Acórdão nº 50020698120178210027 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Décima Oitava Câmara Cível, 26-05-2022

Data de Julgamento26 Maio 2022
ÓrgãoDécima Oitava Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50020698120178210027
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002119874
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

18ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5002069-81.2017.8.21.0027/RS

TIPO DE AÇÃO: Esbulho / Turbação / Ameaça

RELATOR: Desembargador JOAO MORENO POMAR

APELANTE: GRACIELE DOS SANTOS LEAL (RÉU)

APELADO: ANTONIA DOS SANTOS MENEZES (AUTOR)

APELADO: CACILDA DOS SANTOS LEAL (AUTOR)

APELADO: EVERSON SOARES DOS SANTOS (AUTOR)

APELADO: LUIS FRANCISCO FLORES DOS SANTOS (AUTOR)

APELADO: REASILVA SANTOS DE OLIVEIRA (AUTOR)

APELADO: ROSANGELA SOARES DOS SANTOS (AUTOR)

APELADO: SONIA MARGARETH DOS SANTOS LIMA (AUTOR)

RELATÓRIO

GRACIELE DOS SANTOS LEAL apela da sentença que julgou a ação de reintegração de posse e reconvenção em que contende com ANTÔNIA DOS SANTOS MENEZES E OUTROS, assim lavrada:

LUIS FRANCISCO FLORES DOS SANTOS, CACILDA DOS SANTOS LEAL, REASILVA SANTOS DE OLIVEIRA, SONIA MARGARETH DOS SANTOS LIMA, ROSÂNGELA SOARES SANTOS, EVERSON SOARES DOS SANTOS, ANTONIA DOS SANTOS MENEZES e NELSON FLORES DOS SANTOS ajuizaram “ação de reintegração de posse” em desfavor de GRACIELE DOS SANTOS LEAL.

Disseram ter herdado o imóvel localizado na R. Júlio Prado Lima, nº 16, nesta cidade, e tê-lo dado à demandada, também herdeira, em comodato verbal. Destacaram que, ultrapassado o prazo ajustado para que ela fizesse uso exclusivo do bem, ela não o desocupou, nele permanecendo à revelia da vontade dos demais herdeiros. Esclareceram que, mesmo no interregno em que o bem foi ocupado pela ré, atuaram como proprietários vigilantes, pagando os tributos decorrentes da propriedade e zelando pela conservação da coisa. Expuseram os fundamentos jurídicos da demanda e pediram sua procedência para ser reintegrados na posse do bem. Requereram a concessão de medida liminar. Juntaram procurações e documentos (fls. 08-30).

Designada audiência de justificação prévia (fl. 31).

A parte ré, citada (fl. 40), veio aos autos (fls. 41-44) indicar vício na composição do polo ativo, dado que NELSON FLORES DOS SANTOS já era falecido, e que à parte autora não fora deferida a gratuidade da justiça. Também teceu considerações quanto ao procedimento a ser adotado e requereu o cancelamento da justificação designada. Juntou procuração e documentos (fls. 45-48).

Mantida a audiência e deferida a gratuidade da justiça à parte autora e à parte ré. Ademais, NELSON FLORES DOS SANTOS foi excluído do polo ativo (fl. 49).

Em audiência de justificação prévia (fl. 51), foi tentada a conciliação, sem êxito, e ouvida uma testemunha (fls. 52/54), restando indeferida, ao final, a liminar.

A parte ré apresentou contestação e reconvenção (fls. 55-65) em que, inicialmente, impugnou a gratuidade da justiça concedida à parte autora. Ademais, em preliminar, sustentou a carência de ação por falta de interesse de agir e ilegitimidade passiva. No mérito, disse que os autores são filhos de FRANCISCO FLORES DOS SANTOS, seu avô, que, há vinte e um anos, emprestou-lhe parte do terreno de sua propriedade, agora sob disputa, para que erigisse uma casa. Disse que, efetivamente, construiu uma moradia no local, onde habitou com seu marido até 2003, ano em que seu avô faleceu – fato que teria caracterizado a extinção do comodato. Disse que, não obstante, permaneceu a residir no local, e que os autores não adotaram quaisquer medidas para removê-la até o ajuizamento desta ação. Defendeu estar configurada, na situação, a usucapião extraordinária, motivo pelo qual pediu a improcedência da ação, se não extinta por acolhimento da preliminar. Na reconvenção, disse que, na qualidade de possuidora de boa-fé, construiu no terreno cuja posse está sob disputa, motivo pelo qual entende que deve receber indenização pela acessão, assistindo-lhe direito de retenção. Pediu, portanto, a condenação da parte autora ao pagamento de indenização no valor de R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil reais). Juntou documentos (fls. 65-79).

Houve réplica e contestação à reconvenção (fls. 81-89/101-103) em que a parte autora defendeu que o imóvel que está assentado no terreno foi construído pelo filho da coautora ANTONIA DOS SANTOS MENEZES antes de ele constituir relacionamento afetivo com a ré, que não concorreu de qualquer modo para a construção. Por esse motivo, disse que a demandada não faz jus a indenização. Pediu a improcedência da reconvenção. Juntou documentos (fls. 90-92).

A reconvinte apresentou réplica (fls. 105-106).

Em decisão do saneamento e organização do processo (fls. 120-123), foram decididas as seguintes questões processuais pendentes:

1.1 – A impugnação à gratuidade da justiça há de ser rejeitada, por haver demonstração bastante de que todos os litisconsortes ativos bem enquadram-se no conceito de hipossuficiência financeira adotado por este juízo para a concessão da gratuidade da justiça. A desatualização do documento da fl. 18 pouco altera o quadro, especialmente porque os correspondentes contemporâneos (fl. 46-47) ainda indicam que LUIS FRANCISCO FLORES DOS SANTOS renda compatível com o benefício, se desconsiderados os benefícios eventuais (indicados sob a rubrica “remuneração eventual”), aparentemente pagos apenas nos meses de janeiro e fevereiro de 2017. Nos meses subsequentes, sua remuneração não ultrapassou os R$ 4.000,00 (quatro mil reais), como se verifica da consulta ao mesmo portal indicado pela parte ré ().

REJEITO, portanto, a impugnação à gratuidade da justiça.

1.2 – A preliminar suscitada pela parte ré assenta-se em equivocada interpretação do artigo 1.212 do Código Civil (“O possuidor pode intentar a ação de esbulho, ou a de indenização, contra o terceiro, que recebeu a coisa esbulhada sabendo que o era.”) e há de ser rejeitada. A leitura que a parte faz desse dispositivo – de que as ações possessórias só podem ser movidas contra o terceiro que recebeu a posse de má-fé – está em desacordo com a sistemática de proteção à posse estabelecida nos demais artigos do Código Civil. Em verdade, o citado artigo 1.212 consagra um dos casos em que admissível o manejo de interditos, disciplinando, especificamente, o cabimento dessas ações contra o terceiro que sucede o original turbador ou esbulhador.

No que ultrapassa essa consideração, a preliminar muito desborda a simples análise das condições da ação; trata, em verdade, do mérito. Não cabe, à luz da teoria da asserção, investigar a fundo as qualidades objetiva (justa/injusta) e subjetiva (boa-fé/má-fé) da posse do réu para aferição dessas condições. Para o recebimento da inicial, as condições da ação são aferidas pela adequação entre o direito abstratamente invocado pelo autor e os sujeitos da relação obrigacional/sujeicional gerada por esse direito, observada essa relação a partir da descrição que a parte autora faz da relação material, pressupondo-se, por hipótese, que as assertivas do demandante são verdadeiras. “O que importa é a afirmação do autor, e não a correspondência entre a afirmação e a realidade, que já seria problema de mérito”, na dicção de LUIZ GUILHERME MARINONI. [In Novas linhas do processo civil, p. 212.]

Por conseguinte, REJEITO a preliminar de mérito suscitada pela parte ré.

1.3 – O pedido reconvencional está redigido nos seguintes termos: “subsidiariamente, a condenação dos Autores a pagarem à Ré a quantia de R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil reais)…”. Ocorre que não há pedido reconvencional principal – a impressão é que a parte pretendia que o pedido reconvencional fosse tomado como subsidiário à exceção de usucapião veiculada em contestação – espécie de cumulação inadmissível, pois condicionaria o próprio julgamento da reconvenção à procedência da ação. Uma vez que não é possível a apresentação de reconvenção estritamente condicional, o pedido será interpretado com a supressão do advérbio “subsidiariamente”.

[destaques do original]

Também foram fixados os pontos controvertidos de fato e de direito, foi distribuído o ônus da prova e foram estabelecidos os meios de prova admitidos:

São incontroversas as seguintes questões de fato: os autores são herdeiros de FRANCISCO FLORES DOS SANTOS, avô da ré; a demandada manteve relacionamento amoroso com um filho de ANTONIA DOS SANTOS MENEZES, e o casal residiu, por algum período, no imóvel em disputa.

São controvertidas as seguintes questões de fato, sobre as quais admitir-se-á a produção de provas:

2.1 – desde quando a demandada reside no imóvel em disputa;

2.2 – se a demandada celebrou mútuo verbal com FRANCISCO FLORES DOS SANTOS;

2.3 – se a demandada celebrou mútuo verbal com os autores;

2.4 – se a demandada exerceu posse mansa, pacífica, sem oposição e com animus domini do imóvel em disputa e, em caso positivo, desde quando;

2.5 – se a parte autora apresentou oposição fundada à posse da parte autora, e quando;

2.6 – se a demandada construiu ou contribuiu para a construção de acessão industrial no imóvel sob disputa;

2.7 – quando a demandada constituiu relação amorosa com o filho de ANTONIA DOS SANTOS MENEZES; e

2.8 – o valor da acessão industrial erigida sobre o imóvel em disputa.

DEFIRO a prova oral requerida pela parte ré/reconvinte, pois pertinente para o esclarecimento desses fatos.

[...]

O ônus da prova obedecerá ao artigo 373, I e II, do Código de Processo Civil, sem redistribuição. Assim sendo, caberá à parte autora comprovar os fatos constitutivos de seu direito, e os extintivos, modificativos e impeditivos do direito que subsidia a pretensão reconvencional. Caberá à parte ré comprovar os fatos constitutivos de seu direito e os extintivos, modificativos e impeditivos do direito da parte autora.

[...]

São controvertidas as seguintes questões de direito:

4.1 – a caracterização de comodato entre a parte autora e a parte ré, e a extinção do (possível) comodato entre a demandada e seu avô pela morte deste;

4.2 – a qualidade objetiva (justa/injusta) e subjetiva (de boa ou má-fé) da...

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