Acórdão nº 50020934820208210078 Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Quarta Câmara Criminal, 10-11-2022

Data de Julgamento10 Novembro 2022
ÓrgãoQuarta Câmara Criminal
Classe processualApelação
Número do processo50020934820208210078
Tribunal de OrigemTribunal de Justiça do RS
Tipo de documentoAcórdão

PODER JUDICIÁRIO

Documento:20002930045
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

4ª Câmara Criminal

Avenida Borges de Medeiros, 1565 - Porto Alegre/RS - CEP 90110-906

Apelação Criminal Nº 5002093-48.2020.8.21.0078/RS

TIPO DE AÇÃO: Crimes do Sistema Nacional de Armas (Lei 9.437/97 e Lei 10.826/03)

RELATORA: Desembargadora GISELE ANNE VIEIRA DE AZAMBUJA

APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (AUTOR)

APELANTE: ANDERSON ANTONIO IGNACIO (RÉU)

APELADO: MAICON SZIDOSKI (RÉU)

APELADO: OS MESMOS

RELATÓRIO

O MINISTÉRIO PÚBLICO denunciou ANDERSON ANTÔNIO INÁCIO e MAICON SZIDOSKI, dando o primeiro como incurso nas sanções do artigo 12 da Lei nº 10.826/03 e 28 da Lei nº 11.343/06, e o segundo como incurso nas sanções do artigo 12 da Lei nº 10.826/03, c/c o artigo 61, inciso I, do Código Penal, ante a prática dos seguintes fatos delituosos:

1. No dia 22 de junho de 2020, por volta das Travessa Epitácio Pessoa, 652, Centro, em 08h30min, na Veranópolis/RS, o denunciado ANDERSON ANTÔNIO IGNÁCIO possuía e mantinha sob sua guarda, no interior de sua residência, o revólver, calibre .357, marca TAURUS, número de série P. A607301, municiado com 8 (oito) cartuchos do mesmo calibre (auto de apreensão de fl. não numerada), de uso permitido, sem autorização e em desacordo com a determinação legal ou regulamentar.

2. Nas mesmas circunstancias tempo e local dos fatos 1 e 2, o denunciado ANDERSON ANTÔNIO IGNÁCIO trazia consigo, para uso pessoal, aproximadamente 20,67g (vinte vírgula sessenta e sete gramas), de maconha (laudo preliminar de fl. não numerada), sob a forma de duas porções, droga esta que possui o tatrahidrocanabinol, que é o princípio ativo da Cannabis Sativa, substâncias estas que causam dependência física e psíquica, em desacordo com a determinação legal ou regulamentar.

3. No dia 22 de junho de 2020, por volta das 08h30min, na Travessa Epitácio Pessoa, 652, Centro, em Veranópolis/RS, o denunciado MAICON SZIDOSKI possuía e mantinha sob sua guarda 30 cartuchos de calibre .9mm, sem marca aparente, acondicionadas em parte em um carregador marca GLOCK (auto de apreensão de fl. não numerada do IP), de uso permitido, sem autorização e em desacordo com a determinação legal ou regulamentar.

CIRCUNSTÂNCIAS COMUNS AOS FATOS:

Por ocasião dos fatos, em cumprimento do mandado de busca e apreensão expedido por este juízo (078/2.20.0000424-3), policiais civis militares se dirigiram ao endereço supracitado, e oportunidade em que foram apreendidas as armas, as munições e a droga acima descritas nos referidos, além de dois coletes balisticos, tendo sido os denunciados presos em flagrante de delito, além de que verificado que se encontravam os denunciados na condição de foragidos da justiça. A arma foi testada, se encontrando em perfeitas condições de uso. As munições também restaram testadas, possuindo eficácia e potencialidade lesiva, conforme laudo preliminar de fls. não numeradas do IP.

A denúncia foi recebida em 08/08/2020 (evento 3, DOC4, fl. 33).

Após regular tramitação do feito, sobreveio sentença de lavra do ilustre Juiz de Direito Dr. Paulo Augusto Oliveira Irion, julgando parcialmente procedente a denúncia a fim de:

(a) ABSOLVER os acusados ANDERSON ANTÔNIO IGNÁCIO e MAICON SZIDOSKU em relação a acusação de terem praticado o crime previsto no artigo 12, caput, da Lei nº 10.826/03, com base no artigo 386, inciso II, do Código de Processo Penal;

(b) CONDENAR o acusado ANDERSON ANTÔNIO IGNÁCIO como incurso nas sanções do artigo 28 da Lei nº 11.343/06, à pena de advertência sobre os efeitos das drogas.

A sentença foi publicada presumidamente em 04/04/2022 (evento 3, PROCJUDIC7, fl. 27).

O Ministério Público interpôs recurso de apelação. Em razões, requereu a reforma parcial da sentença para ver condenados os réus Anderson e Maicon como incursos nos artigos 12 da Lei 10.826/03 (evento 3, PROCJUDIC7, fls. 28/33).

A defesa também interpôs recurso de apelação, requerendo a reforma da sentença no sentido de se absolver o réu Anderson da condenação pelo crime de posse de drogas para consumo, sustentando a inconstitucionalidade do delito (evento 3, PROCJUDIC7, fls. 47/50 e evento 3, PROCJUDIC8, fls. 01/02).

Foram apresentadas as contrarrazões, e os autos foram remetidos a esta Corte.

Em parecer, o ilustre Procurador de Justiça Dr. Heriberto Roos Maciel opinou pelo desprovimento do apelo defensivo e pelo provimento do apelo ministerial, condenado-se os réus como incursos no artigo 12 da Lei 10.826/03.

Vieram os autos conclusos para julgamento.

É o relatório.

VOTO

Conheço dos recursos, porque adequados e tempestivos.

RECURSO DEFENSIVO

A defesa requereu a absolvição do acusado Anderson Antônio Ignácio do crime do artigo 28 da Lei 11.343/06, ao argumento de inconstitucionalidade do crime, ante os princípios da alteridade/lesividade e insignificância.

Sem razão, contudo.

A jurisprudência do STJ admite a condenação pelo crime do artigo 28 da Lei de Drogas, ainda que ínfima a quantidade da droga apreendida. A Lei 11.343/06 não descriminalizou a conduta, havendo mera despenalização.

Nesse sentido:

HABEAS COUS. TRÁFICO DE DROGAS. WRIT SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. DESVIRTUAMENTO. ARTIGO 28 DA LEI N. 11.343/2006. MERA DESPENALIZAÇÃO. REINCIDÊNCIA. CONFIGURAÇÃO. MINORANTE PREVISTA NO § 4º DO ARTIGO 33 DA LEI N. 11.343/2006. PRETENDIDA APLICAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. PACIENTE REINCIDENTE. REGIME INICIAL MAIS BRANDO. IMPOSSIBILIDADE. SUBSTITUIÇÃO DA PENA. AUSÊNCIA DE CUMPRIMENTO DO REQUISITO OBJETIVO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO.
1. O Superior Tribunal de Justiça, alinhando-se à nova jurisprudência da Corte Suprema, também passou a restringir as hipóteses de cabimento do habeas corpus, não admitindo que o remédio constitucional seja utilizado em substituição ao recurso ou ação cabível, ressalvadas as situações em que, à vista da flagrante ilegalidade do ato apontado como coator, em prejuízo da liberdade do paciente, seja cogente a concessão, de ofício, da ordem de habeas corpus.
2. Este Superior Tribunal, alinhando-se ao entendimento firmado pela Corte Suprema (Questão de Ordem no RE n. 430.105-9/RJ), também firmou a orientação no sentido de que, com o advento da Lei n. 11.343/2006, não houve descriminalização (abolitio criminis) da conduta de porte de substância entorpecente para consumo pessoal, mas mera despenalização.
3. Uma vez constatada a existência de condenação definitiva anterior pela prática do crime previsto no artigo 28 da Lei n. 11.343/2006, e considerando que a conduta disciplinada desse dispositivo legal não deixou de ser crime, não há como ser aplicada a minorante prevista no artigo 33, § 4º, da Lei de Drogas, haja vista a reincidência do paciente.
4. Embora o acusado tenha sido definitivamente condenado a reprimenda inferior a 8 anos de reclusão, o quantum da pena a ele imposta (5 anos de reclusão), somado à reincidência, evidenciam que o regime inicial fechado é realmente o que se mostra o mais adequado para a prevenção e a repressão do delito perpetrado, consoante o disposto no artigo 33, § 2º, "b", e § 3º, do Código Penal.
5. Mostra-se inviável proceder-se à substituição da reprimenda privativa de liberdade por restritiva de direitos, em razão da ausência de cumprimento do requisito objetivo, já que o paciente restou definitivamente condenado à pena de 5 anos de reclusão, superior, portanto, ao limite de 4 anos previsto no inciso I do artigo 44 do Código Penal.
6. Habeas corpus não conhecido. (HC n. 292.292/SP, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 5/6/2014, DJe de 25/6/2014.)

De outra banda, não há falar em inconstitucionalidade da norma por afronta ao direito de intimidade ou de liberdade individual.

Isto porque tal norma tutela interesse coletivo que se sobrepõe ao direito individual de liberdade, constitucionalmente assegurado. A posse de substância entorpecente representa perigo para a saúde pública, o que autoriza o apenamento da conduta do agente sem que resulte ferido o seu direito à intimidade.

Típica se afigura, portanto, a conduta de quem possui substância entorpecente para consumo pessoal, mesmo que ínfima a quantidade, que constitui aliás elemento inerente ao delito em questão.

A posição é há muito sedimentada na Corte Superior:

HABEAS COUS. POSSE DE DROGAS PARA CONSUMO PESSOAL (ART. 28 DA LEI 11.343/06). PENA: 4 MESES, POR 8 HORAS SEMANAIS, DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS À COMUNIDADE. PROVA DA MATERIALIDADE E AUTORIA DA CONDUTA DELITUOSA. PEQUENA QUANTIDADE DE DROGA APREENDIDA. INAPLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. PRECEDENTES DO STJ. PARECER DO MPF PELA DENEGAÇÃO DA ORDEM. WRIT DENEGADO. 1. A pequena quantidade de substância entorpecente, por ser característica própria do tipo de posse de drogas para uso próprio (art. 28 da Lei 11.343/06) não afasta a tipicidade da conduta. Precedentes. 2. HC denegado, em consonância com o parecer ministerial. (HC 158.938/RS, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, QUINTA TURMA, julgado em 22/02/2011, DJe 21/03/2011) - grifei

Com efeito, a infração tipificada no artigo 28 da Lei de Drogas se caracteriza como de menor potencial ofensivo. Comporta a aplicação de penas mais brandas, dentre as quais não se insere a privação de liberdade, o que não significa dizer que tenha a conduta sido descriminalizada.

Novamente, impossível desconsiderar, na hipótese, que o seu cometimento configura dano à saúde pública, bem jurídico tutelado, não se abrindo espaço, portanto, para a aplicação do princípio da insignificância.

Por fim, cumpre observar que a inconstitucionalidade do artigo 28 da Lei n° 11.343/2006, aventada pela defesa, encontra-se ainda em discussão na Corte Suprema - RE 635.659/STF.

Assim, estando a conduta prevista em lei penal em vigor descabe falar em atipicidade ou descriminalização. Deve, pois, ser mantida a condenação do réu Anderson Antônio Ignácio como incurso no artigo 28...

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