Acórdão nº 50020368820178210028 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Vigésima Câmara Cível, 15-02-2023

Data de Julgamento15 Fevereiro 2023
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50020368820178210028
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoVigésima Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20003157784
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

20ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5002036-88.2017.8.21.0028/RS

TIPO DE AÇÃO: Bancários

RELATOR: Desembargador CARLOS CINI MARCHIONATTI

APELANTE: ANDRE LUIS BATTISTI (AUTOR)

APELANTE: MARIANA AVRELLA PETRY (AUTOR)

APELADO: BANCO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL S/A - BANRISUL (RÉU)

RELATÓRIO

A sentença julgou improcedência a ação denominada de declaratória de nulidade de cláusula contratual, cumulada com desconstituição de garantia hipotecária, que ANDRE LUIS BATTISTI e MARIANA AVRELLA PETRY moveu a BANCO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL S/A - BANRISUL, pretendendo a anulação das cláusulas de hipoteca contidas nas cédulas rurais, assim:

Vistos etc.

ANDRÉ LUIS BATTISTI e MARIANA AVRELLA PETRY ajuizaram “ação declaratória de nulidade c/c desconstituição de garantia hipotecária” contra BANCO DO ESTADO DO RIO GRNADE DO SULBANRISUL, todos qualificados. Declararam que firmaram com a empresa ré contrato de aquisição de crédito para o desempenho de atividades agrícolas em seu minifúndio. Disseram que tais empréstimos se tornaram excessivamente onerosos. Informaram que a primeira dívida, no valor de R$ 69.593,58, foi adquirida para o custeio do plantio de soja e está comprovada na cédula rural pignoratícia e hipotecária n° 0796499.29. Referiram que, nesse contrato, foi dada em garantia uma área de 54.912 m² (5, 49 ha) contidos na matrícula n° R5-4035, situada no município de Tuparendi/ RS. Informaram que essa área é constituída de fração de 4,49 hectares do lote rural n° 197 e que o restante pertence ao lote rural n° 198. Declararam que a segunda dívida, comprovada na Escritura Pública de Confissão de Dívida com Garantia de Hipoteca e Fiança n° 6.858/066/2016, é no valor de R$ 96.657,49. Informaram que em garantia da segunda dívida, foi dado fração de 42.000m² (4,2 ha), pertencente aos mesmos lotes rurais n° 197 e 198, mas na matrícula n° 5013. Alegaram que os imóveis exigidos em garantia hipotecária são impenhoráveis, pois constituem pequena propriedade rural, menor que um módulo fiscal e trabalhada em regime de economia familiar. Defenderam que a garantia real para a qual foi dada a propriedade não possui o condão de afastar sua impenhorabilidade, pois esse direito é irrenunciável. Defenderam a inaplicabilidade do art. 3°, V, da Lei n° 8.009/90, pois este não pode mitigar a garantia constitucional de impenhorabilidade conferida. Referiram os arts. 5°, XXVI, e 833, ambos da CF. Afirmaram que, conforme informações do INCRA, é considerada pequena propriedade rural aquela inferior a 4 módulos fiscais. Informaram que um módulo fiscal compreende 20 hectares. Colacionaram jurisprudência. Requereram, em sede de antecipação de tutela, a suspensão de qualquer ato expropriatório. No mérito, requereram o julgamento procedente da ação para declarar nulas as cláusulas contratuais de alienação fiduciária e desconstituir as hipotecas que recaem sobre os imóveis das matrículas de n° 4035 e 5013. Pediram a gratuidade da justiça e a inversão do ônus da prova. Acostaram documentos (fls. 14/40).

Foi deferida a gratuidade da justiça aos autores e foi indeferido o pedido de suspensão dos atos expropriatórios (fl. 41).

Citada (fl. 45), a parte ré apresentou contestação (fls. 46/55). Arguiu, preliminarmente, a inadequação da via eleita para pleitear a impenhorabilidade dos bens, pois esta deveria ter sido postulada nos autos da ação de execução. Alegou que não existem motivos para a suspensão da execução, pois os autores não restariam prejudicados, já que possuem outros bens imóveis em seu nome. Defendeu que a alegação de que a propriedade dada em garantia é impenhorável não deve prosperar, uma vez que os autores seguiriam suas atividades nas outras terras que lhe pertencem. Defendeu que a anulação da garantia fiduciária fere o princípio da boa-fé, pois prestada de livre vontade pela parte autora. Discorreu acerca do instituto da “venire contra factum proprium”. Colacionou jurisprudência. Disse que não há que se falar na impenhorabilidade garantida no art. 833, VIII, do CPC, e no art. 5°, XXVI, da CRFB/88, pois o bem objeto da penhora não é o único bem imóvel dos autores, podendo eles residir em qualquer um dos outros imóveis. Defendeu que não existem provas de que o bem penhorado sirva de residência ao autor ou que é o garantidor de renda para sua família. Alegou que os bens indicados à penhora nas ações de execução n° 028/1.17.0004444-0 e 028/1.180000158-0 não podem ser considerados bens de família, pois foram dados livremente em garantia hipotecária. Ao final, requereu o julgamento improcedente da ação. Acostou documentos (fls.56/71v).

Houve réplica (fls. 73/80).

Foi afastada a preliminar de inadequação da via eleita para pleitear a impenhorabilidade dos bens. As partes foram intimadas para a produção de provas (fl. 81 e verso).

A parte autora peticionou ratificando os documentos acostados na inicial e requerendo o julgamento procedente da ação (fls. 85/86).

Acostou documentos (87/93). Foi determinada a intimação do requerido para se manifestar sobre os documentos juntados nas fls. 87/93 (fl. 94). Em resposta (fls. 96/99), a parte ré peticionou defendendo a manutenção da garantia. Requereu o julgamento improcedente da ação.

Vieram os autos conclusos.

É o relato.

Decido.

Mérito.

Trata-se de pedido de desconstituição de garantia hipotecária, dada na contratação de cédula de crédito rural, frente ao caráter de impenhorabilidade concedido à pequena propriedade rural.

Como se depreende da inicial, a parte requerida financiou à parte autora o valor total de R$ 166.251,07 (R$ 69.593,58 + R$ 96.657,49), sob garantia de parte dos lotes rurais n° 197 e 198. A estes lotes pertencem as matrículas de n° R5-4035 com área de 5, 49 hectares, envolvendo a garantia 4,49 hectares, e a matrícula de n° 5013 com área de 8,4 hectares, dos quais 4,2 hectares foram dados em garantia de dívida.

Alega a autora que o bem constrito é impenhorável por se tratar de imóvel que serve de moradia à família e porque a propriedade é inferior a quatro módulos fiscais, sendo considerando pequena propriedade, destinada ao sustento do núcleo familiar. O

art. 5º, XXVI, da Constituição da República, determina a impenhorabilidade da pequena propriedade rural, consoante a definição legal, e desde que trabalhada pela família.

XXVI - a pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que trabalhada pela família, não será objeto de penhora para pagamento de débitos decorrentes de sua atividade produtiva, dispondo a lei sobre os meios de financiar o seu desenvolvimento;

No mesmo sentido, o art. 833, VIII, do CPC, bem como o art. 1º, parágrafo único e art. 4º, § 2º da Lei nº 8.009/80.

Art. 833. São impenhoráveis:

VIII - a pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que trabalhada pela família;

Art. 4º Não se beneficiará do disposto nesta lei aquele que, sabendo-se insolvente, adquire de má-fé imóvel mais valioso para transferir a residência familiar, desfazendo-se ou não da moradia antiga.

§ 2º Quando a residência familiar constituir-se em imóvel rural, a impenhorabilidade restringir-se-á à sede de moradia, com os respectivos bens móveis, e, nos casos do art. 5º, inciso XXVI, da Constituição, à área limitada como pequena propriedade rural.

Portanto, para o reconhecimento da impenhorabilidade do imóvel rural, necessário o preenchimento de dois requisitos: a área deve estar enquadrada como pequena propriedade rural e, além disso, imprescindível que a família desenvolva atividade produtiva e dela tire o seu sustento.

A Lei n.º 8.629/93, em seu art. 4º, I, define a pequena propriedade rural como sendo o imóvel rural de área compreendida entre 01 e 04 módulos fiscais.

Neste sentido, o imóvel da parte embargante enquadra-se, perfeitamente, no conceito de pequena propriedade rural. Trata-se de uma área de aproximadamente 14 hectares, atendendo assim à exigência legal, uma vez que o módulo fiscal da região é 20 hectares ( http://www.incra.gov.br/tabela-modulo-fiscal).

No caso dos autos, os autores alegam que a família retira seu sustento exclusivamente do trabalho realizado na propriedade rural. Destaca-se que foram acostadas notas do bloco de produtor rural (fls. 88/93) onde se percebe que realmente a família atua no ramo da pecuária. No entanto, não foram anexadas aos autos provas de que os autores não possuem outras propriedades, e nem de que sua residência encontra-se nas frações de terra dadas em garantia, pelo contrário, se depreende dos contratos acostados nas fls. 22/31 que as terras dadas em garantias não possuem benfeitorias, portanto, não é nelas que se localiza a residência da família. Sendo assim, não estão preenchidos os requisitos legais para que se declare a impenhorabilidade da propriedade.

A hipoteca vem a constituir garantia para que, se eventualmente o devedor não cumpra com a obrigação, se proporcione ao credor ajuizar a execução forçada penhorando o bem dado em garantia.

Destaca-se que o benefício da impenhorabilidade tem o fim de proteger o interesse da família sobre o credor, resguardando o imóvel residencial desde que preenchidos os requisitos. Além do mais, neste caso, a propriedade foi livremente posta na hipoteca, o que, por si só, já lhe retira o caráter de impenhorabilidade, pois tal garantia tem como exceção o disposto no artigo 3º, inciso V, da Lei n.º 8.009/90:

Art. 3º A...

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