagamento de débito vinculado ao Banco Santander, que, em sua ótica, não teria conexão com os negócios mantidos entre elas.

E, como consequência, o bloqueio do sistema teria sido responsável por sucessivos distratos envolvendo seus clientes, os quais estariam incomodados com a demora para entrega das mercadorias ou com a própria má-execução de montagem dos móveis.

A esse respeito, fácil é ver que no contrato celebrado com a cliente Liana, em 28/05/2018, a empresa MG Home Decor figurava como contratante, sendo que na ocasião já havia cedido sua posição contratual à JG Heck.

Logo, inexistia qualquer relação contratual mantida entre a MG Home Decor com a ré, apta a lhe obrigar a fornecer insumos ou mesmo acesso a seus sistema.

Em reforço, transcrevo o teor das cláusulas terceira e quarta do contrato de cessão de posição contratual:

CLÁUSULA TERCEIRA:

Permanecem todas as cláusulas lá pactuadas em vigor, sendo seu cumprimento obrigação das partes PARTES: FABRICANTE e CEDIDA.

CLÁUSULA QUARTA:

O presente instrumento particular de cessão da posição contratual encerra todos os entendimentos anteriores das partes, referentes ao contrato ora cedido, tornando nulo de pleno direito todo e qualquer entendimento verbal ou escrito mantido anteriormente a este documento.

Portanto, da leitura das cláusulas transcritas, não há contrato a ser rescindido em favor da empresa MG Home Decor Eireli, ao passo que todos seus direitos haviam sido transferidos a outra pessoa jurídica.

Em relação aos demais pedidos, tanto de indenização de dano moral como material, igualmente há ilegitimidade da MG Home, eis que se fundamentam em fatos ocorridos após a cessão de direitos e obrigações - e, a rigor, teriam atingido somente a empresa cessionária - e que decorreriam de descumprimento de contrato que não mais existia.

Friso, além do contrato firmado com a cliente Liana, a restituição de valores ao cliente Rafael também ocorreu posteriormente à cessão, datando de março de 2019 (Evento 1, OUT15).

Em arremate, seguindo a mesma lógica, eventual cláusula de arbitragem prevista em contrato não seria oponível à cedente MG Home, dado que não mais mantinha relação jurídica com a ré, ocupando condição de terceira.

Isso posto, a ação deverá ser julgada extinta, em função da ilegitimidade ativa, em relação à autora MG Home Decor Eireli, à inteligência do art. 485, VI, do CPC.

Com efeito, conforme se verifica do parágrafo sexto da cessão firmada em 25/05/2018 (DOC 9, Evento 1 da origem), foram cedidos e transferidos "integralmente" para a JG HECK MÓVEIS todos os direitos e obrigações da cedente relativas à relação contratual estabelecida entre a ré UNICASA e a coautora/cedente MG HOME DECOR em 2014 (Doc 5, Evento 1 da origem).

Veja-se que em aditamento realizado também em 25/05/2018 a JG já figura como revendedora, constando no parágrafo terceiro, expressamente que "a REVENDEDORA adquiriu a posição contratual da MG HOME DECOR EIRELI-ME, pessoa jurídica de direito privado constituída como empresa individual de responsabilidade limitada (de natureza empresária), inscrita no CNPJ sob o n.º 20.947.714/0001-19".

Tal fato é expressamente mencionado na petição inicial que refere que a pretensão indenizatória se deve a fatos ocorridos em datas posteriores à cessão.

Quanto ao título de capitalização garantidor da avença, as próprias autoras afirmam na inicial que "anuíram com o titulo de capitalização existente junto a seguradora Sul América". Tal fato fora mencionado na inicial de modo a demonstrar a legitimidade da JG HECK MÓVEIS para o feito, não cabendo às autores alterarem a narrativa, de modo a se beneficiarem neste momento.

Com relação ao ponto, saliente-se o documento constante no Evento 30 (DOC 3) da origem, assinado pela ré e por ambas as autoras em 15/05/2018, comunicando à Sul América Capitalização, que o resgate do título, "pelos titulares MG HOME DECOR (...) e JG HECK MÓVEIS (...) só ocorrerá com a comprovação de quitação das obrigações decorrentes do Contrato, ocasião em que a UNICASA declarará ou não sua concordância com o resgate".

Na mesma data, verifica-se carta de liberação enviada pela Sul América Capitalização, informando que o título havia sido liberado pela MG HOME DECOR, não mais estando caucionado em garantia do contrato de Revenda Autorizada de Produtos Unicasa Indústria de Móveis S/A, com o que anuiu a ré. Tudo, portanto, antes da cessão operada, não dizendo respeito aos fatos narrados na petição inicial (relativos à relação entre a Fabricante ré e a cessionária). No mesmo documento constou que a titular (MG HOME DECOR) estava ciente de que o título poderia ser por ela resgatado a qualquer tempo. Assim, não mais existindo vinculação do título com a relação contratual, o fato de a MG HOME DECOR ser sua titular, não altera o fato de ser ilegítima para a presente ação.

Nesta perspectiva, não ostenta a autora MG DECOR legitimidade para buscar a reparação de danos, materiais ou morais, decorrentes do negócio, cuja cessão já se operou, com a anuência da promitente vendedora.

Neste sentido, jurisprudência do TJ/RS e do STJ:

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