Acórdão nº 50020888520208210026 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Vigésima Câmara Cível, 11-05-2022

Data de Julgamento11 Maio 2022
ÓrgãoVigésima Câmara Cível
Classe processualApelação
Número do processo50020888520208210026
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002071488
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

20ª Câmara Cível

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Cível Nº 5002088-85.2020.8.21.0026/RS

TIPO DE AÇÃO: Promessa de Compra e Venda

RELATORA: Desembargadora WALDA MARIA MELO PIERRO

APELANTE: GELSON VOLNEI SODER (AUTOR)

APELANTE: GTR HOTEIS E RESORT LTDA (RÉU)

APELADO: OS MESMOS

RELATÓRIO

Trata-se de apelações interpostas por GTR HOTÉIS E RESORT LTDA e por GELSON VOLNEI SODER, respectivamente, diante da sentença que, no curso da ação de resolução contratual cumulada com pedido de restituição de valor e indenização por dano moral, acolheu parcialmente o pedido veiculado pelo autor, conforme dispositivo sentencial ora se transcreve:

"Ante o exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a presente ação de resolução contratual cumulada com pedido de restituição de valor e indenização por danos morais que GELSON VOLNEI SODER move em face de GTR HOTEIS E RESORT LTDA., para o fim de:

A) DECLARAR rescindido o contrato particular de promessa de compra e venda de unidade imobiliária, no regime de multipropriedade (frações), firmado entre as partes na data de 15 de dezembro de 2018;

B) CONDENAR a ré a restituir à parte autora os valores já quitados, corrigidos monetariamente pela variação do IGP-M a contar do desembolso e acrescidos de juros de mora de 1% ao mês a contar da citação, do qual deverá ser abatido percentual de 20% já pago, bem como de 10% do valor do contrato, este último a título de cláusula penal, conforme fundamentação supra.

Considerando a sucumbência recíproca, condeno as partes ao pagamento das custas, de forma proporcional, bem como ao pagamento dos honorários advocatícios do procurador da parte adversa, fixada a verba em 10% sobre o valor da condenação, já considerados os abatimentos, com fulcro no art. 85, §2° do CPC, atualizado pelo IGP-M a partir desta data, bem como acrescido de juros moratórios de 1% ao mês, incidentes a partir do trânsito em julgado desta sentença, vedada a compensação."

Em suas razões, narra que autor celebrou contrato de compra e venda de frações de tempo, no regime de multipropriedade, no empreendimento denominado Gramado Termas Resort Spa (complexo hoteleiro). Explica que com a aquisição das frações, o adquirente poderia fazer uso nas suas semanas de direito; poderia trocar suas diárias com outros adquirentes conveniados pela RCI, viajando para outras localidades que não Gramado / RS ou poderia, ainda, disponibilizar sua fração para o pool hoteleiro de locação e obter retorno financeiro com as locações. Quanto ao retorno das partes ao estado anterior, assevera que o apelado apresenta um arrependimento tardio, que não pode ser chancelado pelo Judiciário, haja vista que a obrigações assumidas no contrato foram cumpridas, especialmente a entrega da obra no prazo avençado. Aduz a impossibilidade de aplicação de juros sobre eventuais valores a serem restituídos, assim como a incidência da correção monetária pelo índice da correção monetária a partir de cada desembolso. Consigna que desde dezembro de 2018 o hotel, entregue ao adquirente, está em plena operação, pelo que é devido tanto a taxa de fruição quanto a taxa condominial, por expressa previsão contratual e legal.

Por sua vez, o autor, defende a inversão do ônus da prova, sob a alegação de que se trata de matéria afeita ao direito do consumidor, devendo, portanto, ser aplicado à hipótese em que se aponta, as normas do direito do consumidor, equivocadamente afastadas pelo juízo monocrático. Postula, ainda, que seja reconhecido o seu direito a receber integralmente os valores desembolsados, com juros e correção monetária; condenar a demandada, ainda, ao dano extrapatrimonial.

Ofertadas as contrarrazões, subiram os autos.

É o relatório.

VOTO

Pretende o autor, com o manejo da presente demanda, o desfazimento do negócio jurídico por culpa exclusiva da ré, assim como a condenação da ré à devolução dos valores já adimplidos, devidamente corrigidos, bem como ao pagamento de indenização a título de dano moral. A par disso, informa que firmou contrato de promessa de compra e venda de unidade imobiliária, no regime de multipropriedade. Todavia, compreende que faz jus à resolução contratual, com devolução dos valores pagos, tendo em vista a ocorrência de lesão ao direito e erro no negócio jurídico.

Ao impugnar a pretensão inicial, a empresa demandada, discorre sobre o negócio jurídico celebrado e sua impossibilidade de retorno ao status quo ante. Assevera que o negócio jurídico celebrado entre as partes é existente, válido e eficaz. Acrescenta que em momento algum fez promessas não cumpridas e que no ato da venda não houve má-fé da vendedora, tão pouco erro, dolo, coação ou simulação, para que o negócio jurídico venha a ser declarado anulável ou até mesmo nulo. Expõe que por livre e espontânea vontade o autor optou por comprar o imóvel em questão, aceitando as suas condições de uso e gozo.

O comando sentencial ora exarado julgou procedente em parte o pedido, declarando a rescisão do contrato, bem como o dever de a ré restituir à parte autora os valores já quitados, corrigidos monetariamente pela variação do IGP-M a contar do desembolso e acrescidos de juros de mora de 1% ao mês a contar da citação, do qual deverá ser abatido percentual de 20% já pago, bem como de 10% do valor do contrato, este último a título de cláusula penal.

Inconformadas as partes, apelam.

A empresa demanda insurge-se quanto à atualização dos valores a serem devolvidos e o autor, em contrapartida, persegue a devolução integral dos valores desembolsados, bem como a indenização a título de dano extrapatrimonial.

Dito isso, esclarecendo o ponto nodal, passa-se a enfrentar as insurgências recursais.

Estreme de dúvidas, o Código de Defesa do Consumidor é aplicável às empresas que exercem atividade de construção e incorporação, nos termos do art. 3º, §2º do CDC, ipsis litteris:

Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.

(...)

§ 2° Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista. (grifei).

Na mesma linha de entendimento é a jurisprudência desta Corte:

APELAÇÃO CÍVEL. PROMESSA DE COMPRA E VENDA. CONTRATO PARTICULAR DE COMPRA E VENDA DE UNIDADE IMOBILIÁRIA. REGIME DE MULTIPROPRIEDADE. AÇÃO DE RESCISÃO. RESTITUIÇÃO DOS VALORES PAGOS. Aplicação do CDC. Possibilidade, pois, no caso concreto, há relação de consumo, sendo o adquirente destinatário final. Rescisão contratual. Descabimento no caso concreto. Prova documental que não denota ocorrência de violação dos deveres decorrentes do princípio da boa-fé, do dever de informação ou a onerosidade excessiva.Caso em que todas as informações sobre a cobrança de taxas e despesas condominiais, bem como sobre o regime de fruição das unidades foi especificado no contrato firmado entre as partes, cuja adesão pelo autor apelante foi livre. Arrependimento posterior do adquirente que não enseja rescisão contratual. APELAÇÃO DESPROVIDA.(Apelação Cível, Nº 70085145258, Décima Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Heleno Tregnago Saraiva, Julgado em: 16-12-2021)

APELAÇÃO CÍVEL. PROMESSA DE COMPRA E VENDA. AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL. MULTIPROPRIEDADE. APLICAÇÃO DO CDC. CABÍVEL. CLÁUSULA PENAL LIMITADA A 20%. SENTENÇA REFORMADA. - Incidência do Código de Defesa do Consumidor ao caso concreto, uma vez que a relação existente entre as partes caracteriza efetiva relação de consumo, enquadrando-se a empresa ré no conceito de fornecedora e o autor na definição jurídica de consumidor, pois destinatário final do serviço fornecido pela empresa - Diante da insuportabilidade do pagamento das parcelas mensais contratadas, é possível ao consumidor pleitear a resolução do contrato e a restituição das parcelas pagas com fundamento na teoria da onerosidade excessiva, ressalvando-se a retenção em favor do promitente-vendedor de parte da quantia paga. - Caso em que a ré admite a resolução do contrato com a retenção de parte dos valores pagos pelo autor a título de indenização por perdas e danos, motivo pelo qual não se justifica a manutenção do contrato celebrado entre as partes. - Percentual de retenção mantido ao patamar de 20% do valor das parcelas pagas, percentual amplamente aceito pela jurisprudência como razoável para o caso de resolução por culpa do promitente-comprador. APELO PARCIALMENTE PROVIDO. UNÂNIME.(Apelação Cível, Nº 50010709520208210101, Décima Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Gelson Rolim Stocker, Julgado em: 29-04-2021)

Conforme antes destacado, se está diante de incorporação imobiliária sob o regime de multipropriedade. A controvérsia existente entre as parte gira em torno do motivo pelo qual o consumidor pretende a rescisão do contrato, o que determina a incidência da multa contratual ou de percentual sobre o valor efetivamente pago.

Sobre o contrato entabulado pelas partes, peço vênia para trancrever parte do voto do Desembargador Pedro Celso Dal Pra, quando do julgamento da Apelação nº 70079941688, em 25/04/2019:

"Importante, ainda, tecer a necessária distinção entre os sistemas “time-sharing” e “multipropriedade” (sendo este último o caso dos autos), em evidente transmudação conceitual, em especial no que tange à natureza jurídica de uma e de outra.

Muito embora semelhantes quanto aos seus escopos, pois que ambos buscam o aproveitamento compartilhado de um bem imóvel ou...

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