Acórdão nº 50019885120178215001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Vigésima Quarta Câmara Cível, 27-04-2022

Data de Julgamento27 Abril 2022
ÓrgãoVigésima Quarta Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50019885120178215001
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001976063
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

24ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5001988-51.2017.8.21.5001/RS

TIPO DE AÇÃO: Bancários

RELATOR: Desembargador JORGE ALBERTO VESCIA CORSSAC

APELANTE: ZAQUEU MULLER RODRIGUES (AUTOR)

ADVOGADO: PAULO RENÉ SOARES SILVA (OAB RS052957)

APELANTE: BANCO ITAUCARD S.A. (RÉU)

ADVOGADO: PAULO TURRA MAGNI (OAB RS017732)

APELADO: OS MESMOS

RELATÓRIO

ZAQUEU MULLER RODRIGUES e BANCO ITAUCARD S.A. apelam da sentença que, nos autos da Ação Revisional que o primeiro ajuizou em desfavor do segundo, julgou parcialmente procedente a ação, nos seguintes termos:

Pelo exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a ação movida por ZAQUEU MULLER RODRIGUES para revisar o parcelamento da fatura do contrato de cartão de crédito nº 5489********1408 realizado no mês de novembro de 2015, para o fim de limitar os juros remuneratórios à taxa de 6,64% a.m., e descaracterizar a mora, condenando o réu à devolução dos valores cobrados em excesso, subtraindo-os, se for o caso, das parcelas vincendas, com a repetição simples do indébito caso exista crédito em favor da parte autora após a compensação dos valores, rejeitando os demais pedidos. Sucumbência parcial e recíproca, autoriza a divisão, metade para cada parte, das custas processuais. Honorários de cada patrono, fixados em R$1000,00 (um mil reais) custeados pela parte adversa. Suspensa a exigibilidade à autora, em razão da AJG. Transitada em julgado e nada requerido, arquive-se com baixa.(ev. 3, PROCJUD5, fls. 1-9).

Em suas razões recursais, a parte autora postula: 1) a inversão dos ônus probatório, com a intimação do réu para juntada do contrato pactuado, sob pena de aplicação dos arts. 359 e 319, CPC; b) repetição do indébito ou compensação; c) os juros remuneratórios devem ser limitados à taxa média de mercado estabelecida pelo BACEN; 2) afastar a cobrança da taxa de abertura de crédito e ou cadastro e emissão de boleto; 3) exclusão da capitalização dos juros, pois não há pactuação expressa; ; 4) deferimento das liminares pleiteadas em antecipação de tutela. Postula a reforma da sentença, julgando procedente a ação (ev. 3, PROCJUD5, fls. 14-31).

Apelo do réu, alegando, em preliminar, pela inépcia da inicial por não atender ao disposto no art. 330, § 2º, CPC. No mérito, pugna pela manutenção dos juros pactuados, a caracterização da mora e o indeferimento da compensação e repetição do indébito. Por fim, pede o redimensionamento do ônus sucumbencial. (ev. 3, PROCJUD5, fls. 32-49).

Contrarrazões pela parte demandada.

Cumpridas as formalidades legais, subiram os autos conclusos para julgamento.

É o relatório.

VOTO

O presente julgamento norteia-se pelas disposições processuais estabelecidas pelo Novo Código de Processo Civil.

ADMISSIBILIDADE RECURSAL

Com fundamento no art. 1010, §3º, in fine, presentes os pressupostos de admissibilidade intrínsecos e extrínsecos (cabimento e adequação, tempestividade, regularidade procedimental e formal, preparo o do réu e sem o da parte autora, por litigar ao abrigo da AJG, ausência de fato extintivo ou modificativo do direito de recorrer, legitimidade e interesse), recebo os apelos em ambos os efeitos.

DA RELAÇÃO CONTRATUAL

CARTÃO DE CRÉDITO

A presente ação tem por objeto o seguinte contrato:

Contrato de cartão de crédito Itaucard Mastercard Internacional nº 5489.xxxx.xxxx.1408, prevendo juros remuneratórios de 7,70% ao mês e 146,58% ao ano na modalidade rotativo, enquanto na modalidade parcelada com previsão de taxa de juros mensais de 7,45% e anuais 139,71% no mês de julho de 2017, conforme faturas juntadas às fls. 43/44, ev. 3, PROCJUD4, origem.

Importante ressaltar que, na inicial, a parte autora não especifica o período a ser revisado; apenas anexa faturas por amostragem. Logo, ante o princípio da adstrição e impossibilidade de análise de ofício da abusividade pelo juízo a quo, nos termos da Súmula 381, STJ, para exame da alegada abusividade dos juros remuneratórios, considera-se a última fatura anexada, referente ao mês de julho de 2017.

DO CONHECIMENTO PARCIAL DO RECURSO DA PARTE AUTORA

O efeito devolutivo consiste na transferência a um órgão de jurisdição superior o conhecimento da matéria decidida pelo magistrado de grau inferior. Referido efeito está atrelado ao princípio dispositivo, impedindo que o tribunal conheça de matéria que não foi objeto de pedido do recorrente. Ou seja, o recurso devolve ao Tribunal apenas a matéria efetivamente impugnada, somente se podendo julgar o que está contido nas razões recursais, nos limites do pedido de nova decisão (tantum devolutum quantun appellatum). Assim como não se admite o pedido genérico, o recurso não pode ser interposto genericamente, devendo conter pretensão recursal explícita.

Com efeito, incumbe ao recorrente proceder na articulação dos fundamentos jurídicos da pretensão e especificar em que consiste a mesma de maneira clara e objetiva.

No caso concreto, a parte autora, esta postulou o deferimento das liminares expostas na inicial. Contudo, deixou de lançar as razões recursais que embasam tal postulação.

Nesse contexto, impõe-se o não conhecimento do pedido de deferimento das liminares elaborado pela parte autora.

PRELIMINAR RECURSAL DE INÉPCIA DA INICIAL. ART. 330, §2º, DO CPC.

No caso concreto, verifica-se não ser caso de inépcia da inicial à luz do disposto no art. 330, § 2º, do CPC, uma vez que a parte autora apresentou memória de cálculo com aplicação dos juros remuneratórios que entende devidos no contrato revisando (ev. 3, PROCJUD1, fl. 37). Conquanto o cálculo apresentado não corresponda precisamente a todas às cláusulas impugnadas, satisfaz suficientemente a exigência prevista no mencionado dispositivo legal.

Logo, vai afastada a preliminar suscitada pelo demandado.

JUROS REMUNERATÓRIOS

Com relação à revisão dos juros, embora não divirja propriamente quanto à possibilidade de alteração de dispositivos contratuais que se mostrem abusivos, vinha mantendo entendimento mais restritivo quando da identificação das hipóteses de abusividade, conforme reiteradamente sustentado em decisões anteriores, tanto em primeiro quanto em segundo grau. Não obstante isso, considerando as peculiaridades do trabalho colegiado e também com vistas a preservar a unidade do julgamento, nesse tópico passo a adotar o posicionamento dominante nesta Câmara conforme desenvolvimento que segue.

Embora a questão da incidência do Código de Defesa do Consumidor se encontre superada pela edição do verbete 297 do STJ, tal não significa que a revisão de cláusulas contratuais seja medida imperativa, senão nos casos de comprovada abusividade.

Nessa linha, persiste o princípio da liberdade na fixação dos juros remuneratórios nos contratos de mútuo e negócios bancários em geral, a exceção daqueles regidos por legislação especial.

Tal questão, aliás, encontra-se sedimentada na Corte Superior, cujo entendimento é seguido pela jurisprudência majoritária do Tribunal Gaúcho.

Confira-se a Súmula n. 382 do STJ:

A estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, por si só, não indica abusividade.”.

Cito precedente:

“AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO REVISIONAL. CONTRATO DE FINANCIAMENTO. JUROS REMUNERATÓRIOS. SÚMULA N° 382/STJ.

CAPITALIZAÇÃO DE JUROS. JUROS COMPOSTOS. MORA CONFIGURADA.

1. "A estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, por si só, não indica abusividade" (Súmula n° 382/STJ).

2. "A capitalização dos juros em periodicidade inferior à anual deve vir pactuada de forma expressa e clara. A previsão no contrato bancário de taxa de juros anual superior ao duodécuplo da mensal é suficiente para permitir a cobrança da taxa efetiva anual contratada" (2ª Seção, REsp 973.827/RS, Rel. p/ acórdão Ministra Maria Isabel Gallotti, DJe de 24.9.2012). No caso dos autos, houve previsão de taxa mensal de 1,80%, e de taxa efetiva anual de 23,91% (fl. 276). Dessa forma, legítima a cobrança da taxa efetiva anual de juros remuneratórios, tal como convencionada.

3. O reconhecimento da cobrança indevida dos encargos exigidos no período da normalidade contratual descarateriza a mora do devedor.

No presente caso, contudo, os encargos discutidos em Juízo para o período da adimplência são regulares,

resultando que a cobrança, sob esse aspecto, faz-se sobre valores realmente devidos, não havendo motivo para afastar tais consectários, que também estão harmônicos com os parâmetros admitidos pelo STJ.

4. Agravo regimental a que se nega provimento.

(AgRg no REsp 1295204/RS, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 15/08/2013, DJe 22/08/2013)”

Nesse contexto, a redução dos juros depende de comprovação da onerosidade excessiva - capaz de colocar o consumidor em desvantagem exagerada - em cada caso concreto, tendo como parâmetro a taxa média de mercado para as operações equivalentes.

Com efeito, a jurisprudência do STJ, firmada em julgamento na sistemática do art. 543-C, do CPC, admite a substituição das taxas de juros remuneratórios contratada pela taxa média de mercado, quando se reconhece a abusividade da cláusula contratual (REsp 1.112.879/PR, Rel. Ministra Nancy Andrighi). Da mesma forma, vasta a jurisprudência do STJ no sentido de que a taxa média de mercado utilizada será aquela apurada no âmbito da mesma operação financeira (REsp 977.789/RS, Rel. Min. Sidnei Beneti, 3ª Turma, DJe 20/06/2008; e REsp 591.484/RS, Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, 4ª Turma, DJ 11/12/2006, entre outros).

Quanto ao período posterior, ressalto que as taxas médias de mercado, aplicadas para cartão de crédito, a partir de março de 2011, estão disponíveis na página eletrônica do Banco Central do Brasil - BACEN no endereço...

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