Acórdão nº 50020197220198210031 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Sétima Câmara Cível, 27-04-2022

Data de Julgamento27 Abril 2022
ÓrgãoSétima Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50020197220198210031
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001525001
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

4º Grupo Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5002019-72.2019.8.21.0031/RS

TIPO DE AÇÃO: Do Sistema Nacional de Armas

RELATORA: Juiza de Direito JANE MARIA KOHLER VIDAL

APELANTE: SEGREDO DE JUSTIÇA

APELADO: SEGREDO DE JUSTIÇA

RELATÓRIO

Trata-se de da irresignação de CASSIANO DA S. M., com a r. sentença que julgou procedente em parte a representação oferecida pelo MINISTÉRIO PÚBLICO, pela prática do ato infracional análogo ao delito de desacato, tipificado no art. 331 do Código Penal, aplicando-lhe medida socioeducativa de prestação de serviços à comunidade pelo prazo de 06 meses e 04 horas semanais junto ao CREAS, julgando improcedente a representação em relação aos atos infracionais de porte de arma de fogo, ameaça e resistência.

Sustenta a defesa, em preliminar, a necessidade de reconhecimento e aplicação subsidiária da legislação processual penal pertinente, por força do art. 152 do ECA, e a nulidade da sentença pela ausência dde confecção do laudo de avaliação social. No mérito, alega a atipicidade do ato infracional de desacato pela não recepção do delito e pela revogação por incompatibilidade material com a Convenção Americana de Direitos Humanos. Assevera, ainda, diz que a prova coligida é frágil e insuficiente para agasalhar a representação. Pretende seja anulada a sentença, ou absolvido ou, ainda, seja abrandada a medida socioeducativa imposta. Pede o provimento do recurso.

Intimado, o órgão ministerial apresentou contrarrazões pugnando pelo desprovimento do recurso.

Com vista dos autos, a douta Procuradoria de Justiça lançou parecer opinando pela rejeição da prefacial e, no mérito, pelo desprovimento do recurso da defesa.

É o relatório.

VOTO

Estou desacolhendo o pleito recursal.

Inicio focalizando as duas prefaciais de nulidade, mas já adianto que são descabidas.

Quanto à preliminar de necessidade de reconhecimento da existência de um sistema penal juvenil, nada a modificar no processo em exame, pois houve completa observância dos direitos e garantia do damandado, com observação das regras processuai penais pertinente, nos exatos termos do arti go 152 do ECA.

A segunda preliminar, de igual sorte, não procede, pois o laudo de exame por equipe interdisciplinar constitui elemento de convicção útil, cuja elaboração o julgador deve determinar sempre que entender conveniente, mas sua realização é facultativa e, obviamente, não vincula o julgador, não ensejando nulidade processual a sua ausência.

Ou seja, é irrelevante o fato de inexistir laudo técnico, seja de avaliação social, seja de avaliação psicológica, pois a imposição da medida socioeducativa constitui providência de cunho jurisdicional, não sendo, em absoluto, uma providência indispensável.

Aliás, o art. 186, caput, do ECA tem clareza solar quando estabelece que o julgador deve ouvir o infrator e seus pais ou responsável e se o desejar, pode solicitar a opinião de profissional qualificado. E tanto assim é que o verbo utilizado pelo legislador indica faculdade – pode – e não obrigação, caso em que teria lugar outro verbo - deve.

Portanto, é exclusivamente ao julgador que compete a definição da medida socieducativa mais adequada para a reeducação e a ressocialização do infrator, e o magistrado deve fazê-lo segundo o seu livre convencimento.

Essa questão, aliás, já está pacificada neste Tribunal de Justiça, sendo, inclusive objeto da Conclusão nº 43 do CETJRGS, valendo transcrevê-la:

“Em processo de apuração de ato infracional, a realização de laudo pela equipe interdisciplinar não é imprescindível à higidez do feito, constituindo faculdade do juiz a sua oportunização.”

Assim, tal prova deve ser realizada apenas quando o julgador entender conveniente para subsidiar sua decisão, sendo sua realização facultativa.

Passo ao exame do mérito e adianto que melhor sorte não aguarda o recorrente.

Não há que se falar em inconstitucionalidade do delito de desacato. O Brasil é signatário da Convenção Americana de Direito Humanos (Pacto da Costa Rica) e o STJ já consagrou a posição de que o artigo 13 da Convenção não exclui o ordenamento jurídico pátrio.

Com efeito, restando cabalmente comprovadas a autoria e a materialidade do ato infracional descrito na representação, impõe-se o juízo de procedência e a aplicação da medida socioeducativa compatível com a gravidade do fato e com as condições pessoais do infrator.

Assim, tendo o fato sido narrado com segurança pelos policiais militares que efetuaram a apreensão, sendo forçoso convir que a prova coligida é segura e suficiente para agasalhar o juízo de procedência da representação.

Por oportuno, estou acolhendo também o parecer de lavra do ilustre PROCURADOR DE JUSTIÇA ALCEU SCHOELLER DE MORAES, que transcrevo, in verbis:

"DA ADMISSIBILIDADE

O recurso é tempestivo e cabível.

PRELIMINARMENTE: SEM NULIDADE AO INTERROGAR

De ofício a Relatoria instaria as partes à manifestação, ao horizonte de evitar surpresa decisória, quanto à perspectiva de nulidade na localização processual do interrogatório do adolescente.

A significar que assim se tenderia a decidir, por isso o terreno aplainado.

Contraponha-se desde logo perante a surpresa que brotará para não surpreender.

Inexiste nulidade quando descabe reposicionar o interrogatório do adolescente fora do nicho definido pela lei infantojuvenil e o aporte do raciocínio baseado no jusprocessualismo penal não é bem-vindo, porque desencaixado do rito legal próprio, subverterá sem produzir benefícios palpáveis ao acusado do ato infracional.

Invocam-se os fundamentos do precedente desta Procuradoria de Família, da lavra da eminente Procuradora de Justiça Ana Maria Moreira Marchesan na APELAÇÃO CÍVEL N.º 5001914- 20.2021.8.21.0001 desta 8ª Câmara Cível:

“Face ao princípio da não surpresa, retornaram os autos para manifestação acerca de eventual nulidade decorrente da oitiva do adolescente antes das testemunhas arroladas pelas partes no processo.

No caso dos autos, com a devida vênia do entendimento do eminente Desembargador Relator, não há que se falar em nulidade da sentença e/ou do feito por violação ao sistema acusatório, bem como dos princípios da ampla defesa e contraditório pelo fato de ter sido o representado interrogado no início da instrução.

Em que pese não se desconheça, por força da previsão do artigo 152 do Estatuto da Criança e do Adolescente, ser cabível a aplicação das normas do Código de Processo Penal aos procedimentos de apuração de ato infracional praticado por adolescente, os quais tramitam perante as Varas do Juizado da Infância e Juventude e possuem natureza civil, é importante reforçar, na linha dos ensinamentos do especialista Luciano Alves Rossato, “[...] que essa aplicação deve ser subsidiária, de modo que, existindo regra específica no Estatuto, é esta que deve ser aplicada” . Apesar disso, cabe registrar não se confundirem as medidas socioeducativas com as penas, haja vista aquelas destinarem-se à ressocialização do adolescente autor de ato infracional, a fim de possibilitar o seu adequado convívio social.

No mesmo sentido, foram as conclusões do eminente Des. Relator Jorge Luís Dall’Agnol, porocasião do julgamento da Apelação Cível nº 70072716152, nesses termos:

Inicialmente, se é certo que os direitos e garantias da legislação penal e processual penal se aplicam aos casos afetos à Infância e Juventude, em respeito ao princípio da proteção integral, não é menos certo, contudo, que a legislação pertinente aos adolescentes é o Estatuto da Criança e do Adolescente, logo, a legislação processual penal é aplicada em caráter subsidiário, quando não afrontam às disposições e princípios contidos no estatuto menorista, bem assim quando há lacuna na lei específica. Sobre isso, precedente do egrégio Superior Tribunal de Justiça, quando do julgamento do HC 164369/DF, Relator Ministro VASCO DELLA GIUSTINA (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/RS), julgado em 20-10-2011, DJe 09/11/2011: “Nos termos do art. 152 da Lei 8.069/90, a legislação processual penal é aplicada ao Direito do Menor apenas subsidiariamente”.

Ainda que se admita a aplicação subsidiária do Código de Processo Penal aos procedimentos afetos à justiça da infância e juventude, há de se relativizar o rigor formal das normas processuais penais, não só porque o exame dos fatos em tais procedimentos se opera atentando-se às normas do Processo Civil, mas também porque visam aplicação de medidas com intuito de reeducação do adolescente. Ainda assim, consoante o Superior Tribunal de Justiça, “em tema de nulidades o nosso sistema processual penal adota o princípio pas de nullité san grief, no qual somente se declara a nulidade de um ato processual quando houver a efetiva demonstração de prejuízo à parte” (HC 111750/SP, Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, QUINTA TURMA, j. 22/11/2011, DJe 01/02/2012), o que não se evidenciou no presente caso”. (grifou-se)

Corroborando o entendimento, as lições de Guilherme de Souza Nucci:

58. Caráter subsidiário: a utilização da legislação processual penal (ou da processual civil) se faz em modalidade subsidiária – e não principal, pois conflitaria com os procedimentos estabelecidos por este Estatuto. Conferir STJ: “A aplicação subsidiária de norma processual deve guardar pertinência com a natureza da infração administrativa, no que concerne ao regramento geral não previsto no próprio procedimento especial do Estatuto da Criança e do Adolescente, exegese do art. 152 do ECA.

Verifica-se, assim, que a aplicação de medidas socioeducativas a adolescentes acusados da prática de ato infracional está sujeita a um procedimento próprio, disciplinado pelos artigos 171 a 190 do Estatuto da Criança e do Adolescente, o qual pressupõe a observância de uma série de regras e princípios de Direito...

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