Acórdão nº 50019110320208210033 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Quinta Câmara Cível, 30-03-2022

Data de Julgamento30 Março 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50019110320208210033
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoQuinta Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001375988
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

5ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5001911-03.2020.8.21.0033/RS

TIPO DE AÇÃO: Indenização por dano moral

RELATORA: Desembargadora ISABEL DIAS ALMEIDA

APELANTE: ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RÉU)

APELADO: JEFERSON SANTOS DO AMARAL (AUTOR)

RELATÓRIO

Trata-se de apelação cível e recurso adesivo interpostos pelas partes contra a sentença (evento 32 da origem) que, nos autos da ação de indenização por danos morais ajuizada por JEFERSON SANTOS DO AMARAL em desfavor do ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, julgou a demanda nos seguintes termos:

Ante o exposto, nos termos do artigo art. 487, inciso I, do CPC, extingo a fase procedimental de conhecimento9, com resolução de mérito, e JULGO PROCEDENTES os pedidos formulados na presente ação indenizatória ajuizada por JEFERSON SANTOS DO AMARAL em face de ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, aos efeitos de condenar o réu a indenizar o autor pelos danos morais experimentados, no valor de R$ 10.000,00.

Sobre essa quantia deve incidir correção monetária pelo IPCA-E, a partir dessa data e juros de mora segundo o índice de remuneração da caderneta de poupança desde a data do evento danoso (prisão indevida, 25/09/2018, Evento 14, OUT4, Página 1), conforme a Súmula 54, do STJ.

O Estado é isento de pagamento de custas e de despesas processuais.

Sucumbente, o réu deve arcar com o pagamento dos honorários advocatícios ao patrono do autor, que fixo em 10% sobre o valor da condenação, forte no art. 85, §3º, I, do CPC.

Em suas razões (evento 40 da origem), o Estado elabora relato dos fatos e sustenta que a prisão do autor decorreu do exercício regular de direito por parte dos agentes policiais. Aponta que o exercício do poder de polícia não extrapolou os limites legais. Alega que havia mandado de prisão em aberto, não tendo a autoridade policial competência para liberar o autor, senão por meio de expedição de alvará de soltura pelo Poder Judiciário. Destaca ser atribuição do Judiciário a retirada do mandado de prisão do sistema Consultas Integradas, bem como do portal do CNJ. Defende a ausência dos pressupostos do dever de indenizar, ressaltando não se tratar de hipótese de dano moral puro indenizável. Pontua a ausência de prova no sentido de que o autor tenha ficado emocionalmente abalado com a detenção, especialmente porque a situação foi esclarecida em menos de 48 horas. Ressalta que o autor já havia sido preso por seis meses pelo crime de roubo, tendo sido posteriormente absolvido por insuficiência de provas. Em caráter subsidiário, pede a redução do quantum indenizatório. Colaciona jurisprudência. Requer o provimento do recurso.

A parte autora, em recurso adesivo (evento 45 da origem - pet2), relata os fatos e pede a majoração do valor da indenização por danos morais. Discorre acerca da gravidade do fato e do alto grau de reprovabilidade da conduta do Estado. Destaca que foi absolvido dos crimes que lhe foram imputados na ação penal em que foi decretada sua prisão preventiva. Requer o provimento do recurso.

Apresentadas contrarrazões no sentido do desprovimento do recurso adverso (evento 45 da origem - contraz1 e evento 16).

O Ministério Público declinou de intervir no feito (evento 09).

Vieram os autos conclusos para julgamento.

Foram observados os dispositivos legais, considerando a adoção do sistema informatizado.

É o relatório.

VOTO

Os recursos são adequados, tempestivos e estão dispensados do pagamento do preparo. O do autor porque litiga ao abrigo da gratuidade da justiça (evento 09 da origem), dispensado o do réu por força do disposto no art. 1.007, §1º, do CPC. Sendo assim, passo ao enfrentamento, de forma conjunta.

Melhor delimitando o objeto da controvérsia, adoto o relato da sentença, vertido nos seguintes termos:

JEFERSON SANTOS DO AMARAL ajuizou ação indenizatória em face de ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, ambos qualificados nos autos. Narrou que respondeu a uma ação penal na 2ª Vara Criminal da Comarca de Cachoeirinha, de n° 086/2.14.0000969-7, na qual fora decretada sua prisão preventiva em 21/03/2014, sendo cumprida em 26/03/2014. Relatou que, após o andamento processual, foi proferida sentença que julgou improcedente a denúncia e o absolveu da prática do delito imputado, razão pela qual foi colocado em liberdade em 26/09/2014, após a expedição do alvará de soltura. Contou que, em 24/09/2018, foi surpreendido por uma blitz policial, na qual os Policiais Militares lhe informaram que estava foragido, diante da existência de um mandado de prisão registrado no sistema INFOSEG. Declarou que foi conduzido à Delegacia de Polícia, tendo a Autoridade Policial providenciado a sua imediata reclusão. Apontou que permaneceu segregado de 24/09/2018 a 26/09/2018 de forma ilegal, pois já havia sido absolvido do crime que lhe fora imputado, não tendo ocorrido a baixa da informação perante o sistema. Discorreu sobre o preenchimento dos requisitos para ensejar a responsabilização do réu. Sustentou que sofreu danos morais, porquanto teve a sua liberdade tolhida por uma ilegalidade do requerido. Fundamentou sua tese com base na responsabilidade objetiva do demandado, indicando o art. 37, §6°, da CF. Citou jurisprudência, Requereu a condenação do réu ao pagamento de danos morais, no valor de R$ 100.000,00. Vindicou a gratuidade da justiça, concedida no Evento 9. Juntou documentos.

O requerido ofereceu contestação, arguindo, em preliminar, a incompetência absoluta do Juízo, pois o autor atribuiu o valor da causa quantia exorbitante para a ação não tramitar perante o JEFAZ. No mérito, sustentou que não houve irregularidade na conduta dos agentes públicos, porquanto agiram no exercício regular de um direito. Alegou que o cumprimento de um mandado expedido pelo Poder Judiciário pelas forças policiais, por si só, não é um ato ilícito. Relatou que, como havia um mandado de prisão, a Autoridade Policial não possui competência para liberar o preso, salvo se for expedido alvará de soltura pelo Poder Judiciário, o que ocorreu em 26/09/2018, ocasião em que o autor foi posto em liberdade. Afirmou que, em menos de 48 horas, a situação foi resolvida, sendo descabida a indenização perseguida. Alegou que não houve nenhuma ilicitude na conduta dos agentes públicos, a justificar a existência de sua responsabilização. Declarou que não houve a comprovação dos danos morais pelo requerente, pois inexiste comprovação de que os agentes agiram com excesso e de que o demandante restou abalado diante da sua segregação, até porque, em menos de 48 horas, tudo foi esclarecido. Requereu o acolhimento da preliminar ou a improcedência do pedido. Juntou documentos.

Houve réplica (Evento 19).

A preliminar arguida em contestação foi afastada (Evento 21).

Instadas a manifestarem o interesse na produção de provas, as partes nada postularam (Eventos 25 e 27).

O Ministério Público opinou pela improcedência dos pedidos (Evento 30).

Vieram os autos conclusos para a sentença.

Sobreveio sentença de procedência, desafiando recurso por ambas as partes.

Pois bem. A eventual responsabilidade do Estado, no caso em tela é objetiva, ou seja, independe de culpa, nos termos do artigo 37, § 6º, da Constituição Federal, exigindo apenas a conduta ilícita e existência de dano, bem como nexo de causalidade entre estes dois elementos, sendo dispensado se perquirir a respeito de dolo ou culpa do agente estatal.

O Código Civil, nos artigos 186 e 954, disciplina a responsabilidade decorrente da prisão ilegal:

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

(...)

Art. 954. A indenização por ofensa à liberdade pessoal consistirá no pagamento das perdas e danos que sobrevierem ao ofendido, e se este não puder provar prejuízo, tem aplicação o disposto no parágrafo único do artigo antecedente.

Parágrafo único. Consideram-se ofensivos da liberdade pessoal:

I - o cárcere privado;

II - a prisão por queixa ou denúncia falsa e de má-fé;

III - a prisão ilegal.

A regra é de que o réu, na condição de pessoa jurídica de Direito Público interno, tem os limites de sua responsabilidade civil estabelecidos no artigo 37, § 6°, da Constituição Federal.

Na espécie, observo ser incontroverso que houve equívoco na prisão do autor realizada em 24-09-2018 decorrente do mandado de prisão preventiva n. 003154- 15.2014.8.21.0086.0001, uma vez que proferida sentença absolutória nos autos da ação penal n. 086/2.14.0000969-7 e expedido alvará de soltura ainda em 16-09-2014 (evento 01 da origem - alvsoltura5).

Assim, embora inexista erro por parte dos Policiais Militares e da Autoridade Policial, os quais apenas cumpriram o mandado de prisão que se encontrava em aberto, é evidente a falha por parte dos agentes estatais vinculados ao Poder Judiciário, pois deixaram de proceder a baixa do mandado em seu sistema, fazendo com que o autor constasse como "foragido" mesmo após quatro anos da sentença que o absolveu.

Nessa linha, acrescento relevantes trechos da sentença, da lavra da ilustre Juíza de Direito, Dra. Fernanda Pinheiro Tractenberg, cuja fundamentação adoto como razões de decidir:

No caso dos autos, resta amplamente demonstrada a ocorrência do fato administrativo, porquanto é incontroverso no presente feito que o autor foi preso após uma abordagem realizada por Policiais Militares, em virtude da existência de um mandado registrado no sistema Consultas Integradas e no Portal de CNJ.

Diante desse...

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