Acórdão nº 50019349020218210007 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Quinta Câmara Cível, 01-03-2023

Data de Julgamento01 Março 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50019349020218210007
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoQuinta Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003199058
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

5ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5001934-90.2021.8.21.0007/RS

TIPO DE AÇÃO: Indenização por dano material

RELATORA: Desembargadora CLAUDIA MARIA HARDT

APELANTE: HERMINIO JOSE LANGHANZ (AUTOR)

APELANTE: COMPANHIA ESTADUAL DE DISTRIBUIÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA - CEEE-D (RÉU)

APELADO: OS MESMOS

RELATÓRIO

Tratam-se de recursos de apelação interpostos por HERMINIO JOSE LANGHANZ e COMPANHIA ESTADUAL DE DISTRIBUIÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA - CEEE-D contra a sentença de parcial procedência da ação indenizatória ajuizada em face da concessionária de energia elétrica.

A fim de contextualizar a inconformidade recursal, reproduzo o relatório da sentença proferida pelo eminente Dr. Luis Otavio Braga Schuch (1ª Vara Cível da Comarca de Camaquã) - evento 54, SENT1:

A parte autora disse que é produtora rural de fumo e utiliza estufa(s) elétrica(s) para secagem de sua produção. Menciona data(s) e horário(s) em que o fornecimento de energia elétrica foi interrompido pela ré, o que lhe causou prejuízos pela perda total ou parcial da qualidade do produto em secagem, atestada por laudo(s) e quantificado. Requereu assistência judiciária gratuita, pois se trata de pequena produtora rural em agricultura familiar e a condenação da ré ao ressarcimento do prejuízo, juntando procuração e documentos.

Deferida a AJG.

A CEEE-D alegou: 1) ausência de interesse de agir; 2) inépcia da inicial por ausência de clareza e de documentos indispensáveis ao ajuizamento da ação; 3) que a parte autora não comprova fazer jus ao deferimento da AJG; 4) a inaplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor; 5) que a interrupção de energia se deu por caso fortuito ou força maior; e 6) falta de comprovação dos danos sofridos, quer por ausência de documento comprobatório da recusa de recebimento do produto pela fumageira, quer pelo fato do laudo juntado ser meramente estimativo. Requereu produção de prova oral e pericial e juntou procuração e documentos.

Sobreveio réplica e despacho saneador.

A ré requereu a juntada por parte do autor das notas fiscais referentes à venda do tabaco.

A parte autora informou que o tabaco foi descartado em razão de sua péssima qualidade.

RELATEI. DECIDO.

O dispositivo sentencial está assim redigido:

Diante do exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a ação para condenar a ré a pagar à parte autora a quantia de R$ 8.101,04 (oito mil, cento e um reais e quatro centavos), com correção monetária pelo IPCA a partir da data do laudo e juros de 1% ao mês a contar da citação.

Custas na proporção de 2/3 para a parte autora e 1/3 para a parte ré. Quanto aos honorários de sucumbência, fixo em R$ 1.500,00, que serão divididos na mesma proporção das custas (R$ 1.000,00 e R$ 500,00), seguindo os parâmetros do art. 85, §8º, do CPC, não sendo admitida a compensação da verba honorária (art. 85, §14, do CPC).

Considerando que a sentença reconhece crédito em favor da parte autora, do qual não depende seu sustento e de sua família, reconheço que as verbas sucumbenciais que cabem à parte autora deverão ser abatidas do crédito que tem a receber, pelo que o benefício da assistência judiciária gratuita vai mantido até o final do feito, apenas para dispensar o preparo prévio de atos processuais. Quando do recebimento do valor da condenação, as verbas sucumbenciais deverão ser descontadas e liberado para a parte autora apenas o que restar.

Publique-se; registre-se; intime-se.

Esclareço que em atendimento ao disposto nos Artigos 523 e 525 do Código de Processo Civil, bem como no que regulado no Ofício Circular 77/2019 que traz disposições sobre a implementação do processo eletrônico via EPROC, havendo interesse do Credor na execução da condenação (Cumprimento de Sentença), deverá ajuizar nova demanda no EPROC para tanto, onde então será o Devedor intimado para cumprimento voluntário, sob pena da incidência de multa e honorários, ou, impugnar a pretensão. A presente demanda, com o trânsito em julgado, terá sua prestação jurisdicional encerrada, razão pela qual poderá ser arquivada.

Irresignadas, as partes apelaram.

Em suas razões, o autor frisa que a interrupção do serviço teve duração superior a 24 horas. Cita jurisprudência do Tribunal do Estado do Rio Grande do Sul. Argumenta que a sentença afrontou a Constituição Federal, o Código Civil e o Código de Defesa do Consumidor. Alega ter notificado a concessionária acerca do caso, possibilitando a vistoria do fumo danificado. Menciona que a documentação interna da ré comprova a falha na prestação do serviço. Argumenta sobre a aplicação da legislação consumerista e suas disposições, em especial a facilitação da defesa em juízo. Pondera não haver culpa concorrente no caso em tela, mas sim culpa exclusiva da demandada. Pede a redistribuição da verba honorária, sendo a parte ré condenada ao pagamento de 20% sobre o valor da condenação, bem como a suspensão da exigibilidade das despesas processuais em razão da gratuidade de justiça concedida. Ao final, requer o provimento do recurso para julgar procedente a ação (evento 59, APELAÇÃO1).

Por sua vez, a concessionária demandada narra o evento climático que ocorreu em 12.02.2021 no Município de Dom Feliciano, dizendo se tratar de fato público e notório, uma vez que foi amplamente divulgado pela imprensa gaúcha. Assim, defende que seja reconhecida a ocorrência de caso fortuito ou de força maior, excluindo o seu dever de indenizar. Arrazoa que os danos alegadamente suportados não restaram demonstrados, conquanto não provada a recusa da compra do fumo ou de que o produto tenha sido classificado em qualidade inferior à esperada. Afirma que o laudo que acompanhou a exordial não explicita a técnica utilizada para mensurar o prejuízo apontado, além de ter sido produzido unilateralmente, sem que possibilitada sua participação na vistoria técnica, em evidente infração às garantias fundamentais do contraditório e da ampla defesa. Por outro lado, argumenta pela aplicação do laudo trazido pela concessionária de energia, por possuir maior tecnicidade sobre o tema. Caso seja reconhecido o seu dever de indenizar, pede o reconhecimento da culpa concorrente, considerando o valor de R$ 832,14 apurado no laudo acostado à contestação. Sustenta a culpa exclusiva do requerente, pois teria deixado de adotar medidas capazes de evitar os prejuízos que alega ter experimentado. Assevera que a continuidade da prestação do serviço não se descaracteriza pela interrupção em situações de emergência ou mediante prévio aviso, motivada por razões de ordem técnica ou de segurança das instalações, de modo que a suspensão temporária do serviço constituiria fato previsível. Alternativamente, requer que sua responsabilidade seja reduzida para a proporção de 1/6 dos danos pretensamente sofridos. Discorre sobre a inaplicabilidade do CDC. Quanto aos consectários, pugna seja aplicado índice IPCA-E, a contar da data de confecção do laudo que apontou o prejuízo, e, a partir da citação, a taxa SELIC, exclusivamente. Ao final, requer o provimento do recurso para julgar improcedente a ação, condenando o autor ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios de sucumbência (evento 61, APELAÇÃO1).

A peça recursal do autor foi apresentada desacompanhada de preparo, em razão de ser beneficiário da gratuidade da justiça (evento 3, DESPADEC1), ao passo que o recurso da ré foi apresentado acompanhado do comprovante de recolhimento do preparo (evento 61, COMP2).

Contrarrazoados os recursos (evento 66, CONTRAZ1 e evento 67, CONTRAZ1), os autos vieram à apreciação desta Corte, sendo-me distribuídos por sorteio.

É o relatório.

VOTO

As peças recursais foram interpostas tempestivamente e atendem aos requisitos do art. 1.010 do atual CPC, razão pela qual conheço dos apelos.

Em primeiro lugar, cumpre referir que ao caso em tela aplicam-se as regras do Código de Defesa do Consumidor. Sob a ótica do destinatário final do produto ou serviço, o egrégio STJ mitiga a teoria finalista preconizada pelo CDC quando comprovada a hipossuficiência técnica, jurídica ou econômica da pessoa jurídica ou física, submetida à situação de vulnerabilidade ou prática abusiva, estendendo o conceito àqueles que se enquadrem nessas hipóteses, ainda que desenvolvam atividade lucrativa (teoria maximalista).

Na hipótese, inegável a hipossuficiência/vulnerabilidade técnica dos agricultores frente à concessionária de energia elétrica.

Neste sentido é a jurisprudência desta Câmara:

APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS. INTERRUPÇÃO NO FORNECIMENTO DO SERVIÇO DE ENERGIA ELÉTRICA. INCIDÊNCIA DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. TEORIA FINALISTA DO CONCEITO DE CONSUMIDOR. MITIGAÇÃO. POSSIBILIDADE QUANDO VERIFICADA A VULNERABILIDADE DA PARTE FRENTE AO FORNECEDOR. [...]. 1. São aplicáveis às relações existentes entre as empresas concessionárias de serviços públicos e às pessoas físicas e jurídicas que se utilizam dos serviços como destinatárias finais do serviço, as normas do código de defesa do consumidor, dentre outras, quanto à responsabilidade...

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