Acórdão nº 50019384920158210004 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Quinta Câmara Criminal, 24-02-2023

Data de Julgamento24 Fevereiro 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50019384920158210004
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoQuinta Câmara Criminal

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001934378
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

5ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Criminal Nº 5001938-49.2015.8.21.0004/RS

TIPO DE AÇÃO: Estupro de vulnerável CP art. 217-A

RELATOR: Desembargador IVAN LEOMAR BRUXEL

APELANTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

APELADO: SEGREDO DE JUSTIÇA

RELATÓRIO

RENATO F. D. S., 38 anos na data do fato (DN 11/12/1976), foi denunciado por incurso nos artigos 217-A, caput, c/c. 226, do Código Penal.

O fato, ocorrido na comarca de Bagé, foi assim descrito na denúncia, recebida em 07/12/2015 (abreviaturas ausentes no original):

No dia 22 de abril de 2015, em horário não completamente esclarecido, na residência localizada na (...), no Município de Candiota, o denunciado RENATO F. D. S. praticou ato libidinoso diverso da conjunção carnal com a vítima A.M.S., nascida em 08 de julho de 2012, menor de 14 (catorze) anos à época dos fatos, prevalecendo-se, para tanto, de relações domésticas e familiares.

Na oportunidade, o acusado, aproveitando-se que se encontrava sozinho com a vítima em sua residência, introduziu seus dedos na vagina da infante, com o fim de satisfazer a sua lascívia.

O auto de exame de corpo de delito confirmou a prática de ato libidinoso diverso da conjunção carnal, apontando, ainda, que a vítima apresentava “equimoses e colorações arroxeadas em grandes lábios, uma (1) à direita e uma (1) à esquerda, sendo a maior à esquerda com 2,5x1,0 centímetros” (fl. 25 do IP).

O denunciado, ao tempo dos fatos, vivia maritalmente com Fernanda de Moura Moreira, tia da vítima.

Ultimada instrução, foi proferida sentença de improcedência.

O MINISTÉRIO PÚBLICO apelou, pretendendo a condenação do acusado, nos termos da denúncia.

Oferecida contrariedade.

Parecer pelo improvimento.

É o relatório.

VOTO

Esta a fundamentação da sentença (abreviaturas ausentes no original, contrariando as recomendações do Of. Circ. 001/2016-CGJ, art. 25, XVIII da Cons. Normativa Judicial, e Resolução 01/2017-OE/TJRS):

1. Da Preliminar suscitada.

Alegou a defesa cerceamento de defesa e contrariedade ao Princípio do Contraditório e Ampla Defesa, vez que não foi oportunizada a formulação de quesitos relativamente à perícia realizada.

Entendo que não lhe assiste razão.

Inicialmente impõe esclarecer que não se tratou de perícia da forma como disposta nos arts. 158 e 159 do Código de Processo Penal, mas sim, dada a natureza do fato e tenra idade da ofendida, de análise quanto às reais condições da vítima para depor em juízo.

No ponto, já manifestou-se o E. Tribunal de Justiça do RS:

Ementa: APELAÇÃO CRIME. ESTUPRO DE VULNERÁVEL. Preliminares. Liberdade provisória. Mantidas hígidas as causas ensejadoras da prisão preventiva, não há que falar em liberdade provisória neste momento processual. Nulidade da avaliação psicológica. Ausência de quesitos. Cerceamento de defesa. Determinada a avaliação psicológica das vítimas, insurge-se a defesa porque não intimada para apresentação dos quesitos. Avaliação psicológica que não se enquadra nas disposições do art. 158 do CPP. Ausente cerceamento de defesa. Preliminares rejeitadas. Materialidade e autoria comprovadas. Palavra da vítima. Nos delitos contra a liberdade sexual, de regra cometidos sem a presença de testemunhas e sem deixar vestígios físicos ou visíveis, a palavra da vítima é merecedora de especial valor pelo magistrado, que, obviamente, deverá estar atento à existência de motivos para falsa imputação, cotejando depoimentos e analisando cada caso. Na hipótese dos autos, os relatos das vítimas são coerentes e a versão apresentada desde a comunicação de ocorrência do delito foi a mesma, não restando demonstrada qualquer razão para as vítima acusarem falsamente o réu. Veredicto condenatório mantido. Apenamento. Mantida a pena-base fixada pouco acima do mínimo legal. Critério de censurabilidade atendido. Confissão em sede policial mantida em razão da ausência de recurso específico no ponto, reduzido o quantum atenuado. Art. 226,II, do CP. Tratando-se o réu de avô das vítimas, mantém-se o aumento previsto no referido artigo. Reparação civil dos danos (art. 387, IV, do Código de Processo Penal). Afastada a indenização diante da ausência de instauração do contraditório e da ampla defesa em relação aos danos causados e ao montante da indenização. Recurso do MP parcialmente provido. Recurso defensivo desprovido. (Apelação Crime Nº 70040506131, Sétima Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Carlos Alberto Etcheverry, Julgado em 24/03/2011) GRIFEI

Saliento que a defesa estava ciente da realização do ato desde sua determinação e qualquer insurgência deveria ter vindo aos autos no decorrer da instrução, o que não ocorreu.

Ademais, tal análise psicológica da vítima aportou como supedâneo, como um reforço à prova produzida no decorrer da instrução, não sendo utilizada única e exclusivamente na formação da convicção do juízo.

Por fim, quanto à admissão de assistente técnico, tal ato não demanda intimação da parte, bastando que, havendo interesse, requeira sua admissão, o que não o fez.

Assim sendo, rejeito a preliminar invocada pela defesa.

2. Do Mérito

Antes de mais nada, é preciso esclarecer que, com o advento da Lei nº 12.015/2009, restaram revogados e/ou alterados os artigos 213, 214 e 224 do Código Penal, sendo que as condutas descritas na peça incoativa restaram previstas nas novas redações dadas pelos arts. 213 ou 217-A, § 1º, do Código Penal, operando o que se convencionou chamar doutrinariamente de continuidade normativa típica.

Dito isso, ao réu foi atribuída a conduta descrita no art. 217-A, caput, c/c art. 226, inciso II, ambos do Código Penal. Em síntese, teria ele, no dia 22 de abril de 2015, praticado ato libidinoso diverso da conjunção carnal contra a vítima A.M.S, com 02 anos de idade na época, consistindo o ato libidinoso em tocar a menina em suas partes íntimas, introduzindo os dedos em sua vagina, com o fim de satisfazer a sua lascívia.

Contudo, após detida análise da prova produzida, o que se verifica é que não restou demonstrada a existência do fato delituoso, ao menos não na forma como descrito na denúncia, tampouco de que tenha sido o réu o seu autor.

Não se olvida que após a situação vir à tona, a vítima foi encaminhada para atendimento, realizando inclusive uma entrevista com psicóloga, que originou o laudo acostado nas fls. 22 a 26 dos autos. Realizada abordagem lúdica, concluiu a expert que a criança efetivamente havia passado por uma situação hostil, com indicativos de abuso/violência do tipo intrafamiliar.

Entretanto, também não se pode desconsiderar que o laudo resultou de um único contato mantido com a ofendida, de tenra idade, não sendo definitivo ao apontar que a situação hostil ou de violência experimentada, tenha decorrido efetivamente de um abuso de natureza sexual, não obstante os indicativos existentes.

Faço esta ressalva porque o réu, em seu interrogatório, além de negar veementemente a imputação, o que, diga-se, já havia feito na fase policial (fls. 11/12), asseverou que jamais ficou sozinho com a menor e que no máximo deu um abraço na vítima, acreditando que a motivação para a acusação seria uma situação envolvendo um cachorro da mãe da vítima, o qual era 'brabo' e matou um filhote de cão seu, acabando por acertar o cachorro com uma enxada, o que causou forte desentendimento no dia, com gritos por parte da genitora da ofendida. Disse que nesta oportunidade, Paula afirmou: “eu vou arrumar pra ti”(sic). Desde então, asseverou que ficaram “de mal” e nunca mais “se deram”. Falou que em determinado dia, quando chegou em casa, sua esposa lhe disse que Paula tinha estado lá e relatado que o interrogando teria abusado da menor. Ne mesma hora, chamou Paula e lhe indagou sobre o que havia dito, tendo a mesma reiterado que a filha tinha contado a violência sofrida e dito que o autor seria o autor. Negou o fato e ouve nova discussão, sendo que Paula referiu que levaria adiante “isto aí”, ao que respondeu que levasse adiante pois também queria saber se algo havia acontecido com a menor. Reiterou que tinha a menor como filha e jamais faria algum mal a ela. Confirmou que a menor o chamava de pai, assim como ao seu padrasto e, na verdade, chamava a todos de pai, pois falava poucas palavras, eis que tinha tenra idade, e uma destas era 'papai'. Quanto à relação atual com a menor, disse que optou por se afastar da criança e que apenas a cumprimenta. Negou ser um “bicho papão” para a criança e que, dois dias antes da audiência, inclusive, a menina lhe viu e disse: “oi Fabiano”, respondendo “oi” para a menina também. Acredita que o fato narrado na denúncia sequer aconteceu, esclarecendo que Paula era usuária de drogas na época. Acrescentou, quanto a isto, que é padrinho de um outro filho de Paula, sendo que a criança não fala, sendo muda, sendo de conhecimento de todos que a genitora usou drogas durante os nove meses de gestação, inclusive levou-a várias vezes para o hospital em razão do uso de entorpecentes durante esta gestação. Narrou que a relação entre sua esposa e a cunhada é tranquila, mas que o fato estremeceu o convívio entre as famílias. Disse saber quem é o pai biológico da infante, mas sempre a tratou como filha. Ressaltou que na casa da vítima existe grande “entra e sai” de pessoas, de todos os tipos. Negou que ficasse sozinho com a vítima e nunca trocou fralda ou algo do tipo, não lembrando sequer de pegar a mesma no colo (mídia da fl. 104).

E as afirmações feitas pelo acusado encontram guarida na prova dos autos.

No ponto, a sua companheira, FERNANDA M.M., irmã da genitora da vítima, e com quem até os dias atuais possui boa relação de convivência, frequentando a residência e participando da rotina familiar, confirmou que o réu e sua irmã, apesar de serem amigos no início, na época já não possuíam bom...

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