Acórdão nº 50019545120218210017 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Quinta Câmara Cível, 25-05-2022

Data de Julgamento25 Maio 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50019545120218210017
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoQuinta Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002082647
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

5ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5001954-51.2021.8.21.0017/RS

TIPO DE AÇÃO: Fornecimento de medicamentos

RELATORA: Desembargadora LUSMARY FATIMA TURELLY DA SILVA

APELANTE: UNIMED VALE DO TAQUARI E RIO PARDO (RÉU)

APELADO: CARLA LUCIANE MAUER FICK (AUTOR)

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de apelação cível interposto por UNIMED VALE DO TAQUARI E RIO PARDO, nos autos desta ação de obrigação de fazer que lhe move CARLA LUCIANE MAUER FICK, contra a sentença (evento 56, SENT1 do processo originário) que julgou procedente o pedido.

Adoto o relatório da r. sentença, que bem narrou o presente caso:

Vistos etc.

CARLA LUCIANE MAUER FICK, qualificada nos autos, ingressou com AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER contra UNIMED VALE DO TAQUARI E RIO PARDO, também qualificada. Narrou que beneficiária do Plano de Assistência à Saúde, operado pela empresa requerida. Ocorre que está grávida de 06 semanas, porém, descobriu que sofre de Trombofilia, moléstia que resulta a interrupção da gestação, bem como a morte à parturiente. Em razão disso, referiu que deve ser ministrado a solução injetável denominada Enoxoparina 60mg, durante toda a gestação e 06 semanas após o parto, evitando assim o risco de morte tanto da gestante quando do feto. Contudo, sustentou que a requerida negou a cobertura do medicamento, o que viola o princípios que regem o equilíbrio do contrato, sendo conduta abusiva e ilegal. Mencionou que é o médico quem decide qual o melhor tratamento para a paciente e o plano de saúde pode até estabelecer quais doenças são cobertas, mas não o tipo de tratamento utilizado. Desse modo, requereu a procedência da demanda, juntando documentos (evento 01).

Recebida a inicial, deferida a AJG e deferida a tutela de urgência postulada (evento 03).

A requerida apresentou contestação (evento 14). Aduziu que a parte autora é beneficiária de plano privado de assistência à saúde firmado em 23.09.2020, com previsão de vigência a partir de 01.10.2020. Trata-se, portanto, de plano “regulamentado”, sujeito às normas da LPS (art. 35, caput), bem como às normas regulamentares da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Sustentou que a enoxaparina é medicamento antineoplásico, sendo possível sua administração em domicílio, incidindo o disposto no já citado art. 10, inciso VI, da LPS, pelo qual não é obrigatória a cobertura assistencial de “medicamentos para tratamento domiciliar”, o que também está previsto na Cláusula 12, inciso VI, do contrato de plano de saúde, que além de respeitar os ditames do referido art. 10, inciso VI, da LPS, respeita o que está previsto no art. 17, inciso VI, da RN nº. 465/2021, da ANS, que, quanto ao ponto, possui legitimidade dada pelo § 1º do art. 10 da LPS. Referiu que a negativa de cobertura assistencial está em plena consonância com a lei. Desse modo, requereu a improcedência da demanda, juntando documentos.

Interposto Agravo de Instrumento pela requerida (evento 17).

Replicou a autora (evento 33), ratificando e reforçando os termos narrados na inicial.

Instadas as partes quanto as provas a produzir (evento 36).

As partes postularam o julgamento antecipado (eventos 42 e 43).

O Agravo de Instrumento foi desprovido, no sentido de manter a liminar concedida (evento 52).

É o relatório.

E o dispositivo sentencial foi exarado nos seguintes termos:

ANTE O EXPOSTO, nos termos do art. 487, I, do CPC/2015, julgo PROCEDENTE a AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER aforada por CARLA LUCIANE MAUER FICK contra UNIMED VALE DO TAQUARI E RIO PARDO, todos qualificados, para o efeito de, tornando definitiva a tutela de urgência deferida, determinar a requerida o fornecimento do tratamento de Trombofilia com o fármaco Enoxoparina 60mg à autora, conforme indicação médica, enquanto perdurar a necessidade. Condeno a requerida ao pagamento das despesas processuais, bem como honorários advocatícios ao procurador da autora, que fixo em 10% sobre o valor da causa, nos termos do art. 85 e segs., do CPC/2015.

Em suas razões recursais (evento 63, APELAÇÃO1 do processo originário), a parte ré refere que há hipótese de exclusão de cobertura para o medicamento postulado elencada no art. 10 da Lei 9.656/98, pois se trata de medicamento de uso domiciliar. Aponta que o contrato possui previsão acerca da exclusão de cobertura. Colaciona julgados do e. STJ e do TJRS. Aduz que o entendimento exarado na sentença contribui para o desequilíbrio econômico-financeiro da avença. Pondera que todas as doenças listadas na Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde, da Organização Mundial de Saúde são de cobertura obrigatória para os planos de saúde. Defende que agiu em exercício regular de direito. Assevera que o fármaco não está previsto no Rol da ANS, o qual alega ser taxativo. Requer o provimento do recurso.

Sobrevieram contrarrazões (evento 66, PET1 do processo originário).

Intimada, a parte autora regularizou a sua representação processual (evento 14, OUT2).

Vieram os autos conclusos para julgamento.

Tendo em vista a adoção do sistema informatizado, os procedimentos previstos nos artigos 931, 932 e 934 do Código de Processo Civil foram simplificados, porém cumpridos na sua integralidade.

É o relatório.

VOTO

Eminentes Colegas.

O recurso da parte ré é de ser conhecido, porquanto preenchidos os pressupostos de sua admissibilidade, sendo tempestivo e estando comprovado o preparo (evento 63, CUSTAS2 do processo originário).

Inicialmente, cumpre referir que não há mais dúvida quanto à aplicação do Código de Defesa do Consumidor aos contratos de seguros e de planos de saúde1. Trata-se de entendimento sumulado pelo e. STJ que, em 2010, editou a Súmula n. 469, que assim dispõe: “Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de saúde”. Observo que o entendimento foi mantido com a edição da Súmula n. 608 do e. STJ2, a qual cancelou a anterior, tendo a última apenas criado exceção para os casos dos planos de autogestão.

Dessa forma, tornou-se clara a identificação das seguradoras ou operadoras de planos de saúde como fornecedoras de serviço e do beneficiário (segurado) como destinatário final (consumidor), nos termos do que dispõem os artigos 2º, “caput”3, e 3º, §2º4, da legislação consumerista.

Com efeito, os contratos de seguro e planos de assistência à saúde devem se submeter às regras constantes na legislação consumerista, para evitar eventual desequilíbrio entre as partes, considerando a hipossuficiência do consumidor em relação ao fornecedor; bem como manter a base do negócio a fim de permitir a continuidade da relação no tempo.

Destarte, estando os contratos submetidos às disposições do Código de Defesa do Consumidor, aplica-se, dentre outras, as seguintes regras: “As cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor” (art. 47 do CDC). E, considerar-se-ão abusivas, as que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada; sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade; estejam em desacordo com o sistema de proteção ao consumidor e as que se mostrem exageradas, como as excessivamente onerosas ao consumidor, as que restrinjam direitos ou ofendam princípios fundamentais do sistema (art. 51, incisos IV e XV e § 1º, incisos, I, II e III, do CDC).

Aliás, com relação à aplicação do CDC nos planos de saúde, a lição de Cláudia Lima Marques e Bruno Miragem5:

“O reconhecimento da aplicação do Código do Consumidor implica subordinar os contratos aos direitos básicos do consumidor, previsto no art. 6º do Código. Daí porque o STJ tenha superado as discussões dogmáticas sobre a natureza do contrato, como seguro ou plano, e tem decidido impor a este importante tipo contratual de consumo de massa uma boa-fé extremamente qualificada, exigindo de todos os fornecedores (operadoras, seguradoras e outros), o cumprimento do dever de informação, cooperação e cuidado. (…) se de um lado é certo que a necessidade de manter equilíbrio econômico-atuarial do contrato, em vista da previsão de riscos e probabilidades, e a respectiva sustentabilidade econômica que lhe assegure – tema que pertence à expertise do fornecedor - também é correto determinar a estes contratos uma interpretação conforme à boa-fé e sempre a favor do consumidor.”

No mesmo sentido, a jurisprudência desta colenda Câmara (com meus grifos):

APELAÇÃO CÍVEL. SEGUROS. PLANO DE SAÚDE. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C REPETIÇÃO DE VALORES. APOSENTADORIA. RESCISÃO DO CONTRATO DE TRABALHO. MANUTENÇÃO DO BENEFICIÁRIO NO PLANO. ARTIGO 31 DA LEI N.º 9.656/98. PLANO ESPECÍFICO PARA INATIVOS. POSSIBILIDADE. 1. Os contratos de planos de saúde estão submetidos ao Código de Defesa do Consumidor, nos termos do artigo 35 da Lei 9.656/98, pois envolvem típica relação de consumo. Súmula 608 do STJ. Assim, incide, na espécie, o artigo 47 do CDC, que determina a interpretação das cláusulas contratuais de maneira mais favorável ao consumidor. 2. É possível a manutenção do titular e seus dependentes por prazo indeterminado nos contratos de plano de saúde firmado por empresa em que o titular tenha trabalhado, desde que assuma o pagamento integral das mensalidades, exegese do art. 31 da Lei nº 9.656/98. 3. Hipótese de inclusão do autor em plano específico para inativos, com manutenção das condições de cobertura, porém com diferentes critérios para estabelecimento do valor das mensalidades. Possibilidade, nos termos da RN 279 da ANS. Precedentes. RECURSO DESPROVIDO. (Apelação Cível, Nº 70083529487, Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Isabel Dias Almeida, Julgado em: 27-05-2020)

APELAÇÃO CÍVEL. PLANO DE SAÚDE. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. REALIZAÇÃO DE TRATAMENTO CONSIDERADO EXPERIMENTAL. MEDICAMENTO OFF LABEL. COBERTURA DEVIDA. 1....

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