Acórdão nº 50020130320218210029 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Vigésima Quarta Câmara Cível, 30-03-2022

Data de Julgamento30 Março 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50020130320218210029
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoVigésima Quarta Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001548277
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

24ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5002013-03.2021.8.21.0029/RS

TIPO DE AÇÃO: Práticas Abusivas

RELATOR: Desembargador FERNANDO FLORES CABRAL JUNIOR

APELANTE: DELMA TERESINHA RIBEIRO (AUTOR)

APELADO: BANCO BMG S.A (RÉU)

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de apelação interposto por DELMA TERESINHA RIBEIRO em face da sentença que julgou improcedente a pretensão deduzida na ação declaratória c/c repetição de indébito e indenização decorrente de ato ilícito ajuizada contra BANCO BMG S.A. (Evento 30), cujo dispositivo foi redigido nos seguintes termos:

“[...]. Isso posto, com fundamento no artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil, JULGO IMPROCEDENTE o pedido deduzido por DELMA TERESINHA RIBEIRO em face de BANCO BMG S.A., com resolução de mérito.

Condeno a autora ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios de sucumbência, arbitrados estes em 10% sobre o valor da causa atualizado, na forma do artigo 85, §2°, do Código de Processo Civil; ficando suspensa a exigibilidade de tais verbas enquanto perdurar a gratuidade (artigo 98, §3°, do CPC).

Publicada e registrada eletronicamente, intimem-se.

Em suas razões recursais, a parte apelante alega, preliminarmente, que a relação estabelecida com o réu é de consumo, enquadrando-se nas regras do Código de Defesa do Consumidor. Postula a observância do art. 6º, inc. VIII, do CDC no que tange à inversão do ônus probatório. No mérito, afirma que a prática do banco de efetuar depósito em conta bancária do valor solicitado leva pessoas idosas e hipossuficientes a acreditarem estarem diante de um empréstimo pessoal consignado. Menciona não haver prova nos autos de devida informação ao consumidor da forma de utilização da modalidade contratual em análise, nem de entrega do cartão (plástico). Argui ter sido ludibriada, tendo sido imposto produto diverso do solicitado. Pontua que, na sistemática do contrato, o banco tornou-se sócio dos proventos de sua aposentadoria, visto que não há previsão para fim dos descontos. Alega a existência de excessiva onerosidade ao consumidor, dado que se tornou credora permanente e vitalícia da instituição financeira. Requer a declaração de nulidade dos descontos realizados em seu benefício de aposentadoria. Pede a conversão do contrato em empréstimo pessoal consignado, observando a taxa média do BACEN para essa modalidade, com compensação de valores já pagos. Explica o funcionamento do cartão de crédito consignado. Argumenta não haver provas de que tenha recebido o plástico ou as faturas. Postula que a conduta do banco incorre em dano moral in re ipsa, inerente ao próprio fato. Colaciona jurisprudência alinhada a sua argumentação. Pleiteia o recebimento do presente recurso nos seus efeitos ativo e suspensivo, nos termos do art. 1.012 do CPC, julgando procedentes os pedidos interpostos. Requer a reforma da sentença nos pontos atacados. Pede a condenação do banco ao pagamento das despesas processuais e dos honorários de sucumbência recursal (Evento 34).

Contrarrazões no Evento 39.

Foi indeferido o efeito suspensivo ativo pretendido (Evento 5).

É o relatório.

VOTO

A presente apelação interposta pela parte autora no Evento 34 é tempestiva, pois o prazo para recorrer da sentença iniciou em 11/10/2021 (Evento 32) e findou em 03/11/2021, sendo que o recurso foi interposto no dia 08/10/2021 (Evento 34). Além disso, a parte autora é beneficiária da gratuidade judiciária, sendo dispensada do pagamento do preparo (Evento 3). Dessa forma, considerando que o recurso é próprio, tempestivo e dispensa o preparo, recebo a apelação e passo ao exame da insurgência recursal.

1. RESPONSABILIDADE CIVIL DAS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS NAS RELAÇÕES DE CONSUMO. NULIDADE DO CONTRATO DE CARTÃO DE CRÉDITO COM RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL. OCORRÊNCIA.

O Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 3º, § 2º, incluiu expressamente a atividade de natureza bancária, financeira e de crédito no conceito de serviço.

Note-se:

Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.

§ 1° Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial.

§ 2° Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista – grifei.

Nesse contexto, o entendimento atual, tanto na doutrina como na jurisprudência dos Tribunais pátrios, é tranquilo acerca da aplicação do CDC nas operações bancárias, o que restou sumulado pelo Superior Tribunal de Justiça, inclusive:

Súmula nº 297: O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras.

Portanto, a responsabilidade contratual do banco é objetiva, nos termos do art. 14 do CDC, de modo que responde, independentemente de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços.

Reza o art. 14 do CDC:

O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

Trata-se de responsabilidade objetiva fundada na teoria do risco do empreendimento ou da atividade empresarial, segundo a qual, consoante doutrina de Sergio Cavalieri Filho:

(...) todo aquele que se disponha a exercer alguma atividade no mercado de consumo tem o dever de responder pelos eventuais vícios ou defeitos dos bens e serviços fornecidos, independentemente de culpa. Este dever é imanente ao dever de obediência às normas técnicas e de segurança, bem como aos critérios de lealdade, quer perante os bens e serviços ofertados, quer perante os destinatários dessas ofertas. A responsabilidade decorre do simples fato de dispor-se alguém a realizar atividade de produzir, estocar, distribuir e comercializar produtos ou executar determinados serviços. O fornecedor passa a ser o garante dos produtos e serviços que oferece no mercado de consumo, respondendo pela qualidade e segurança dos mesmos1.

Os requisitos, portanto, para a configuração da responsabilidade objetiva são: falha na prestação do serviço, dano e nexo causal.

Nesse tipo de responsabilidade, o fornecedor somente afasta o dever de reparar o dano se provar (ônus seu) a ocorrência de uma das causas que excluem o próprio nexo causal, enunciadas no § 3º do art. 14 do CDC, quais sejam, a inexistência do defeito (falha na prestação do serviço) e a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiros.

No caso concreto, todavia, restou demonstrada falha na prestação do serviço do banco réu, conforme passo a demonstrar.

Compulsando os autos, nota-se que a parte autora ajuizou a presente ação declaratória, alegando que lhe foi imposta pelo banco réu a contratação de cartão de crédito consignado quando possuía intenção de pactuar empréstimo consignado. Postulou, em razão do alegado, a declaração de nulidade do débito relacionado ao contrato de cartão de crédito consignado, bem como, a compensação do indébito.

O banco réu, em contestação, sustentou ter sido firmado pela parte demandante contrato de cartão de crédito consignado com autorização para desconto em folha de pagamento, defendendo a validade do negócio jurídico entabulado entre as partes, ao argumento de que a parte autora possuía ciência acerca dos termos da contratação. Requereu a improcedência da demanda.

Pois bem.

Oportuno referir que a reserva de margem consignável (RMC) foi instituída pela Instrução Normativa do INSS/Decreto n° 121, de julho de 2005, sendo por ela também disciplinada, e consiste na consignação futura de descontos e/ou retenções destinados ao pagamento de empréstimos, financiamentos ou operações de arrendamento mercantil que sejam operacionalizados por meio de cartão de crédito (art. 1°, §9°)2.

Sua implementação, no entanto, depende de autorização, por escrito ou por meio eletrônico, do titular do benefício, pelo que se depreende das exigências contidas nos incisos II e III do art. 3º da Instrução Normativa do INSS nº 28/2008, que teve a sua redação alterada pela Instrução Normativa do INSS nº 39/2009:

Art. 3º Os titulares de benefícios de aposentadoria e pensão por morte, pagos pela Previdência Social, poderão autorizar o desconto no respectivo benefício dos valores referentes ao pagamento de empréstimo pessoal e cartão de crédito concedidos por instituições financeiras, desde que:

(...)

II - mediante contrato firmado e assinado com apresentação do documento de identidade e/ou Carteira Nacional de Habilitação - CNH, e Cadastro de Pessoa Física - CPF, junto com a autorização de consignação assinada, prevista no convênio; e

III - a autorização seja dada de forma expressa, por escrito ou por meio eletrônico e em caráter irrevogável e irretratável, não sendo aceita autorização dada por telefone e nem a gravação de voz reconhecida como meio de prova de ocorrência. – grifei.

Ademais, cabe ressaltar que, nos termos do disposto nos artigos 1º, §1º e 6º da lei nº 10.820/20033, com redação dada pela lei nº 13.172/2015, se possibilita aos titulares de benefícios previdenciários que estes autorizem a realização de descontos em seus benefícios para a amortização de empréstimos, no limite de 30%, e de 5% para despesas contraídas por meio de cartão de crédito e para a utilização com a finalidade de saque por meio do cartão de crédito.

No caso em tela, o banco réu...

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