Acórdão nº 50020625720188213001 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Terceira Câmara Cível, 31-03-2022

Data de Julgamento31 Março 2022
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Classe processualApelação
Número do processo50020625720188213001
Tipo de documentoAcórdão
ÓrgãoDécima Terceira Câmara Cível

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20001725602
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

13ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5002062-57.2018.8.21.3001/RS

TIPO DE AÇÃO: Alienação fiduciária

RELATOR: Desembargador ANDRE LUIZ PLANELLA VILLARINHO

APELANTE: ANA CRISTINA PINHO E SILVA (AUTOR)

APELADO: AYMORE CREDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO S.A. (RÉU)

RELATÓRIO

Trata-se de apelação interposta por ANA CRISTINA PINHO E SILVA contra a sentença proferida pelo Juízo do Projeto de Gestão e Racionalização das Ações de Massa I da Comarca de Porto Alegre, que julgou improcedente a ação revisional ajuizada pela ora recorrente em desfavor AYMORÉ CRÉDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO S.A., condenando-a ao pagamento dos consectários da sucumbência, cuja exigibilidade restou suspensa, em face da gratuidade judiciária concedida.

A autora ajuizou a presente demanda pretendendo, com base nas disposições do Código de Defesa do Consumidor, a revisão do contrato de financiamento bancário (cédula de crédito nº 322995604), firmado pelas partes litigantes em 29.08.2016 (evento 4, doc. 1), sustentando restar caracterizada abusividade nos encargos cobrados pela instituição financeira.

Indeferido o pedido de tutela antecipada (evento 4, doc.1), da decisão, a autora agravou, tendo sido negado provimento ao recurso, conforme acórdão de minha relatoria (agravo de instrumento nº 70076850528 - evento 4. doc. 3).

Citada, a financeira apresentou contestação (evento 4, docs. 2 e 3).

Indeferido o pedido de gratuidade judiciaria (evento 2, doc. 3), da decisão, a autora agravou, tendo sido provido o recurso para conceder a benesse, conforme acórdão (agravo de instrumento nº 70081967093 - evento 4, doc. 3).

Sobreveio sentença julgando improcedente o pedido revisional e condenando a autora ao pagamento das custas processuais e de honorários advocatícios ao procurador da instituição financeira, fixados em R$ 1.000,00; suspensa a exigibilidade dos encargos sucumbenciais, tendo em vista a gratuidade judiciária concedida (evento 4, docs. 3 e 4).

Inconformada, a autora recorreu (evento 4, doc. 4).

Em suas razões, a apelante reedita a tese de abusividade dos encargos contratados. Afirma que a taxa de juros remuneratórios deve ser limitada à média de mercado regulada pelo BACEN, pena de restar caracterizada vantagem excessiva da instituição financeira. Insurge-se, ainda, quanto à capitalização dos juros, requerendo que seja vedada em qualquer periodicidade, já que não foi expressamente pactuada, bem como quanto à cobrança de comissão de permanência e da tarifa de cadastro. Em face da revisão, postula a compensação de valores e/ou a repetição do indébito e defende a descaracterização da mora. Em sede de tutela antecipada, requer que seja obstada a inscrição do seu nome nos cadastros restritivos ao crédito, bem como a manutenção na posse do veículo dado em garantia contratual. Nesses termos, requer o provimento do recurso, com a reforma da sentença e o redimensionamento da sucumbência.

Regularmente intimada a instituição financeira, que apresentou contrarrazões (evento 4, docs. 4 e 5).

Os autos foram remetidos a este Tribunal (evento 4.doc. 5).

É orelatório.

VOTO

Cuida-se de apelação interposta por ANA CRISTINA PINHO E SILVA contra a sentença proferida pelo Juízo do Projeto de Gestão e Racionalização das Ações de Massa I da Comarca de Porto Alegre, que julgou improcedente a ação revisional ajuizada pela ora recorrente em desfavor AYMORÉ CRÉDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO S.A., condenando-a ao pagamento dos consectários da sucumbência, cuja exigibilidade restou suspensa, em face da gratuidade judiciária concedida.

A autora ajuizou a presente demanda pretendendo, com base nas disposições do Código de Defesa do Consumidor, a revisão do contrato de financiamento bancário (cédula de crédito nº 322995604), firmado pelas partes litigantes em 29.08.2016 (evento 4, doc. 1), sustentando restar caracterizada abusividade nos encargos cobrados pela instituição financeira, especificamente no que concerne à taxa de juros remuneratórios, capitalização, cobrança de comissão de permanência e de tarifas administrativas atreladas à outorga do financiamento. Advogou pela descaracterização da mora e pela compensação de valores e/ou repetição do indébito. Em sede de tutela antecipada, requereu que fosse obstada a inscrição de seu nome em cadastros de órgãos restritivos ao crédito e a manutenção na posse do veículo dado em garantia contratual, além de requerer que fosse autorizado o depósito em juízo das parcelas pelo valor reputado incontroverso (R$ 544,70).

Julgada improcedente a demanda, contra essa decisão a autora se insurge.

Em síntese, a apelante renova o pedido de limitação da taxa de juros remuneratórios à média de mercado apurada para o período da contratação e de afastamento da capitalização, da comissão de permanência, além de se insurgir quanto à cobrança da tarifa de cadastro, reiterando pedido de descaracterização da mora e de tutela antecipada.

Da preliminar de não conhecimento do recurso.

Em contrarrazões, a insyituição financeira argui violação ao princípio da dialeticidade, postulando o não conhecimento da apelação interposta pela parte autora.

Com efeito, o art. 1.010 do Código de Processo Civil assim dispõe:

Art. 1010. A apelação, interposta por petição dirigida ao juízo de primeiro grau, conterá:
I - os nomes e a qualificação das partes;

II - a exposição do fato e do direito;
III - as razões do pedido de reforma ou de decretação de nulidade;
IV - o pedido de nova decisão.

Não obstante, embora não adotada a melhor técnica, e, em alguns tópicos seja caso de não conhecimento da apelação, o que será analisado oportunamente, o recurso atende, ainda que minimamente, aos requisitos do art. 1.010 do Código de Processo Civil, na medida em que, ao requerer a reforma da sentença, a parte recorrente fundamenta sua pretensão na alegada abusividade de encargos contratuais, além de postular a compensação de valores/repetição do indébito.

Em decorrência, não verifico ser caso de reconhecimento da inépcia recursal.

Rejeito, pois, a preliminar.

Dos juros remuneratórios.

A questão atinente aos juros remuneratórios foi amplamente analisada e definida por ocasião do julgamento do REsp nº 1.061.530-RS, no qual restou estabelecido que a alteração da taxa de juros pactuada depende da demonstração cabal de sua abusividade em relação à taxa média do mercado.

Neste sentido, o precedente da Corte Superior:

DIREITO PROCESSUAL CIVIL E BANCÁRIO. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO REVISIONAL DE CLÁUSULAS DE CONTRATO BANCÁRIO. INCIDENTE DE PROCESSO REPETITIVO. JUROS REMUNERATÓRIOS. CONFIGURAÇÃO DA MORA. JUROS MORATÓRIOS. INSCRIÇÃO/MANUTENÇÃO EM CADASTRO DE INADIMPLENTES. DISPOSIÇÕES DE OFÍCIO. DELIMITAÇÃO DO JULGAMENTO. [...] Neste julgamento, os requisitos específicos do incidente foram verificados quanto às seguintes questões: i) juros remuneratórios; ii) configuração da mora; iii) juros moratórios; iv) inscrição/manutenção em cadastro de inadimplentes e v) disposições de ofício. [...] I - JULGAMENTO DAS QUESTÕES IDÊNTICAS QUE CARACTERIZAM A MULTIPLICIDADE. ORIENTAÇÃO 1 - JUROS REMUNERATÓRIOS. a) As instituições financeiras não se sujeitam à limitação dos juros remuneratórios estipulada na Lei de Usura (Decreto 22.626/33), Súmula 596/STF; b) A estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, por si só, não indica abusividade; c) São inaplicáveis aos juros remuneratórios dos contratos de mútuo bancário as disposições do art. 591 c/c o art. 406 do CC/02; d) É admitida a revisão das taxas de juros remuneratórios em situações excepcionais, desde que caracterizada a relação de consumo e que a abusividade (capaz de colocar o consumidor em desvantagem exagerada – art. 51, §1º, do CDC) fique cabalmente demonstrada, ante às peculiaridades do julgamento em concreto. [...] Vencidos quanto a esta matéria a Min. Relatora e o Min. Luis Felipe Salomão. II- JULGAMENTO DO RECURSO REPRESENTATIVO (REsp 1061530/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 22/10/2008, DJe 10/03/2009) (grifei)

No contrato firmado pelas partes em 29.08.2016 (evento 4, doc. 1), restou pactuada a taxa de juros remuneratórios de 2,45% ao mês e de 33,75% ao ano, sobre o valor financiado. Por meio do site do Banco Central do Brasil é possível constatar que, quando da assinatura do contrato pelas partes, a média de mercado estava apurada em 26,17% ao ano.

Conforme referido acima, de acordo com a Tese fixada pelo Superior Tribunal de Justiça, o simples fato de a taxa prevista no contrato revisando ser superior à média divulgada pelo Banco Central para o período e modalidade de pactuação não importa em abusividade.

Assim – e considerando que os juros nada mais são do que o “valor do dinheiro no tempo”, servindo como “aluguel” do capital –, a verificação quanto à configuração (ou não) de abuso do encargo deve levar em consideração, necessariamente, fatores casuísticos: além da data em que formalizado o contrato, a espécie de financiamento e a garantia ofertada (ou se há mais de uma garantia exigida pela instituição financeira, reduzindo, assim o risco de inadimplência), a espécie de veículo financiado, se trata-se de bem móvel novo ou usado e o valor do capital emprestado.

Sopesando todas as circunstâncias supra, e observando que, no caso, a taxa prevista no contrato não ultrapassa o dobro da média divulgada pelo...

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